Reportagens

Água na cabeça

Com pesquisadores renomados, o aviador Gerard Moss segue a trilha de ‘rios voadores’ que saem da Amazônia e alimentam chuvas por todo País. O desmatamento ameaça este ciclo natural.

Aldem Bourscheit ·
20 de março de 2008 · 17 anos atrás
Água que o sol evapora
pro céu vai embora
Virar nuvens de algodão
Gotas de água da chuva
Alegre arco-íris sobre a plantação *

O papel indispensável da floresta Amazônica na regulação do clima global já foi mais do que provado pela Ciência. No Brasil, a grande mata tropical também ajuda a despejar chuvas que alimentam rios, enchem reservatórios de hidrelétricas e mantém os lucros da agropecuária. É o que indicam estudos recentes e outros realizados nos anos 1970.

Reunidos pelo aviador suíço Gerard Moss, conhecido por seu projeto “O Brasil das Águas”, pesquisadores de várias especialidades estão traçando as rotas do vapor que sai da Amazônia em direção ao Sul e Sudeste, regiões que concentram boa parte do PIB nacional. Também avaliam os efeitos colaterais do desmate e das mudanças do clima na transpiração da floresta. Além de analisar água de chuva e de rios, um avião está perseguindo as correntes de ar que carregam o vapor emitido pelas matas, da fonte ao destino. Nesses moldes, a pesquisa é inédita no mundo. Os primeiros resultados do projeto foram apresentados nessa quarta-feira (19), em um evento na Agência Nacional de Águas, em Brasília.

Na última cruzada pelos céus do País (imagem ao lado), Moss utilizou oito dias para decolar do Pará e passar por cidades no Amazonas, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo. Sempre atrás da trilha vaporosa. Foi o quinto sobrevôo realizado desde o início do projeto Rios Voadores, em junho de 2007. No trajeto, amostras de vapor são colhidas por equipamentos especiais, feitos aqui mesmo no Brasil. Testes mostram sua composição química, origem e influência de outras fontes de umidade.

Cauteloso quanto aos resultados finais do estudo, que serão anunciados no início de 2009, José Marengo, pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Pesquisas Climáticas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe, avisa que o vapor circulante no País tem muitas fontes. “As principais são a Amazônia, frentes frias do sul do Continente, massas oceânicas e a umidade do Pantanal”, diz. No entanto, as florestas são fundamentais para as chuvas que caem por aqui. “Com menos verde, há menos vapor e menos chuvas. O clima global está adaptado às florestas nativas”, ressalta.

Estimativas do Inpe mostram que a Amazônia perdeu mais 3.235 Km2 de verde só no segundo semestre de 2007. Essa área, no entanto, pode chegar a 7 mil Km2. Dados do Ministério do Meio Ambiente apontam que o Brasil já perdeu três em cada dez hectares de matas que tinha na época do “Descobrimento”. Segundo dados do Rios Voadores, a evaporação da floresta tropical brasileira pode ser maior que a vazão dos rios do Centro-Oeste e até superar a do gigante Rio Amazonas. Estudos conduzidos pela Nasa – Agência Espacial Norte-Americana e pelo Inpe mostraram que o vapor da Amazônia chega, inclusive, a regiões da Argentina.

Bomba solar

Conforme o pesquisador Enéas Salati, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, apenas uma árvore amazônica de grande porte pode lançar diariamente na atmosfera 300 litros água na forma de vapor. As matas tropicais, explica, são como bombas d´água alimentadas pela energia do Sol. O cientista é um dos pioneiros do estudo climático no País e ajudou a montar o Laboratório de Hidrologia Isotópica do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP – Universidade de São Paulo, em 1970. Também foi diretor do Inpa – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Manaus).

Naquela época, quando o desmatamento da Amazônia não passava de 4%, a equipe liderada por Salati estimou que cerca de 40% da umidade que chega ao Sul e Sudeste vinha do norte do País. Como o desmatamento só cresce desde então, esse porcentual pode ter se alterado. As conclusões de 30 anos atrás já apontavam que clima e florestas evoluíram juntos até um ponto de equilíbrio ecológico. “A floresta não é uma conseqüência do clima. E sem ela, o solo seca e diminui a quantidade de água que retorna à atmosfera pela evaporação”, diz.

Esse sistema natural de circulação de vapor pelo País tem garantido uma média anual de 2,4 mil mm de chuvas na Amazônia e de 1,2 mil mm no estado de São Paulo, por exemplo. A chuvarada que cai pelo Brasil é crucial para que a agropecuária siga como peso-pesado da balança comercial. As projeções da safra 2007/2008 são de quase 140 milhões de toneladas, um recorde, enquanto as exportações registradas em janeiro passaram dos US$ 4 bilhões e as contratações de créditos rurais não param de crescer.

Mas apesar de todos os motivos para se manter as florestas em pé, o Brasil ainda amarga elevadas taxas de desmatamento. A Amazônia já perdeu quase 13% do verde original, sem contar a devastação em todos os outros biomas do País. “As forças do ‘desenvolvimento’ são sempre mais fortes”, diz Salati.

* trecho da música Planeta Água, de Guilherme Arantes
  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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