Reportagens

Novidade no fundo do mar

Ao contrário do que se pensava, arraias gigantes não fazem parte de apenas uma, mas sim de duas espécies diferentes. Descoberta muda categoria de vulnerabilidade do animal.

Cristiane Prizibisczki ·
15 de janeiro de 2010 · 15 anos atrás

Uma recente descoberta no mundo da biologia marinha vai mudar a história das arraias gigantes e a literatura científica do animal. Ao contrário do que se pensava, não existe apenas uma, mas duas espécies de arraias deste porte. Até então chamada apenas de Manta birostris, as mantas gigantes agora passam a ser divididas em Manta birostris e Manta alfredi. Além de um importante passo para entender a dinâmica biológica da arraia, a descoberta influencia no grau de vulnerabilidade das espécies: a população de M. birostris é bem menor do que se imaginava. Pesquisadores acreditam que ela deve passar da categoria “quase vulnerável” (Near Threatened) na lista da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), para “vulnerável”.

A espécie M. alfredi foi identificada pela pesquisadora americana Andrea Marshall, doutora em ecologia populacional das arraias pela universidade australiana de Queensland e principal responsável pela primeira avaliação mundial da IUCN sobre a vulnerabilidade da espécie. Baseada em Moçambique desde 2003 – onde comanda o Centro de Pesquisas da Arraia Manta & Tubarão-baleia, da Fundação para Proteção da Megafauna Marinha – Andrea há vários anos buscava provas que comprovassem sua tese de que existiam duas espécies distintas.

Para diferenciar a M. birostris da M. alfredi a pesquisadora realizou extensa análise de características morfológicas dos animais, além de estudos com ressonância e pesquisas genéticas. O resultado a que ela chegou foi de que existem várias diferenças morfológicas, incluindo coloração, dentição e morfologia da coluna vertebral, por exemplo. A principal distinção, no entanto, está no fato de que M. birostris é maior (pode chegar a oito metros de envergadura) e tem comportamento migratório, estando amplamente distribuída nos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico. A M.alfredi é um pouco menor (envergadura de no máximo cinco metros) e não migra, sendo residente regional, principalmente em áreas tropicais. O resultado deste trabalho virou um artigo científico, publicado na revista Zootaxa em dezembro passado. 

O lado da conservação

Arraia gigante presa em redes de pesca. Foto Eduardo Gariiglia Filho
Arraia gigante presa em redes de pesca. Foto Eduardo Gariiglia Filho

A importância de se descobrir características como estas – além da questão biológica – está no fato de que as informações ajudam a destacar as ameaças específicas de cada uma das espécies. Por cruzar os oceanos em seu processo migratório, a M. birostris sofre com a pesca de alto mar, podendo ficar presa em redes ou por anzóis, com a possibilidade de colisão em barcos, além de estarem suscetíveis aos predadores naturais. A M. alfredi sofre principalmente com a pesca ilegal e degradação de habitat.

Além da pesca acidental, a carne da manta, suas cartilagens e filamentos branquiais são consumidos como alimento ou comercializados ilegalmente em diversos países. Por todas estas pressões, a pesquisadora sugere que a classificação na IUCN seja mudada. “A presente reclassificação do gênero têm implicações importantes para a avaliação da conservação das duas espécies. Cada espécie sofre ameaças específicas em várias regiões do mundo e o status mundial do gênero na IUCN exige urgente reavaliação”, diz o artigo de Andrea Marshal.

A casa brasileira das mantas

Organização Laje Viva vai estudar nova espécie com pesquisadora americana Foto: Ana Paula Balboni
Organização Laje Viva vai estudar nova espécie com pesquisadora americana Foto: Ana Paula Balboni

Um dos principais locais de descanso e reprodução da M. birostris, durante seu processo de migração, fica no litoral paulista. A Laje de Santos é o único lugar do Atlântico cuja ocorrência da espécie é regular. Ela pode ser avistada naquela região de maio a setembro.

Em todo o mundo, só existem três projetos de monitoramento e preservação da espécie. Dois ficam no litoral do Hawaí e Moçambique, este último sendo comandado por Andrea Marshall. O terceiro é brasileiro, do Instituto Laje Viva, que possui registros de 16 anos de avistagens e desde 2007 monitora a espécie. O projeto nasceu da indignação de mergulhadores diante da pesca ilegal no Parque da Laje de Santos.

Por seu trabalho com a M.birostris, o Instituto Laje Viva foi convidado por Andrea Marshal a participar de um “estagio” em Moçambique, para conhecer melhor a M. anfredis. A equipe do Instituto parte no próximo final de semana para África, onde fica por 17 dias, sendo 14 deles mergulhando. Segundo Guilherme Kodja, um dos membros do Laje Viva que vai à Moçambique, o grupo promete muitos registros da viagem, em foto e vídeo.

Atalhos:

Manta & Whale Shark Research Centre 
Revista científica Zootaxa – Abstract: Redescrição do gênero Manta com a descoberta da Manta alfredi (em inglês) 
Universidade de Queensland – Perdida na África perseguindo raias (sobre Andrea Marshall, em inglês) 

Leia mais:

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  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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