Pelos cálculos de Miguel Marini e Clarissa Camargo, da Unb, cerca de 500 aves trombam e mais de cem morrem anualmente nas colisões com os prédios da procuradoria (foto acima). São três colisões a cada dois dias e uma morte a cada três ou quatro dias. Como a vida útil dos edifícios é grande, o número de mortes passará dos milhares no longo prazo. “Durante o vôo, as aves não conseguem distinguir entre o que é real e o que é reflexo. Prédios isolados refletem o céu e a vegetação, facilitando os choques”, explicou Marini.
Prédio espelhado em frente ao Parque Olhos d´Água, em Brasília. Foto: Aldem Bourscheit |
De acordo com Marini, o número de mortes não é inicialmente preocupante para a maioria das espécies porque muitas são comuns em ambientes urbanos, como as pombas. Mas os prédios ficarão ali por dezenas de anos e muitos outros com fachadas espelhadas são erguidos em Brasília. “Esse conjunto de prédios, ao longo do tempo, pode trazer impactos significativos”, disse.
Segundo o especialista, conjuntos de edifícios ou construções plantadas nas cercanias de unidades de conservação são fontes de problemas. Em Brasília, os planos da chamada Cidade Digital e do bairro Noroeste, ao lado do Parque Nacional de Brasília e taxado pelo governo distrital como “primeiro bairro ecológico do país”, incluem várias construções com fachadas espelhadas. “Os bichos voarão de cara nessas barreiras. Falta às autoridades públicas reconhecer o tamanho do problema e definir normas para se evitar a construção de tantos prédios com vidros espelhados perto de áreas naturais”, ressaltou.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Distrito Federal (Seduma) não comentou o assunto.
Conforme Paulo Fiúza, do Movimento Cerrado Vivo, o perigo que o bairro Noroeste representa para aves circulando a partir do parque nacional reforça que apenas o “lado empresarial” foi pesado em seu projeto. Ele lembra que o projeto inchará vias públicas com mais automóveis e destruirá cerca de 800 hectares de Cerrado. Para ele, o projeto arquitetônico deveria preservar o máximo de vegetação, mananciais e uma reserva indígena no local, aproveitando parcelas degradadas para a construção de uma “ecovila”. “Mas fizeram o contrário, estão passando avenidas dentro da reserva”, disse. Então porque chamam esse de o primeiro bairro ecológico do país? “É uma piada”.
Diminuindo o problema
Em Brasília, shopping center em construção adotou fachada espelhada. Foto: Aldem Bourscheit |
Menos ricos em biodiversidade, Europa e Estados Unidos desenvolveram sistemas para minimizar os problemas provocados pelas fachadas espelhadas. Eles têm usado películas, afastado alimentadores de aves das janelas, colado imagens de gaviões nas aberturas e fachadas para afugentar animais menores, cortinas para reduzir reflexos e telas de proteção.
“Também é possível usar listras verticais distribuídas ao longo da superfície espelhada. Isso facilitaria aos bichos ver as fachadas como barreiras. Tudo isso é possível de se conseguir sem sacrificar a entrada de luz natural. Apesar da nossa biodiversidade, nada foi feito por aqui para entender e combater esse problema”, lamentou Marini.
Nas construções comuns aos grandes centros urbanos, vidros espelhados contêm a entrada de luz normal e ultravioleta e diminuem a degradação de móveis e aparelhos eletrônicos. Também reduzem a conta de luz com ar-condicionado.
Atalhos:
Fatal Light Awareness Program – Flap
New York City Audubon
Procuradoria-Geral da República
Movimento Cerrado Vivo
Leia também
COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas
Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados →
Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial
Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa →
Trilha que percorre os antigos caminhos dos Incas une história, conservação e arqueologia
Com 30 mil km que ligam seis países, a grande Rota dos Incas, ou Qapac Ñan, rememora um passado que ainda está presente na paisagem e cultura local →
matança do capricho continua.