Os desertos não são necessariamente ambientes naturais. Eles podem se formar como consequência direta da exaustão dos solos, após o uso intensivo e insustentável da vegetação e dos recursos hídricos. Mas quem um dia iria pensar que o Paraná, dos famosos solos de terra roxa, estivesse indo por este caminho? A região do Arenito, no noroeste do estado, é prova de que sem cuidados não há solo que resista à sanha exploratória da colonização nacional.
Nos arredores de Umuarama – de onde milhares de colonos paranaenses saíram nos anos 70 pressionados pela mecanização do campo para ocupar a Amazônia – um programa regional de arrendamento de terras fez o plantio de soja aumentar 750% de 1997 a 2007. O plano foi um fracasso: produtividade baixa e abandono do plantio por muitos produtores. A agricultura não cuidou do solo, já degradado pela pecuária, desde os anos 1950.
Ali, as décadas de exploração não levaram em conta uma característica natural que faz a região altamente suscetível à desertificação, a exemplo do que ocorre no sudoeste e sul do Rio Grande do Sul, em áreas de Minas Gerais e estados do nordeste, no semi-árido. Também conhecida como Arenito, a porção noroeste se estende por 16% do território paranaense e abrange 107 municípios. Cerca de dois milhões, dos 3,2 milhões de hectares da região, são ocupados pela atividade pecuária. Pelo menos 80% são considerados de baixa produtividade.
A área é chamada Arenito Caiuá por causa da sua textura arenosa, cujos teores atingem até 90%, com 95% de areia branca. Têm níveis críticos de fósforo, potássio, cálcio e magnésio, além de reduzido potencial orgânico, em torno de 1%, dado que torna o solo deficiente em macro e micronutrientes para culturas. Naturalmente, é muito propícia à erosão. Devido à sua natural fragilidade e ao manejo inadequado do solo pelas atividades pecuárias e agrícolas, o Arenito encontra-se em adiantado grau de degradação física e química, com níveis críticos de matéria orgânica. Há quem defenda que até os férteis solos de terra roxa do oeste e norte do estado estejam dando sinais de exaustão pelos mesmos motivos.
Experimento isolado
Para a engenheira florestal Leila Teresinha Maranho, é possível trabalhar pela recuperação de áreas ameaçadas. “Basta devolver ao solo os nutrientes depois de cada colheita”. Ela afirma que as técnicas de manejo atualmente empregadas na agricultura e pecuária são extremamente retrógradas, na medida em que a maioria dos produtores não dá o devido descanso ao solo entre um plantio e outro. Outro agravante é a cultura de espécies exóticas como o pinus e o eucalipto, que empobrecem o solo e, por conseqüência, levam à desertificação. As duas espécies são largamente cultivadas no Paraná. Hoje o estado dispõe de apenas 1% das suas florestas nativas.
A pesquisadora trabalha desde 2005 pelos cursos de graduação em Ciências Biológicas e Mestrado Profissional em Gestão Ambiental, da Universidade Positivo, num projeto de recuperação ambiental de áreas degradadas. Os experimentos acontecem numa área cedida pela Infraero no Aeroporto Afonso Pena, na região metropolitana de Curitiba. Maranho e seus alunos, Izabel Cristina Leinig Araujo e Francisco Brunetta Sávio, empregam espécies nativas e solo coletados em fragmentos florestais adjancentes à area a ser recuperada. O solo coletado é misturado com esterco curtido de gado para o preparo do substrato. Esse substrato é acondiconado em sacos de juta ou é colocado na área experimental em camadas intercaladas com fibra de coco. São constituídas ilhas de recuperação, em que a tarefa é acelerar o processo de sucessão que, normalmente, é bem lento em áreas degradadas. “Os resultados são animadores, pois o modelo testado acelera a sucessão e consequentemente a recuperação da área degradada”, afirma a pesquisadora.
Infelizmente, no entanto, projetos de recuperação das áreas em processo de desertificação no noroeste do Paraná ainda não estão em curso. Investimentos do Ministério da Agricultura poderiam amenizar o problema. Ano passado o governo prometeu para 2009 cinco bilhões de reais para recuperação dos solos, reconheceu que até agora não soltou nenhum tostão, mas que a previsão para repasse dos recursos é agora para dezembro deste ano.
Desertificação como fenômeno mundial
A desertificação acomete diversos países e tem sido detectado desde os anos 1930. Os primeiros registros são do meio-oeste americano. Ali, as tempestades de areia eram tantas que a região foi apelidada de prato de poeira (dust bowl). Daí, o fenômeno ganhou o mundo: América Latina, Europa, Ásia, África e Austrália. Hoje, a desertificação é constatada em mais de 100 países. É tida como problema global. O Brasil registra 18,7 mil quilômetros quadrados como suscetíveis ao fenômeno, e as áreas mais propícias em termos geoclimáticos e ecológicos são os estados do Piauí, Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco. Depois nas regiões do semi-árido na Bahia, Sergipe, Paraíba, além de Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Estima-se que o processo de desertificação causa perdas econômicas de 4 bilhões de dólares no mundo afora. No Brasil o prejuízo é calculado em 100 milhões de dólares, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU).
* Chico Boeing é jornalista em Curitiba.
Leia também
Entrando no Clima#41 – COP29: O jogo só acaba quando termina
A 29ª Conferência do Clima chegou ao seu último dia, sem vislumbres de que ela vai, de fato, acabar. →
Supremo garante a proteção de manguezais no país todo
Decisão do STF proíbe criação de camarão em manguezais, ecossistemas de rica biodiversidade, berçários de variadas espécies e que estocam grandes quantidades de carbono →
A Floresta vista da favela
Turismo de base comunitária nas favelas do Guararapes e Cerro-Corá, no Rio de Janeiro, mostra a relação direta dos moradores com a Floresta da Tijuca →