O carro-chefe das metas brasileiras para corte de emissões de gases-estufa é a contenção do desmatamento na Amazônia, que, por uma série de fatores, caiu de aproximadamente treze mil para sete mil quilômetros quadrados em um ano. No entanto, grandes projetos de infraestrutura em curso ou planejados para as próximas duas décadas ameaçam terras indígenas e aumentam os impactos sobre a floresta tropical, podendo comprometer os esforços nacionais para cortar a poluição que aquece o planeta.
É o que mostra um atlas lançado hoje (acesso ao lado), em Brasília, pelos especialistas do Instituto Socioambiental (ISA) Arnaldo Carneiro e Oswaldo de Souza. Depois de passar mais de quatro meses debruçados sobre dados públicos oficiais dos setores de energia, mineração, transportes, agropecuária, desmatamento, saneamento, petróleo, gás e urbanização, apontam que bacias hidrográficas e populações indígenas terão um futuro conturbado, principalmente ao sul do rio Amazonas.
“Boa parte do esforço brasileiro para redução de emissões depende da saúde da Amazônia, onde as pressões vão para muito além do desmatamento e não estão contabilizadas no plano de metas que o país lançou e apresentará em Copenhague”, ressaltou Carneiro. Usinas hidrelétricas, especialmente em regiões de grande biomassa como a Amazônia, são fontes permanentes de metano. O gás, além de provocar aquecimento do planeta, afeta a Camada de Ozônio.
Na Amazônia operam hoje 83 hidrelétricas, mas há planos para mais 247 barragens, até 2030. Nada menos que 44% do potencial hidrelétrico inventariado para a região pode afetar terras indígenas. Além disso, cálculos dos autores da publicação, sobre apenas 27 projetos, mostram que eles podem afetar diretamente 44 mil pessoas. Conforme o ISA, a Amazônia ainda abriga trezentos mil nativos de 173 povos em 405 terras indígenas, somando cerca de um quinto do território amazônico.
“Os impactos começam antes mesmo das obras, com desmatamento e migrações de populações em busca de desenvolvimento. Tudo isso é reflexo de um Estado que planeja e pensa mal sobre a implantação de infraestrutura na Amazônia”, disse Carneiro. “E tudo isso é ainda mais preocupante para populações ‘rio-dependentes’, como as indígenas, cuja vida está vinculada à pesca, à navegação, à qualidade das águas”, comentou o geógrafo.
As bacias mais visadas pelos projetos hidrelétricos são as dos rios Xingu, Madeira, Tapajós e Caciporé (AP). Também se ressalta uma mudança no perfil da geração energética. Não se alteram os projetos hidrelétricos, apontados pelo governo como fornecedores de “energia limpa”, apesar de seus impactos socioambientais, mas sim sua dimensão. A maioria das barragens planejadas para a Amazônia é de porte reduzido, as chamadas pequenas centrais hidrelétricas (pchs).
UHEs | PCHs | |
Operação |
16 | 67 |
Construção | 5 | 21 |
Planejadas | 7 | 177 |
Fonte: ISA |
Outras ameaças
O atlas não-governamental também lembra sobre a nova cara do desmatamento da Amazônia. Antes concentrado no chamado Arco do Desflorestamento, a degradação se perpetua agora em focos isolados e espalhados em várias zonas da floresta tropical. Adentra como uma espinha de peixe em terras indígenas como a Cachoeira Seca do Iriri, no Pará, ou Alto Turiaçu (MA), e acompanha o avanço da malha rodoviária em uma região onde antes imperava a lógica das águas.
Em 125 das 405 terras indígenas amazônicas, há mais de cinco mil alvarás, licenças de exploração e outros processos minerários como pedidos para lavras e pesquisas. Nessas áreas, vivem 140 mil brasileiros. A terra Xikrin Catete (PA) está quase que totalmente coberta por oito títulos minerários e 120 requerimentos de pesquisa, enquanto quase metade da área Waimiri Atroari (AM/RR) tem incidência de 195 processos minerários federais. Nessas regiões há jazidas de cobre, níquel, cassiterita e chumbo. Na terra Atroari também foi plantada a hidrelétrica de Balbina, que alagou 2,3 mil quilômetros quadrados de Amazônia para gerar apenas 250 Megawatts.
Os projetos analisados pelos especialistas foram o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, IIRSA – Iniciativa de integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana, e outras empreitadas. Para além da fronteira brasileira, em regiões andinas da Colômbia, Bolívia, Equador e Peru, estão as maiores reservas amazônicas de petróleo e campos para sua extração. A exploração comercial no Brasil se dá no Vale do rio Urucu (AM), sem terras indígenas em seu entorno imediato. Confira mais informações sobre todos os impactos clicando no mapa acima.
Arma informativa
Normas das Nações Unidas assinadas e ratificadas pelo Brasil definem que indígenas devem ser sempre ouvidos sobre empreendimentos que possam afetar suas terras, como hidrelétricas e mineração, e prevêem que nenhum empreendimento acabe com o modo de vida ou desloque nativos dos locais onde vivem. Mas frente à legislação nacional, essas populações não têm poder de veto para evitar a instalação desses empreendimentos. Podem apenas opinar.
Por isso a publicação é uma “arma” política estratégica para que populações amazônicas não sejam surpreendidas por projetos de governos pouco afeitos à transparência. Conforme Edvar Magalhães, do Centro de Trabalho Indigenista, o documento lançado hoje é fundamental porque dá publicidade a um problema que se arrasta há décadas: políticas públicas que fomentam
o avanço da infraestrutura com base no atropelo grupos com menor importância econômica frente aos parâmetros da sociedade moderna.
“Populações que se organizam de forma diferente da tradicional acabam se tornando impecilhos para o crescimento econômico, avanço da soja, da pecuária, da cana, da infraestrutura”, disse. “Mas a realidade apontada pelo estudo também cobra um novo comportamento por parte dos governos, para desenvolver sem agredir as minorias que têm no meio ambiente preservado a sua sobrevivência”, disse.
O atlas de pressões sobre terras indígenas é o primeiro de uma série de publicações baseadas em mapas. A próxima edição deve ser lançada entre março e abril de 2010, cruzando os planos oficiais de desenvolvimento com parques nacionais e outras unidades de conservação. Como O Eco mostrou recentemente (veja aqui), o Instituto Chico Mendes avalia a possibilidade de abrir mão de três milhões de hectares em nove unidades de conservação na Amazônia, inclusive para a construção de hidrelétricas.
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