O Brasil está sempre improvisando. Perdeu a visão do horizonte. Não pensa o futuro. Mas o mais grave é quando a liderança política, no governo, na oposição e entre os dois, não pensa sequer na conjuntura. Quando todos os sinais da crise global e suas repercussões aumentam de intensidade, só pensam na eleição de 2010. Na política, trazer a valor presente evento futuro significa abandonar critérios estratégicos por medidas puramente táticas e é o que se tem visto.
O governo, em campanha, continua a tratar a crise no Brasil como uma marola, apesar de todas as evidências em contrário. Predomina, ainda, a hipótese surreal do descolamento. Antes, era o decoupling financeiro. Agora é o decoupling em relação à economia real. Essa noção fantasiosa do país com ilha de tranquilidade em um mar global de problemas repete-se em nossa história política, sempre com os piores resultados. E ela está presente no governo e na oposição. Não são poucos os economistas de credenciais tucanas que passaram a acreditar na tese de que o Brasil não está atrelado à trajetória da economia global.
Eles só pensam naquilo
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com tantos temas relevantes na pauta global e nacional, de fôlego para serem objeto da preocupação de um ex-estadista, prefere pôr ênfase na crítica ao governador Aécio Neves, que quer sair em campanha pelo país. O governador Aécio Neves quer sair para reverter a vantagem que o governador José Serra tem sobre ele na máquina do PSDB como candidato a candidato à Presidência. Diz que vai discutir um programa para o Brasil, mas até hoje não apresentou uma idéia nova sequer para o futuro do país. O governador José Serra, diz que é hora de governar o estado, para ajudá-lo a enfrentar a crise, mas não se mostra incomodado com o fato de que seu partido não tem uma idéia sequer a oferecer ao país, em uma hora de aflições e desafios.
O PSDB está preocupado com a economia interna das prévias, quando na verdade deveria estar se perguntando se elas não poderiam ser um instrumento eficaz para arejar o debate e enfrentar o vazio de idéias e propostas que marca a política brasileira. O problema é que o partido não tem idéias a apresentar. Perdeu substância.
A candidata presuntiva do presidente Lula, a ministra Dilma Roussef, eleitoralizou sua visão, mas se esqueceu de atualizá-la e não faz mais que afirmar, até com certa irritação, que o governo tem as idéias mais certas, sem perceber que a mais nova delas data dos anos 70. Tampouco vê os defeitos estruturais de concepção do PAC, nem que as obras que estão sendo implantadas – como as hidrelétricas no Rio Madeira – desobedecem abertamente às condicionantes ambientais e sociais, gerando enormes externalidades que custarão caríssimo aos governos futuros.
O deputado Ciro Gomes (PSB-CE), critica o governo, critica o presidente Lula por ser desagregador, ao lançar-se em campanha tão cedo e com uma candidatura só. Mas, desde que foi eleito não apresentou uma só proposta que desse rumo para o país no século XXI.
Os “autênticos” do PMDB, senadores Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon, estão prestando um serviço ao país, ao acusar seu partido de oportunismo, clientelismo e corrupção. Mas há algo eleitoral nessa repentina indignação e na súbita urgência para a reforma política. No fundo, cheira menos a uma cruzada pela moralização do partido e da política e mais uma tentativa de evitar que o PMDB se alinhe imediatamente ao governismo ou ao lulismo, mais o jeitão do senador Jarbas Vasconcelos; ou tentar convencer setores do partido a buscarem uma candidatura própria no primeiro turno, mais aparentemente, o desejo do senador Simon.
O balanço final: a conversa política é comezinha, voltada para os estreitos interesses de cada facção.
Esperando o colapso
Esse vazio de idéias sobre o país, a economia, a crise, a degradação moral da política e da sociedade, o colapso da governança por todo seu território, que permite o avanço do crime organizado, da transgressão generalizada da lei, preocupa. Está nas metrópoles, na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal, contamina aceleradamente as cidades médias, que vinham mantendo maior nível de qualidade de vida e padrões diferenciados de governança. Gera um enorme potencial de risco para a economia, para a sociedade e para a democracia.
Afinal, o Brasil está na contramão do resto do mundo em vários setores: nas políticas educacional, universitária e de ciência e tecnologia. O governo está reduzindo o apoio a bolsas de doutorado no exterior, o que sinaliza perda de qualidade científica e tecnológica no futuro. Nossa educação, em todos os níveis, é de péssima qualidade e pouco tem a ver com as necessidades das próximas décadas.
Está na contramão do mundo na política energética: o plano de energia do governo prevê aumento de fontes fósseis e redução de energias renováveis na matriz elétrica até 2030. O contrário do que estão planejando fazer a China e a Índia. Em oposição ao que começará a se definir em Copenhague, em dezembro, em relação à “descarbonização” das economias. Há investidores interessados em implantar usinas eólicas no país, mas esbarram na ausência de regulação prévia aos leilões e em cálculos errôneos de custo-benefício das fontes de energia e da demanda por energia, que beneficiam o óleo combustível e o carvão. O oposto do que fazem Estados Unidos, Europa, Austrália, Nova Zelândia, Japão e China.
A infra-estrutura brasileira está defasada tecnologicamente, deteriorada e na contramão das tendências globais de economia de energia, energia renovável, logística sustentável e convergência de mídias. O governo só pensa em rodovias e ninguém na oposição parece ter noções de logística contemporânea, que levassem à sua diferenciação em relação ao governo atual. Mesmo no álcool, não há investimento suficiente em tecnologias de segunda geração, que aumentariam significativamente a produtividade do setor sucro-alcooleiro e permitiriam o uso de outras matérias-primas de alto teor de celulose, como as aparas de eucalipto, hoje em grande medida desperdiçadas, e o capim elefante.
O patrimônio natural do Brasil – a floresta Amazônica, suas águas, as águas do Cerrado; nosso mar; as espécies que podem ajudar o país a se adaptar à mudança climática, entre outros – é nosso principal ativo no século XXI e está sob ameaça terminal. O governo acha que já salvou a Amazônia do colapso, imagina que conteve o desmatamento e é ajudado nessa convicção por algumas análises que desconsideram, mais uma vez, o papel da crise na sua redução. O qual, diga-se de passagem, continua enorme, muito além do tolerável, mesmo em período de vacas magras. Enquanto isso, o ministro encarregado de estratégias de longo prazo tem a brilhante idéia de anistiar grileiros e distribuir incentivos aos irregulares da Amazônia. O presidente Lula dá mais importância à cultura de soja ou ao rebanho de nelore, do que à floresta Amazônica. E o pior é que nenhum dos dois precisa da terra frágil capturada à floresta a ferro e fogo para prosperar.
A oposição tem contribuído bastante para o avanço predatório sobre a Amazônia. É do PSDB o projeto que altera o Código Florestal, reduz a reserva obrigatória na Amazônia e incentiva o plantio de palma na região. O Cerrado é visto como terra disponível para qualquer atividade agropecuária. Não há proposta efetiva, em nenhum partido, de uma política séria de governança climática para o país. Arriscamos ficar na periferia das discussões em Copenhague, especialmente se o presidente Obama e sua secretária Hillary Clinton realizarem o plano, no qual estão trabalhando ativamente, para um acordo de cooperação sobre mudança climática com a China.
Enfim, agenda não falta. Faltam lideranças com capacidade de entender seus componentes mais críticos para o desenvolvimento e a competitividade do Brasil nas próximas décadas e traduzi-los em linguagem política e eleitoral.
Silêncio perigoso
Por que o silêncio da liderança política sobre os grandes temas, esse vazio de idéias no debate político nacional é nocivo? Porque ele cria um vácuo, no qual perdem força as vozes que, na sociedade, na academia, na imprensa, nas empresas, mantêm essa agenda minimamente presente no debate nacional. Mas sem sua tradução em expectativas reais de políticas públicas, elas se tornam apenas um exercício elegante de ilustração de iniciados. Mesmo que existam políticos que saibam o que fazer e, se eleitos, propusessem políticas públicas nessa direção, sua “produtividade política” ficaria comprometida por esse silêncio. Dificilmente trarão essas idéias a tempo para o debate eleitoral, portanto, não mobilizarão setores da sociedade em torno delas e ficarão, se eleitos, reféns do puro jogo clientelista de maiorias oportunistas que caracteriza o presidencialismo de coalizão brasileiro.
Como resultado, as políticas sairiam aguadas e ineficazes ou não seriam adotadas.
O presidente Obama tem enfrentado grande dificuldade para aprovar suas propostas que inovam, em alguns casos, e rompem, em todos os casos, com o passado recente de políticas públicas nos Estados Unidos. Mas tem maior chance de sucesso porque essas idéias foram o centro e o espírito de sua campanha, de uma longa pregação, de mais de ano, até ser eleito. Mobilizou setores sociais, lideranças políticas “secundárias” e “terciárias” (sem depreciação, apenas um descritivo hierárquico da estratificação política), criou momento.
Esse é o Risco Brasil de maior magnitude a médio e longo prazo. A degenerescência da liderança política, a falta de substância da visão política dessa liderança, sobretudo quando rebatidas nos sinais evidentes de colapso em vários setores fundamentais da vida nacional. Durante os últimos anos, achamos que o crescimento forte do PIB seria uma espécie de mão visível e benigna que resolveria todos os nossos problemas. É a pior expectativa: acreditar que uma quantidade – inclusive de precisão discutível – pode resolver problemas que são essencialmente de qualidade. Qualidade é uma questão de liderança e inovação, seja nas empresas, seja na política. E é essa a principal carência no Brasil de hoje.
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