Há cinco dias, o corpo técnico da Organização das Nações Unidas para a biodiversidade está reunido em Nairobi, Quênia, para tentar definir as bases das negociações que acontecerão no Japão, em outubro, durante a COP-10 – Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica. No encontro do final do ano, os países definirão um novo plano estratégico em relação ao tema.
O desafio não poderia ser maior. Já na abertura do evento, na última segunda-feira (10), o diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Achim Steiner, deu o tom de como seriam os debates: “Fracassamos”, disse, em relação ao acordo firmado em 2002, que previa que em 2010 o mundo teria reduzido “substancialmente a perda” de espécies e seus habitats. A não foi cumprida por nenhuma das nações signatárias da Convenção.
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A conclusão de Steiner se baseia nos resultados da terceira edição do relatório “Panorama Global da Biodiversidade”, do PNUMA, lançado na segunda e que mapeou a situação da fauna e flora em todo o mundo. O estudo confirmou que o índice de perda de biodiversidade atual é o maior de toda a história da humanidade. “O estudo chega à conclusão de que não alcançamos a meta, e mais, que as principais pressões causadoras da perda da diversidade biológica não são apenas constantes, mas que, além disso, em alguns casos, elas estão se intensificando”, diz o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, na introdução do trabalho.
O Panorama mostra que, de forma geral, as espécies em risco de extinção correm cada vez mais perigo em todo o mundo. Os anfíbios são os mais ameaçados – 42% das espécies estão em declínio –, mas o estado dos corais também chama a atenção: são eles que estão se deteriorando mais rapidamente. Entre as espécies vegetais, o trabalho mostra que cerca de um quarto estão em perigo de extinção e, entre os vertebrados, que um terço já foi extinta e seguem decrescendo em nível mundial, particularmente nos trópicos. E esses são apenas alguns dos dados alarmantes que o estudo traz.
Destaques
Segundo Cláudio Maretti, superintendente de Conservação da WWF Brasil, alguns pontos do trabalho merecem destaque. Pela primeira vez, as várias regiões do globo que estão ameaçadas pelo “ponto de não retorno” – no qual a biodiversidade não poderá mais se recompor – foram mapeadas de forma sistemática (a Amazônia está entre elas). O outro destaque vai para a forma como o documento enfatiza importância de inserir a biodiversidade nos mecanismos econômicos, mostrando os caminhos a serem seguidos. Um deles seria a eliminação de subsídios negativos. “Como você acha que Belo Monte foi viabilizado?”, pergunta, referindo-se aos benefícios concedidos pelo governo às empresas responsáveis pela mega hidrelétrica.
O Brasil, aliás, é citado várias vezes no trabalho. O relatório aponta o Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) como um mecanismo eficiente de conservação da floresta e dá destaque para a redução das taxas de desmatamento alcançadas nos últimos anos. “Poucos países fizeram aportes consideráveis para a rede mundial de áreas protegidas: dos 700 mil km² protegidos desde 2003, quase três quartos correspondem ao Brasil”, diz o trabalho.
O relatório, no entanto, também lembra que as quedas no desmatamento estão relacionadas à crise econômica mundial e que o país possui outras áreas muito vulneráveis, como o Cerrado e a própria Amazônia. “O documento mostra o paradoxo entre o aumento dos esforços de conservação e, ainda assim, a continuidade da perda da biodiversidade”, diz Maretti.
Em 2006, o Brasil transformou o compromisso internacional de reduzir a perda de biodiversidade em metas concretas, como proteger em unidades de conservação, até 2010, 10% da área original de todos os biomas e 30% da área original da Amazônia, além de eliminar o desmatamento no pouco que resta de Mata Atlântica. Chegado o prazo acordado internacional e nacionalmente, o país continua com déficit de 21 milhões de hectares em unidades de conservação e não dá mostras de que novas áreas criadas.
Encontro de Nairobi
Logo no início do documento da ONU, Schim Steiner faz um apelo direto às nações que vão se encontrar em outubro, no Japão, para decidir o futuro da biodiversidade. “Em 2010, declarado Ano Internacional da Diversidade Biológica, necessitamos urgentemente de um novo pacto mais inteligente entre a humanidade e os sistemas que sustentam a Terra”. Mas, a julgar pelo encontro preparatório, que acontece agora em Nairobi, esse “pacto mais inteligente” dificilmente será travado.
Segundo o diretor da WWF, que está presente ao encontro, as discussões já avançaram bastante em alguns pontos, como a avaliação dos programas de áreas protegidas como medidas eficientes para conservação. Mas outros ainda representam polêmica, entre eles a proteção em alto mar – as discussões emperram quando se discute de quem é a responsabilidade pela conservação – e a questão climática. “Aí para tudo”, diz Maretti. “Alguns países, principalmente a China, estão aqui claramente para não deixarem aprovar nada. É uma espécie de guerra das vaidades mundiais. A sensação que dá é que, do jeito que vai, vai mal”, lamenta.
Para o ambientalista, as discussões indicam que as metas que devem sair na COP da Biodiversidade serão ainda menos ambiciosas do que as acordadas para 2010. O encontro preparatório se estende por mais duas semanas, mas o descontentamento já é grande . As organizações não-governamentais preparam para semana que vem uma declaração, em que vão criticar o processo de negociações. Defenderão que, se continuar do jeito que está, a manutenção da biodiversidade não estará assegurada para as futuras gerações.
Gráfico
Imagem abaixo mostra as espécies mais numerosas por classe (gráfico à esquerda) e aquelas com maior quantidade ameaçadas ( à direita)
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