Num momento em que parlamentares lutam para flexibilizar o Código Florestal brasileiro, um estudo inédito acaba de revelar que a legislação precisa mesmo ser mexida, mas para se tornar mais restritiva. Prestes a sair na conceituada publicação científica Conservation Biology, a pesquisa de Alexander Lees e Carlos Peres, da Universidade de East Anglia, na Inglaterra, mostra que, num contexto de desmatamento na Amazônia, remanescentes florestais considerados áreas de preservação permanente (APPs) ao longo de rios e igarapés devem ser muito maiores do que exigem as leis ambientais, se quiserem efetivamente servir à conservação da natureza.
Com base em levantamentos minuciosos em 37 remanescentes florestais entre maio e outubro de 2005, combinados com imagens de satélite, os pesquisadores avaliaram no entorno de Alta Floresta (MT) a largura e a estrutura mínima necessárias para manter populações de aves e mamíferos, e compararam-nas às condições de florestas primárias contínuas. Mas não se restringiram à forma. Analisaram também se a funcionalidade dos corredores conectados a grandes manchas de florestas é maior do que em corredores inteiramente isolados.
Descobriram que quanto maiores e preservados eram esses corredores, mais espécies os freqüentavam. Ao contrário dos mais estreitos e isolados, que revelaram apenas um terço das aves e um quarto dos mamíferos encontrados em trechos envolvidos em manchas maiores de florestas. Esses corredores mais estreitos, com menos de 200 metros de largura, são predominantes em muitas áreas devastadas na região do arco do desmatamento. Por serem tão limitados, eles ficam mais suscetíveis a efeitos como umidade e temperatura exteriores, o que prejudica o interior da floresta.
Por causa disso, Lees e Peres sugerem que essas APPs devam ser literalmente cercadas, para ficarem livres de impactos causados pela pastagem de rebanhos ao redor. Mas isso não precisaria ser uma obrigação descrita na lei. “O Código Florestal pode se deter somente à legislação no que diz respeito à retenção de cobertura florestal, tanto em relação às APPs quanto as reservas legais. No final das contas, precisamos avaliar o que é razoável ser imposto, para maximizar a probabilidade de obediência”, sugere Carlos Peres.
A recomendação de revisão do código é expressiva. Para os autores, esses remanescentes devem ter no mínimo 400 metros de largura, ou 200 metros para cada lado de qualquer curso d’água, especialmente aqueles superiores a 10 metros de largura. Isso é muito mais do que hoje estabelece o Código Florestal brasileiro. Pelo texto em vigor, são consideradas APPs áreas de, no mínimo 30 metros em cada margem de rios com até 10 metros de largura, caso de 82% das áreas amostradas no estudo.
Mudanças na legislação
Mas o que pode parecer muito, perto do que diz a lei hoje, para o biólogo Marcelo Lima (autor do primeiro estudo publicado no país sobre a saúde dos corredores de fauna na Amazônia envolvendo sapos e pequenos mamíferos, em 1997), ainda é uma estimativa conservadora. Para ele, são desejáveis na Amazônia larguras superiores, como 400 metros para cada lado dos cursos d’água.
E o que vale para a Amazônia nem sempre cabe aos outros biomas. Tudo vai depender de características de cada ambiente, respeitando sua própria heterogeneidade. “Para permitir que áreas funcionem como corredores de fauna na região do Parque Nacional das Emas (GO), de Cerrado, por exemplo, é preciso preservar áreas adjuntas, áreas de matas fechadas e abertas também”, diz o biólogo. E mais, como o que serve para alguns pode não atender a todos, o importante é avaliar para que espécies o corredor serve e se isso beneficia, de tabela, outras. “O conceito de conectividade é muito espécie-específico”, diz ele.
“Originalmente, o Código Florestal foi feito para preservar mananciais de água. Naquela época [1965] não se previa que as áreas de preservação permanente fossem servir como corredores. Isso só começou a ser discutido nas décadas de 80 e 90”, explica Lima. Atualmente, no entanto, embora fundamental em contextos de desmatamento, não seria fácil incluir na legislação essa função de conectividade. “Hoje já tem sido difícil segurar o Código Florestal do jeito que está. O que falta é uma discussão mais técnica, científica e política sobre planejamento regional e nacional sobre o que preservar”, opina Lima.
Por essas e outras funções que as áreas de remanescentes podem desempenhar, Peres insiste em mudanças não apenas numéricas na legislação, mas que de uma maneira bastante particular atinja as regiões realmente relevantes para conservação. “Corredores remanescentes de floresta riparia em regiões amplamente desmatadas, por vários motivos além de retenção de biodiversidade, devem entrar numa categoria especial que garanta a sua proteção, independentemente do total ou proporção de área de floresta em pé remanescente no imóvel rural, pelos próprios serviços ambientais que estas faixas de mata representam”, opina o autor.
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