Quem trabalha com prevenção e combate a incêndios florestais no Brasil vive em 2009 a expectativa de atravessar os quatro meses mais secos do ano com um motivo extra para prender a respiração. Começa a ser colocada em prática a nova estrutura brasileira para enfrentar fogo dentro e fora das áreas protegidas. Combater as queimadas continua sendo a mesma tarefa arriscada de sempre. O que muda agora é a organização. Ajustes foram feitos, novos compromissos assumidos. E agora não há mais tempo para questionar. A estiagem chegou e o novo esquema está em prática.
As principais ressalvas à estratégia do governo recaem sobre a real necessidade de se montar toda uma nova estrutura para lidar com incêndios florestais dentro do Instituto Chico Mendes (ICMBio), órgão federal que desde 2007 passou a ser responsável pelas unidades de conservação. Em vez de aproveitar a experiência de 20 anos do Centro Nacional de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais do Ibama (Prevfogo), que tem funcionários da casa especializados e acostumados a trabalhar com as unidades de conservação, optou-se por nomear um bombeiro para o comando das ações, com novas equipes e atribuições. Ao Prevfogo cabe agora capacitar e auxiliar brigadas formadas por agendes estaduais, municipais, além de Exército, Defesa Civil e o próprio ICMBio. No fundo, para realizar um trabalho melhor, tudo o que o centro sempre precisou foram de investimentos mais sérios em termos financeiros, organizacionais e administrativos.
“Não foi em seis meses que o Prevfogo atingiu o nível de conhecimento que tem hoje. Levaram-se anos. Então, para mim, foi muito difícil entender que nós estamos criando ‘um outro Prevfogo’ voltado para o mesmo objetivo que é o combate ao incêndio florestal. Se você for considerar que o fogo não tem fronteiras, não vejo porque de criar o Prevfogo do muro para dentro da unidade de conservação e ter um outro Prevfogo do muro para fora”, comentou Elmo Monteiro, coordenador nacional do Prevfogo. “Estamos preocupados porque a gente conhece a realidade do nosso país e do que é um incêndio florestal. Eu espero que eles consigam dar conta da demanda, mas de qualquer forma nós estaremos preparados para dar apoio na hora em que for necessário. O compromisso com a questão ambiental é de todos”.
Não é à toa que, a cada ano mais organizações e entidades no Brasil começam a se engajar com trabalhos de prevenção e combate aos incêndios florestais. A responsabilidade, de longe, não é só dos órgãos ambientais federais. Hoje, Exército, Defesa Civil, e os governos estaduais estão visivelmente mais empenhados, inclusive com ajuda de cooperações internacionais. O projeto Amazônia sem Fogo, por exemplo, uma parceria entre o Ministério do Meio Ambiente e a Embaixada Italiana, resolveu investir em capacitação e conscientização sobre alternativas ao uso do fogo após a comoção nacional decorrente dos incêndios incontrolados que assolaram o estado de Roraima por três meses, em 1998.
O governo federal anunciou que criará em 2010 um plano nacional para enfrentar de maneira integrada o problema de fogo, com a participação de vários ministérios. A intenção é boa. Mas para funcionar, é preciso vontade política e a consciência de que proteger o país das queimadas é uma necessidade para a biodiversidade e para o clima mundial. Só que, como se sabe, o Brasil está cheio de boas intenções no que se refere aos perigos do fogo, com fóruns para ações e discussões já montados em âmbito estadual, mas que até agora não conseguiram provar eficiência.
Batendo a cabeça
Conforme explica Rodrigo Falleiro, ex-coordenador regional do Prevfogo em Mato Grosso, o desafio concreto é fazer com que todas as entidades envolvidas consigam se entender em campo e realizar trabalhos complementares. Caso contrário recursos públicos serão em vão. “Existem várias instituições que lidam com o fogo na época crítica, mas o fogo não é prioridade para nenhuma. Conheço assentamentos que recebem cinco, seis visitas de órgãos por ano e ninguém agüenta mais ouvir que incêndio é ruim e faz mal para a saúde”, diz Falleiro, para quem a estratégia devia ser completamente diferente. “Para ninguém bater cabeça, a SEMA [Secretaria do Estado do Meio Ambiente] deve continuar indo, mas para dizer como se tira autorização para queima controlada, o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] tem que explicar como resolver os problemas de passivo ambiental, a Empaer [Empresa Matogrossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural] para mostrar quais são as alternativas ao uso do fogo, e assim por diante; e não todo mundo falando a mesma coisa”, encerra.
Essa confusão de atribuições coloca o poder público no Brasil em situação vergonhosa. “Eu já procurei ajuda para apagar o fogo aqui, mas quem é que vem? Pedi na secretaria de agricultura do município, fiz meu BO [Boletim de Ocorrência, na polícia] e quem é o responsável pela fiscalização? Ibama, SEMA, Instituto Chico Mendes? Está aí uma montoeira de órgãos que eu não sei para que servem. Você vai conversar com eles e a primeira coisa que escuta é que não há condições para eles irem, não tem carro, não tem nada”, relata com revolta o assentado Wilis Paulo Reis, de 49 anos, morador de um assentamento a 90 quilômetros da cidade de Juína (MT).
Exercer a cidadania e cobrar dos vizinhos responsabilidade no uso do fogo acabam se tornando missões perigosas demais para os que tentam mudar. “Eles fazem um BO, daí falam que vão designar patrulha pra ver [o fogo], mas como a pessoa não tem aquisição financeira, eles acham que ela não tem condição de pagar a multa e deixa o caso para lá porque ‘não compensa’. As autoridades mandam a gente mesmo ficalizar, mas se você fiscaliza, tira satisfação com alguém, dão um tiro na gente”, conta Ari Picchi, que vive no mesmo assentamento que Wilis.
O estado de Mato Grosso este ano anunciou investimentos de cinco milhões de reais apenas nos trabalhos de prevenção e combate a incêndios. Isso é praticamente a metade do que o governo federal destinou ano passado para cuidar das brigadas municipais em 32 municípios da Amazônia Legal. Em 2009, os recursos para as atividades do Prevfogo somam R$ 14 milhões.
Responsável por 118 mil focos de calor em 2007, Mato Grosso viu em 2008 seus números caírem para 40 mil. Anunciou a instalação de três bases aéreas no interior com oito aeronaves à disposição para brigadas. Em âmbito federal, o Prevfogo contará com nove helicópteros alugados (para atender o país inteiro) e mais seis aviões em processo de licitação para aluguel, além de 41 veículos 4×4 e sete unidades móveis de combate chamadas de Rodofogo nesta temporada de seca. O Instituto Chico Mendes informou que carros próprios para o trabalho das brigadas estão baseados nas unidades de conservação e, para especialmente atendê-las, dois aviões estarão à disposição em Cuiabá (MT) e na cidade de Lençóis (BA), estratégica para ações no Parque Nacional da Chapada Diamantina, que só no ano passado teve mais de 55 mil hectares de vegetação transformados em cinzas.
No que depender do Major Alexandre Lemos, destacado do Corpo de Bombeiros de Mato Grosso do Sul para a Coordenação Geral de Proteção Ambiental (CGPro) do ICMBio, as expectativas serão atendidas. Desde o início do ano, foram contratados 1407 brigadistas nas unidades de conservação federais e, segundo a autarquia, haverá equipamentos de proteção individual (EPIs) para todos. Uma das modificações mais importantes na transição da gestão do fogo nas unidades de conservação federais foi a criação do Sistema de Comando de Incidentes (SCI). “O combate de incêndio florestal não deve ser de um órgão. Nós estamos com a idéia de capacitar no comando regional com esses atores, chefe de unidade de conservação, bombeiro local, associação de moradores, associação rural, para que todos saibam o que fazer na hora de um incêndio, para não ter aquela confusão’, calcula Lemos. 2009 será a prova de fogo, ou melhor, do fogo.
Clique para ampliar os dois mapas e veja a distribuição de brigadas federais nas unidades de conservação e nos municípios.
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