Seja no Português voçoroca ou no tupi-guarani ibi-soroca, essas erosões gigantescas são sempre um problema. E dos grandes. Provocadas por fatores naturais amplificados pela ação humana, degradam o solo fértil e despejam toneladas de terra no leito de córregos e rios, assoreando, sufocando, mudando a paisagem em zonas urbanas e rurais.
As voçorocas surgem em vários pontos do País e ganham contornos de tragédia ambiental na região onde nasce o Rio Araguaia, entre Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Desde a área próxima ao Parque Nacional das Emas, as erosões são encontradas em cerca de 5 mil quilômetros quadrados ou quatro vezes o tamanho da reserva federal. Nessa área, há cerca de 130 focos de voçorocas, principalmente em Mineiros e Santa Rita do Araguaia (GO) e Alto Taquarí e Alto Araguaia (MT).
Daquelas cicatrizes no chão do Cerrado, mais de duas dezenas tem o tamanho de um estádio de futebol, ou mais. As duas maiores são as voçorocas Chitolina (foto acima) e a Olho d´Água, bem próximas uma da outra. Quem ouviu o “estouro” de uma voçoroca, diz que o barulho é ensurdecedor, semelhante ao de uma avalanche. “A Chitolina surgiu no início dos anos 1980 já com quase 100 metros e chegou a desviar o curso do Araguaia. As pequenas (erosões) podem aumentar do dia para a noite se cuidados não forem tomados”, avisa a professora Selma Simões de Castro, da Universidade Federal de Goiás – UFG.
Sem controle, crescem as erosões e os prejuízos. Do ponto de vista econômico, a terra perde valor porque deixa de ser produtiva e pode “quebrar” muitos fazendeiros com perdas de safras e de pastagens para rebanhos. O meio ambiente não sofre menos, pois, além da cratera provocada pela voçoroca, vários mananciais recebem toneladas de terra, sofrendo assoreamento, alterações de curso e redução no volume de água em seus leitos.
No lugar errado
Conforme explica o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente Marco Gomes, as voçorocas que ameaçam o nascedouro do Araguaia foram provocadas pela agropecuária em solos inadequados, associada ao desmatamento crescente do Cerrado. O solo extremamente arenoso da região é facilmente carregado pelas chuvas. Sem a proteção do verde, escorre com a água que cavouca a terra e dá origem às erosões. “Desmatamento e implantação de pastagens em terrenos inclinados e arenosos são as causas principais do surgimento daquelas voçorocas”, diz.
Geologicamente falando, há várias regiões do País onde os solos ainda estão se formando, em contínua mudança, como na região do Araguaia. Lá é um extremo da chamada Formação Botucatu, com mais ou menos 200 milhões de anos e descendente de antigos desertos. Por isso, em outros pontos do Brasil, a degradação do solo e as voçorocas se multiplicam. Exemplos são o oeste paulista, em municípios como Bauru, Botucatu e Águas de São Pedro, e as regiões de Gouveia (MG) e Alegrete (RS). Também há dezenas de voçorocas nas periferias urbanas de Goiânia e de Alexânia (GO).
O destaque fica para o Vale do Rio do Peixe, em São Paulo, onde um levantamento, feito há cerca de 15 anos, revelou cerca de dois mil focos de erosões. “Sempre o que mais influencia é o mau uso do solo, associado à falta de políticas estaduais e nacionais para combater as voçorocas”, diz a professora Selma Simões, da UFG.
Em 2005, a pesquisadora publicou um amplo estudo sobre a caótica situação das nascentes do Araguaia. O documento revela que a plantação de soja começou por lá há quase quatro décadas, primeiro em terrenos mais planos e, depois, em áreas inadequadas para cultivos anuais e também para a pecuária. Hoje, nas principais lavouras crescem soja, sorgo, milho e milheto. “O uso inadequado do solo fez com que as voçorocas crescessem depois que o Cerrado foi substituído por pastagens e soja”, diz.
Conhecida pelos pastos e lavouras a perder de vista, a região de onde verte a água que alimenta o Araguaia, um dos principais afluentes do Rio Tocantins, sofreu um desmatamento implacável nos últimos 40 anos. Imagens de 1965 e de 1999 deixam claro que pouco sobrou do Cerrado na área próxima ao Parque Nacional das Emas.
A barriga empurra
Mesmo com a multiplicação histórica das erosões, ao longo dos anos pouco de concreto foi feito para barrar a degradação do solo naquela região. Há iniciativas pontuais de órgãos estaduais e de fazendeiros, como o plantio de árvores nativas nas bordas e dentro das voçorocas, construção de murunguns (curvas de nível) e cercamento de nascentes para evitar as patas da boiada. Com esse tipo de ação, foi possível conter a voçoroca Chitolina, por exemplo. “Essas são as formas mais práticas e baratas de combate, pois impedem que as voçorocas cresçam”, explica Marco Gomes, da Embrapa Meio Ambiente.
Segundo ele, também é possível fazer diques de madeira ou barreiras de alvenaria para segurar a água que corre por dentro das erosões, tudo bem mais caro. No entanto, sem ações de peso, o problema segue descontrolado. No Dia do Meio Ambiente de 1998, 5 de junho, o ministro do Meio Ambiente Gustavo Krauze anunciou, na boca da voçoroca Chitolina, o repasse de quase R$ 1 milhão para conter as voçorocas. De toda a movimentação, sobrou apenas uma placa (ao lado).
Desde então, várias entidades públicas e privadas envolveram-se no drama daquelas nascentes, mas sobram ações evasivas e faltam coordenação e dinheiro para que o avanço das voçorocas seja contido. Como o Araguaia é um rio federal, a Secretaria de Meio Ambiente de Goiás enviou um estudo e um plano de controle das erosões ao Ministério do Meio Ambiente, em 2004. Até agora, no entanto, nenhum movimento. A morosidade vem gerando protestos, como o do senador Demóstenes Torres (DEM-GO).
Botando a boca no trombone sobre o problema das erosões desde quando atuava como Procurador-Geral de Justiça de Goiás, nos anos 1990, o parlamentar apresentou uma proposta de emenda orçamentária para destinar R$ 6 milhões à contenção das voçorocas. Mas o dinheiro não entrou no orçamento federal de 2008. “Apresentei o problema à ministra Marina Silva, mas ela só olha para a Amazônia e perdemos o recurso”, diz o parlamentar.
Até o fechamento desta reportagem, o MMA não localizou os estudos sobre as voçorocas e não comentou o caso.
O senador, no entanto, tem outra chance de desencavar recursos ou encaminhar ações concretas àquela região, já que seu partido assumiu recentemente a Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados. “Agora poderemos buscar uma agenda nacional para o problema. A tendência é de agravamento das voçorocas, com risco de morte para o Araguaia”.
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