Um dos principais alvos da nova frente parlamentar nacionalista da Câmara é a atuação no país de organizações não-governamentais financiadas com dinheiro estrangeiro. Conforme o coordenador do grupo, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB/SP), essas entidades recebem recursos do exterior para ditar regras sobre o desenvolvimento brasileiro, posicinando a frente como um meio para “lutar contra as ações que contrariam os interesses do Brasil em favor dos interesses externos”.
Uma consulta à prestação de contas dos parlamentares da frente ao Tribunal Superior Eleitoral revela campanhas apoiadas com dinheiro de multinacionais, de empresas brasileiras com capital estrangeiro e de outras com histórico pouco notável no respeito à legislação ambiental. O cruzamento foi baseado no pleito de 2006, destacando doações de Pessoas Jurídicas com valor igual ou superior a dez mil reais, sem descartar valores menores de grupos ou indivíduos conhecidos da opinião pública.
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Algumas das empresas na lista têm em seu currículo acusações sobre desmatamento ilegal da Amazônia, Mata Atlântica e outras regiões, plantação de árvores exóticas em locais contrariando à legislação ambiental, ocupação de terras de indígenas e quilombolas, mineração descontrolada, receptação de madeira ilegal, aplicação de venenos em áreas de preservação permanente, contaminação de águas subterrâneas e de rios, poluição do ar, desrespeito às leis trabalhistas, uso de empresas-laranja para compra de terras, além de participação em megaprojetos de infraestrutura com severos impactos socioambientais.
Dinheiro de multinacionais ou de empresas brasileiras com participação de capital estrangeiro, como Bunge, Stora Enso, Tractebel, Veracel, Aracruz, Fosfértil, Vallurec Manes Mann, Guascor, Norske Skog Pisa e Duke Trading, foram registrados nas campanhas de parlamentares como Paulo Piau (PMDB/MG), Duarte Nogueira (PSDB/SP), Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), Eduardo Sciarra (DEM/PR), Waldemir Moka (PMDB/MS), Odacir Zonta (PP/SC), Moacir Micheletto (PMDB/PR), Cezar Silvestri (PPS/PR), Vieira da Cunha (PDT/RS), Dilceu Sperafico (PP/PR), Júlio César (DEM/PI), Moreira Mendes (PPS/RO) e José Maia Filho (DEM/PI).
Na listagem, também são encontradas doações recebidas pelos candidatos de empresas de petróleo, biotecnologia, celulose e papel, agrotóxicos e cigarros, de frigoríficos que atuaram na devastação da Amazônia, de siderúrgicas e mineradoras, de empreiteiras com atuação nacional e internacional, bancos privados, e companhias ligadas à produção de armamentos.
Não se fazem mais nacionalistas…
Para o deputado federal Ivan Valente (PSOL/SP), há grande contradição entre discursos e atos dos parlamentares auto-intitulados nacionalistas. “Não existem mais nacionalistas como antigamente, com projeto nacional de desenvolvimento, de nação. Hoje aceitam ações e dinheiro de transnacionais. Entendo que quem se diz nacionalista não deveria aceitar dinheiro de multinacionais ou de empresas que foram criminosamente privatizadas, como a Vale (do rio Doce) e Companhia Siderúrgica Nacional”, disse.
Para ele, a recriação da frente no momento em que se debatem mudanças no código florestal é um “deboche à inteligência dos brasileiros”. “A discussão não pode servir de álibi para se detonar a defesa dos recursos naturais brasileiros ou para não se discutir um outro modelo de desenvolvimento para a Amazônia, por exemplo. Os grandes benefíciarios do modelo destruidor atual de desenvolvimento são justamente os grupos ligados ao agronegócio, ao capital financeiro internacional”, ressaltou. “Por isso sou a favor do financiamento público exclusivo de campanhas”, arrematou.
Campanhas de peso
Dos 31 parlamentares que assinaram a refundação da frente nacionalista (veja tabela abaixo), Aldo Rebelo figura com a campanha mais cara, de quase 1,5 milhão de reais. Sua prestação de contas inclui doações recebidas da Votorantim, Camargo Corrêa, Companhia Siderúrgica Nacional e Caemi Mineração, do grupo Vale do Rio Doce, somando 740 mil reais. Ou seja 50% da origem dos fundos vieram destas empresas
O parlamentar é relator da proposta de mudança no Código Florestal Brasileiro na Câmara, apontada por ambientalistas e pesquisadores como altamente perigosa para o futuro das matas nacionais por aumentar a possibilidade de desmatamento legal. Em 2004, Rebelo foi responsável por relatório e substitutivo que abria as portas do país ao monopólio de multinacionais do setor de produtos transgênicos, como a Monsanto.
Outras campanhas dos ‘nacionalistas’ também tiveram forte financiamento estrangeiro e empresarial, como a de Moreira Mendes (PPS/RO), com quase 70% das receitas oriundas desse tipo de fonte, de Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), com cerca de 60%, de Sérgio Petecão (PMN/AC), com 50%, de Eduardo Sciarra (DEM/PR), com quase 30%, e de Edmilson Valentim (PCdoB/RJ), com 25%.
Conforme o deputado federal Edson Duarte (PV/BA), os argumentos levantados pela nova frente parlamentar são ultrapassados e não têm consistência quando colocados frente à frente com as doações que receberam em suas campanhas eleitorais. “Ruralistas e neoruralistas na frente usam argumentos de séculos atrás. Percebe-se que quem levanta agora a bandeira do nacionalismo é na verdade financiado por grupos econômicos com atuação global”, disse.
Para ele, a frente atuará de forma orquestrada para constranger quem atua com responsabilidade socioambiental, enquanto deveria proteger o patrimônio natural brasileiro. “Hoje o que mais se espera globalmente é que empresas atuem com responsabiliade socioambiental. Se esse movimento é mesmo nacionalista, deveriam proteger nossas florestas e rios, não reduzir sua proteção”, comentou.
Tanto Duarte como Valente avaliam que o código florestal precisa de instrumentos econômicos e de fiscalização para que possa ser cumprido. “É possível adequar isso, só não podemos adequar a lei aos ilegais. Até porque a questão ambiental nunca foi entrave para nada nesse país, vide os recordes frequentes em produção e exportação do agronegócio”, apontou Duarte.
“O que está em jogo é a manutenção do mesmo modelo de ocupação destruidora, produção e exportação com baixo valor agregado, responsável por grande parte do desmatamento da Amazônia, e outro que pode investir em fortes centros de pesquisa na região para atuar com química fina e explorar a biodiversidade preservando a floresta”, disse Valente. “O Brasil pode promover uma revolução agrícola apenas com o que se tem de pastagens degradadas, mais de cem milhões de hectares”, completou Duarte.
A reportagem de O Eco também consultou as receitas de campanha de Valente e Duarte. Nenhum recebeu dinheiro na campanha de 2006 de empresas ligadas a nenhuma das atividades listadas na reportagem.
Falta quórum
A assessoria de imprensa de Aldo Rebelo (PCdoB/SP) não soube informar quantos parlamentares já integram a frente parlamentar nacionalista. Mas informações levantadas por O Eco mostram que ela não avançou para muito além das três dezenas de nomes que assinaram a sua “refundação”, no último dia 23.
Por isso ela ainda não foi registrada junto à secretaria-geral da Mesa da Câmara. O problema é o artigo segundo do Ato nº 69/2005 diz: “considera-se Frente Parlamentar a associação suprapartidária de pelo menos um terço de membros do Poder Legislativo Federal destinada a promover o aprimoramento da legislação federal sobre determinado setor da sociedade”. Ou seja, nesta legislatura seriam necessárias assinaturas de pelo menos 198 deputados, já que a Câmara não pode legislar sobre o Senado.
A história brasileira tem outros episódios com frentes nacionalistas. Um dos mais antigos, senão o primeiro, aconteceu em 1956. Aquela frente condenava o imperialismo e a ação do capital estrangeiro no país. Pedia a regulamentação da remessa de lucros ao exterior e o controle estatal sobre a exploração de recursos naturais. Foi extinta em abril de 1964, quando a maioria de seus membros foi cassada pelo regime militar. Outro exemplo vem do ano 2000, quando uma nova frente reagiu contra a tentativa da diretoria da Petrobrás de mudar o nome da estatal para Petrobrax.
Procurado pela reportagem de O Eco desde a última sexta (26), o coordenador da frente parlamentar nacionalista, Aldo Rebelo, não pode comentar o assunto. Conforme sua assessoria, ele estava incomunicável em viagem ao interior do Paraná.
Assinaram pela criação da frente parlamentar nacionalista
Aldo Rebelo (PCdoB/SP) | Paulo Piau (PMDB-MG) | Duarte Nogueira (PSDB-SP) |
Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) | Eduardo Sciarra (DEM-PR) | Waldemir Moka (PMDB-MS) |
Ciro Nogueira (PP-PI) | Odair Zonta (PP-SC) | Cândido Vaccarezza (PT-SP) |
Moacir Michelleto (PMDB-PR) | Cezar Silvestri (PPS-PR) | Vieira da Cunha (PDT-RS) |
Dilceu Sperafico (PP-PR) | Osmar Junior (PcdoB-PI) | Júlio Cesar (DEM-PI) |
Moreira Mendes (PPS-RO) | Eduardo da Fonte (PP-PE) | Átila Lira (PSB-PI) |
André Vargas (PT-PR) | José Maia Filho (DEM-PI) | Júlio Delgado (PSB-MG) |
Edmilson Valentim (PcdoB-RJ) | Carlos Brandão (PSDB-MA) | Valdir Colatto (PMDB-SC) |
Sérgio Petecão (PMN-AC) | Fernando Chiarelli (PDT-SP) | Márcio Junqueira (DEM-RR) |
Edio Lopes (PMDB-RR) | Ilderlei Cordeiro (PPS-AC) | Anselmo de Jesus (PT-RO) |
Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) |
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