No início de fevereiro, aconteceu em Lima (Peru), um encontro fora do comum com mais de 80 mulheres atuantes em diversas áreas: presidentes ou donas de empresas; banqueiras; orientadoras de investimentos; juristas; médicas; artistas plásticas; cientistas e ambientalistas. Com o nome de Belizean Grove, o grupo foi criado em 2001, com a idéia de contrapor uma confraria misteriosa dos Estados Unidos, conhecida por Bohemian Grove, esta freqüentada por homens poderosos que se recusam a deixar mulheres participarem de suas atividades. A versão feminina é aberta, leve, cooperativa e divertida.
Criado por empresárias à volta de uma piscina em Belize (América Central), o grupo tem como co-criadora Susan Stautberg, que já foi consultora e comunicadora da Casa Branca e é hoje dona e presidente da PartnerCom, uma companhia que organiza conselhos de organizações, tendo se especializado na inserção de mulheres no mundo empresarial. Fundou, além do grupo que se reuniu em Lima, o Women Corporate Directors, que terá sua primeira reunião em São Paulo dia 30 de março, com a participação de mais de 30 empresárias brasileiras.
Durante os três dias de encontro em Lima, a programação foi variada com palestras, almoços com prêmios para honrar destaques de 2008, ou para reconhecer talentos que se desvendavam no decorrer do evento, sempre em meio a muito humor e leveza. As palestras e mesas redondas abordaram desde espiritualidade e o uso da intuição como meio de aumentar a eficácia nos negócios, medicinas alopatas e alternativas para garantir a saúde feminina, a questões ambientais. Fui convidada a falar sobre este tema com perspectivas para o terceiro milênio e confesso que me surpreendi com a reação de muitas participantes.
Fiz parte de uma mesa redonda liderada pela Dra. Mary Pearl, diretora do Wildlife Trust por 15 anos e agora reitora e vice-presidente da State University of New York Stony Brook Southampton. Mary apresentou o tema com ênfase na necessidade de abrirmos nossas mentes e corações para as questões ambientais, pois já estamos levando muito tempo para percebermos a urgência de tomarmos medidas que beneficiem o planeta. Passou a palavra à Judith Ayres, mestre por Harvard em Biologia da Conservação que trabalhou na Environmental Protection Agency (EPA), órgão ambiental dos Estados Unidos e assessorou as relações internacionais referentes à energia. Judith enfocou serviços ambientais e como a natureza é generosa ao nos proporcionar benefícios que não são contabilizados nas equações do mundo da Economia.
Na minha vez, contei sobre nossa trajetória (minha e de Claudio Padua, meu marido e companheiro de missão) no meio ambiental, que começou há mais de 20 anos, quando fomos considerados loucos por estarmos embarcando em algo considerado apenas modismo. Coisa de gente irresponsável indo atrás de caprichos pessoais. Mas, com o passar do tempo, infelizmente, o que havia sido visto nesta ótica do pessoal passou a ser percebido como necessário para a coletividade. O fato é que, mesmo desejando o inverso, temos conquistado reconhecimento por conta da evolução das condições socioambientais mundiais. Sem dúvida, esta situação está diretamente relacionada ao modelo de desenvolvimento insustentável atual.
Uma vez que o anseio por crescimento econômico havia sido mencionado nos dias anteriores por várias participantes do Belizean Grove, passa a ser importante que se mude a forma de pensar o mais rapidamente possível e se passe a incluir os recursos naturais como elementos valiosos e finitos (confira meu artigo anterior A Economia precisa de um sacolejo). Se o grupo quiser continuar sendo vanguarda precisa se dar conta dos limites da Terra. É necessário que se trabalhe por um desenvolvimento diferente que não vise somente crescimento, pois os recursos naturais já não são mais suficientes para suprir o número de habitantes com a expectativa de consumo crescente. O planeta não pode ser tratado como infinito, porque simplesmente não o é.
O professor canadense Bill Rees, com base em cálculos exaustivos sobre a disponibilidade do que a Terra oferece chegou a conclusão de que já seriam necessários quatro planetas se quiséssemos dar a cada cidadão um padrão de um norte-americano de classe média ou mesmo mais baixa. Então, querendo ou não encarar a realidade, não vamos poder crescer indefinidamente e ponto final. É melhor mudarmos enquanto há tempo de sermos inovadoras, assumindo liderança nessa nova forma de pensar.
Fui seguida por Yolanda Kakabadse, ex-primeira ministra de Meio Ambiente do Equador e atuante inveterada nacional e internacionalmente em esferas ambientais, inclusive nas Metas do Milênio das Nações Unidas. Ela enfocou exatamente o fato dos ambientalistas não se comunicarem com efetividade. Deu exemplos que são ignorados pelos meios de comunicação como, por exemplo, para cada quilo de carne consumida são gastos 43 mil litros de água. Isso além do desmatamento que ocorre para se colocar o gado nos pastos. Os oceanos estão sendo poluídos, mas ninguém percebe a não ser quando determinado peixe diminui para consumo.
Finalmente, Sonia Sotomayor, juíza e candidata à Suprema Corte Norte-Americana agora no governo Obama, doutora por Princeton e com trânsito aberto como palestrante e conselheira nas melhores universidades do país, mostrou como a legislação está presente em todas as relações humanas, desde o nascimento, o casamento, o divórcio e assim por diante. Em sua opinião, o sistema judiciário precisa ser independente e bem definido e a sociedade civil tem um papel fundamental, nem sempre percebido, quanto ao poder de influenciar decisões. Ela defende que os processos pelos quais as decisões são tomadas precisam ser acompanhados, pois são nestes que as mudanças são feitas. Quem deseja controlar resultados alija a sociedade de potencial de participação e de exercer sua cidadania. No caso ambiental, nada de diferente. Quanto mais a sociedade acompanhar processos, mais terá a chance de influenciar os resultados e, assim buscar maior sustentabilidade.
Nada de novo em nossas falas para quem é da área. O que me espantou foi a reação de muitas mulheres que me abordaram posteriormente, afirmando nunca terem pensado na situação atual com tamanha clareza quanto à necessidade de se mudar o rumo do desenvolvimento com a maior rapidez possível. O que lêem nos jornais ou revistas e o que assistem na televisão parece ser captado de maneira fragmentada, sem que o sentido de urgência, óbvia para nós ambientalistas, seja percebido. Foi isto que me fez pensar que a culpa é nossa. Não estamos sabendo comunicar e, quando o fazemos, a mensagem não está sendo absorvida por quem pode influenciar mudanças.
Como diz o livro base da Biologia da Conservação, somente cientistas entendem de Ciência. E é este o desafio: levar o que se sabe à esfera da decisão política. Políticos e tomadores de decisão raramente são bem informados em ciências naturais e quando pedem opiniões a experts acabam recebendo toneladas de papéis com gráficos complicados, linguajar incompreensível e, o que é pior, opiniões divergentes entre os próprios especialistas consultados. Citado neste livro, Brosnam sugere que comecemos a formar profissionais que traduzam o mundo científico em algo palatável e útil a tomadores de decisões. O “cientista tradutor”, como chama, terá a incumbência de servir de ponte entre as diferentes esferas, com o objetivo de propiciar ferramentas às decisões políticas, e por outro lado adaptar as demandas políticas a perguntas que possam ser respondidas com objetividade por especialistas. Outra tarefa do “cientista tradutor” é articular as implicações das informações científicas sobre biodiversidade e conservação. Por mais surpreendente que possa parecer essas implicações são raramente reconhecidas, tanto pelos políticos quanto pelos cientistas, pois um não tem conhecimento nem experiência no campo do outro. Um profissional para desempenhar este papel precisará ter conhecimentos de ciências naturais e sociais, além de legislação ambiental e de como são elaboradas as políticas públicas. Não existem cursos que formem profissionais com este perfil, mas a necessidade é crescente.
Principalmente a junção da teoria à prática é cada vez mais necessária. As universidades continuam predominantemente formando teóricos e não práticos. Por isso a importância de mestrados profissionais, como, por exemplo, o que está sendo oferecido na Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, iniciativa da ong IPÊ apoiada pela Natura e aprovado pela Capes. Com os problemas ambientais em ascensão, existe cada vez mais urgência em se formar gente que faz, mas que faz com qualidade e em bases científicas para que tenhamos menos chances de errar. Nada contra errar, pois só não erra quem nada faz. Mas, o tempo urge e precisamos acertar ao máximo para darmos chances ao planeta de sobreviver em sua plenitude.
Meios de comunicação têm importância vital nesse cenário. O grande público precisa ser sensibilizado e conquistado para um pensar que leve à sustentabilidade. Daí a responsabilidade de jornalistas como Marcos Sá Correa, Sérgio Abranches e todos os outros de O Eco. Mais incrível, ainda, é quando referencias da área econômica aderem a pensamentos de sustentabilidade como é o caso da Miriam Leitão, por exemplo. Essa junção de saberes atinge outros públicos e não somente os “convertidos”, como é o nosso caso. Admiro quem tem a coragem de divulgar questões ambientais, mesmo sabendo dos desafios.
Mas, meu sonho, ainda, é o de conseguir que uma escritora de novelas construa um personagem consciente e apaixonado pela natureza brasileira. Cheguei a propor a Gloria Perez quando a encontrei no Prêmio Claudia há anos atrás. Mas, infelizmente seu interesse foi nulo. Quem sabe um dia um ator como Marcos Palmeira, que já é ambientalista, pode vir a convencer quem escreve seus personagens a protagonizar alguém com responsabilidade ambiental.
Mudar valores, formas de agir, relações entre pessoas e entre gente e natureza não é mais capricho. É necessidade. O encontro de mulheres, no caso o Belizean Grove ou o Women Corporate Directors, que ocorrerá no Brasil pela primeira vez, ou qualquer grupo de tomadores de decisão, seja que gênero for, precisa agora ser abordado com eficiência. Devemos ser criativos na forma de nos comunicarmos, mas é essencial que disseminemos o que sabemos.
Dentre as noções básicas que merecem ser divulgadas estão a finitude dos recursos naturais, ou como a natureza deve ser contabilizada nas equações econômicas. Uma vez que não há recursos para sustentar o padrão de vida atual indefinidamente, o desejo por um crescimento econômico ponderado, responsável e que atue pela própria sustentabilidade planetária precisa ser rapidamente transformado em um anseio amplamente difundido, se quisermos salvar o planeta.
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