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Pedaços da História

Sítios arqueológicos no Pantanal estão ameaçados por mineração, que reascende debate sobre proibição de atividades no entorno de reservas e parques, mesmo quando impactos são potenciais.

Andreia Fanzeres ·
3 de dezembro de 2009 · 15 anos atrás

Um dos lugares mais espetaculares do Brasil, onde uma cadeia de montanhas se eleva em meio à maior planície inundável do planeta, virou palco de uma disputa envolvendo o interesse coletivo de conservação da natureza e a concessão de direitos minerários a dois empreendedores no Pantanal.

No meio da área tombada pela UNESCO como sítio do patrimônio mundial, entre reservas particulares administradas pela Fundação Ecotrópica e o Parque Nacional do Pantanal, dois morros inseridos na zona de amortecimento da unidade de conservação federal foram considerados potenciais áreas de exploração de quartzo, um deles fisicamente vizinho ao parque, numa fazenda que há anos é cotada para ser incorporada à área protegida.

Restos de acampamento de mineradores
no Morro do Campo (foto: ICMBIO)

O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) recebeu uma solicitação para expedição de alvará de pesquisa mineral no morro do Campo em favor de Vanessa Correia do Carmo, para avaliação do potencial econômico da retirada de quartzo numa área de 343 hectares. A interessada recebeu aval do Conselho de Defesa Nacional, por se tratar de área fronteiriça, mas precisou pedir autorização para a administração do Parque Nacional do Pantanal, por estar localizado na zona de influência direta da unidade de conservação e pelo fato de a atividade requerer guia de utilização, documento que admite em caráter excepcional a extração de substâncias minerais antes da outorga da portaria de lavra.

No dia 3 de novembro o parque nacional disse não. De acordo com um parecer técnico da unidade de conservação, além de a área pertencer à zona de amortecimento, ali estão localizados sítios arqueológicos de grande relevância. “O plano de manejo de 2004 determina fim das atividades de mineração na área e ela consta na lista de áreas prioritárias para conservação”, argumenta o documento. Segundo o chefe do DNPM em Mato Grosso do Sul, Antônio Barsotti, o órgão do Ministério de Minas e Energia sempre tem a palavra final sobre a emissão de alvarás minerários, mas quando há uma negativa do gestor ambiental, o DNPM acata e não emite a autorização para pesquisa.

“A outorga de alvarás para pesquisa no entorno de unidades de conservação ainda é um assunto que não está bem consolidado no DNPM. Existem problemas de alimentação das zonas de amortecimento na base de dados, podendo implicar na não consideração de tais áreas para a outorga dos alvarás para pesquisa”, explicou Barsotti. Isso pode ter ajudado a criar uma confusão que tem dado dor de cabeça à administração do parque nacional.

Atualização da legislação

História da ocupação humana no Pantanal


Entre junho e julho deste ano, pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul estiveram na região e identificaram dentro do Parque Nacional do Pantanal um sítio de arte rupestre denominado “grafismos do Caracará”, outro chamado de “Aterro do arame” e mais um registrado no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como MT-PO-03, no lado leste do morro do Caracará. A equipe também visitou um sítio de gravuras rupestres no morro do Campo.

No “Aterro do arame”, foram encontrados potes de cerâmica, instrumentos líticos, sepultamentos humanos e remanescentes faunísticos. No morro do Caracará, os materiais arqueológicos registram ocupação humana no Pantanal de cerca de 820 anos atrás, sendo possível encontrar indícios mais antigos, de acordo com o relatório de pesquisa. No morro do Campo, os estudiosos identificaram grafismos geométricos e zoomorfos em bom estado de conservação, considerados fundamentais para caracterização da arte rupestre na região do Parque Nacional do Pantanal.

Sobre os grafismos do Caracará, os pesquisadores destacaram no laudo que “este sítio é de extrema importância tanto como patrimônio cultural brasileiro, quanto para estabelecer as relações interétnicas entre os povos indígenas responsáveis pela arte rupestre presente no Pantanal”. Em julho de 2010 está prevista a divulgação dos resultados finais das pesquisas realizadas na região, que desde já apontam para a necessidade de novas buscas e coletas de materiais nas regiões adjacentes.

Em dezembro de 2008 o mesmo DNPM emitiu alvará de pesquisa mineral no morro do Caracará, que tem uma face dentro do Parque do Pantanal e outra na Fazenda Boa Esperança, para que o sr. André Nogueira Ferreira de Medeiros realize as atividades de pesquisa de quartzo por três anos. Tudo sem que a administração do parque nacional tenha sido consultada.

Numa breve conversa por telefone, o advogado José Paulo Machado informou que seu cliente ainda não iniciou as atividades de pesquisa, mas tudo está correndo de acordo com a legislação. Segundo ele, a pesquisa ainda não começou porque o caso está tramitando na Justiça. Consta nos registros do DNPM que o interessado tem acordo judicial ou amigável com o dono da fazenda limítrofe ao parque onde se localiza o morro do Caracará. “A lei é clara. Não é preciso autorização do parque para fazer pesquisa ali. É perfeitamente possível”, assegurou o advogado, que pediu com veemência à reportagem que divulgasse apenas a “verdade” dos fatos.

Segundo o ICMBio, não é necessário que haja consulta aos órgãos ambientais para que o DNPM emita um alvará de pesquisa mineral, mas essa consulta se faz necessária para que o interessado possa realizar a pesquisa. Diz a resolução 237/1997, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que se a pesquisa mineral tiver guia de utilização será necessário iniciar o licenciamento ambiental, cujo processo passa pela autorização do ICMBio se o local em questão estiver localizado dentro ou no entorno de unidades de conservação federais.

Além disso, uma instrução normativa publicada em setembro deste ano estabelece a obrigatoriedade da consulta mesmo que a pesquisa mineral não demande retirada de minérios. “Quando a pesquisa mineral pretendida não prevê guia de utilização, não estando, portanto, sujeita ao licenciamento ambiental, a análise da solicitação de autorização pelo ICMBio obedece ao estabelecido na Instrução Normativa 04/2009, no que denominamos de autorização direta”, declarou em resposta à reportagem a equipe da Coordenação de Avaliação de Impactos Ambientais do Instituto Chico Mendes (COIMP). Ainda segundo o ICMBio, a portaria que publica o plano de manejo do parque tem valor jurídico para impedir o licenciamento das atividades minerárias na zona de amortecimento do Parque Nacional do Pantanal.

Nem sempre, no entanto, solicitar anuência da unidade de conservação significa receber uma negativa. “O titular tem conhecimento de que qualquer trabalho de pesquisa que venha a causar dano ambiental deverá obter licenciamento ambiental”, explicou Jocy Gonçalo de Miranda, chefe do DNPM em Mato Grosso. Ele explica que, dependendo da pesquisa mineral, pode não ocorrer nenhum tipo de impacto. “Podem ser usados métodos como geofísica aérea, terrestre (magnetometria, eletroresistividade), geoquímica de solos, amostragem de mão etc.”

“Acredito que o DNPM não tinha conhecimento da real situação ou foi mal informado em relação ao morro do Caracará. Estamos estudando as estratégias para notificar o DNPM e continuaremos incentivando pesquisas arqueo-antropológicas na área do Parque Nacional do Pantanal e sua zona de amortecimento, até mesmo como estratégia de acabar de vez com a mineração na região do Sítio do Patrimônio Natural Mundial do Pantanal”, declarou o chefe da unidade de conservação, José Augusto Ferraz. O Ibama já emitiu uma notificação ao sr. André de Medeiros, em maio deste ano, solicitando a apresentação de diversos documentos, como inscrição no Cadastro Técnico Federal, mas o processo ainda tramita no órgão federal.

Em setembro de 2007, analistas do ICMBio encontraram no morro do Campo acampamentos abandonados e buracos de extração mineral, ossos de animais e lixo, indicando que atividades de caça e mineração acontecem na região há bastante tempo.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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