O parque é uma das áreas protegidas federais que mais sofre com a ocorrência de fogo no país. Somente em 2008, foram consumidos cerca de 55 mil hectares de Cerrado, por 42 dias seguidos. “Ainda não contabilizamos quantos focos tivemos no total, mas foram muitos. Muitos e simultâneos”, diz Christian Berlinck, chefe da unidade. Por esse motivo, ele dá boas vindas a alternativas de prevenção. Em 2004, uma delas pareceu se encaixar direitinho na necessidade do parque.
Desenvolvida pelo engenheiro Takeshi Imae, idealizador da ModClima, a chuva artificial é produzida por meio da irrigação de certos tipos de nuvens com água filtrada. Bem diferente da tecnologia já usada para provocar chuvas artificiais, que pulveriza produtos químicos nas nuvens, como nitrato de potássio. “Esta seria uma forma limpa de controlar grandes queimadas”, defende Berlinck.
Para que a chuva pudesse cair naquela porção específica de Cerrado, foram necessários cinco anos de negociações. Sem aval do Ibama para contratação da empresa, nem patrocínio da iniciativa privada, a chuva só aconteceu porque sojicultores goianos contrataram a ModClima para não perderem suas plantações e, como o avião estava perto da unidade, a empresa resolveu dar um pulo lá para “semear” as nuvens. E conseguiu. A irrigação de 15 minutos gerou uma chuva intensa de uma hora sobre cerca de 20 quilômetros quadrados do parque.
Efeitos práticos do fogo
Naquele parque nacional, além da vegetação típica do Cerrado, há porções de campos rupestres (pontilhados de pedras) e nacos de Mata Atlântica, com sua fauna e flora características, onde clima seco e calor são essenciais para germinação de certas plantas, por exemplo. Assim, querer manter a vegetação do parque sempre úmida para evitar incêndios pode significar uma alteração fatal para a biodiversidade. “Será que algumas sementes não precisam do fogo para quebrar a dormência e germinar? Será que não vai haver desequilíbrio entre animais? Alguns preferem o seco, outros o úmido. Será que está certo alterarmos tanto assim a natureza?”, questiona o engenheiro agrônomo Helton Perillo Ferreira Leite.
Para Mário Barroso, gerente do Programa Cerrado da não-governamental Conservation International e especialista em ecologia do fogo, o uso da chuva artificial deve ser analisado sob dois pontos de vista: o biológico e o ecológico.
Considerando que a lógica da chefia do parque seria a de aumentar a umidade para evitar o acúmulo de matéria seca (combustível para o fogo), a chuva artificial pode gerar justamente o efeito contrário. Segundo ele, as plantas não deixam de seguir seu ciclo de vida normal, mesmo com alterações como esta. “O aumento da umidade gera uma falsa impressão de que vai reduzir a quantidade de combustível, mas a planta não vai deixar de secar. Com mais chuva, o que pode acontecer é aumentar a quantidade de matéria verde, gerando até mais matéria seca no futuro. Isto é, pode haver um acúmulo de biomassa seca”, explica.
O fogo, quando natural e controlado, é importante para repor minerais no solo, eliminar folhas mortas que já não têm função biológica, dando espaço para outras plantas pequenas que ficam abafadas, e para fazer florescer um conjunto de plantas. Os animais, quando têm para onde fugir, acabam voltando para área queimada e desempenham papel importante na disseminação das sementes germinadas. Como para mudar todo este ciclo de vida seria necessário um aumento muito grande no volume precipitado, Barroso acredita que a técnica de semeadura de nuvens não trará grandes impactos.
“Já existe uma variação normal no regime de chuvas no Cerrado e é comum ocorrerem chuvas no período seco, então acredito que a chuva artificial não trará nenhum problema para plantas e animais, pois imagino que eles [no parque] não vão ter condições de produzir chuva em grande escala”, diz Barroso, em referência ao custo da operação, que pode chegar a 3,5 milhões no primeiro ano de atividade.
E por falar em dinheiro, este é outro ponto criticado da operação. A partir do segundo ano de atividade, depois que aeronaves e radares forem adquiridos, o custo cai 40%, mas continua muito acima do valor necessário para empregar outras técnicas de prevenção e combate, como construção de aceiros, contratação de brigadistas e aquisição de equipamentos.
No Parque Nacional das Emas (GO), por exemplo, a construção de 300 quilômetros de aceiros no ano passado custou à unidade cerca de 40 mil reais, ou 900 vezes menos que um ano de chuvas artificiais.
Fase de testes
Apesar de todas as críticas, Christian Berlinck continua apostando na tecnologia para prevenir incêndios no Parque da Chapada Diamantina. Segundo ele, os ambientes não serão tão alterados porque a semeadura das nuvens será feita de forma intercalada entre dez diferentes áreas do parque. A idéia é que, próximo à época de seca, o avião da ModClima passe apenas uma ou duas vezes em cada uma destas áreas durante o mês. “Em momento algum essa semeadura será continuada. Vamos fazer [chuva artificial] em apenas uma parte do parque. As outras continuam seu fluxo natural. A técnica não vai impedir que o fogo aconteça, apenas que ele diminua”, explica.
De acordo com o chefe da unidade, todas as ações deverão ser acompanhadas por técnicos, para que os efeitos sejam mensurados e a resposta da vegetação acompanhada, mas ele acredita que os impactos negativos serão mínimos. “As espécies estão sumindo, então, o que é mais importante, a perda da diversidade ou o aumento da biomassa?”, questiona.
Berlinck também acredita que a implementação será viável economicamente se um circuito entre várias unidades de conservação do país for criado, para que o custo se dilua entre elas. Além disso, o parque continua com outras ações de prevenção e combate aos incêndios, como contratação de brigadistas, garante. “É claro que os custos e impactos nos preocupam muito, mas a chuva artificial é uma das ações e é importante iniciar uma linha de discussão nesse sentido”, diz.
Por enquanto, o uso da chuva provocada na prevenção a incêndios florestais em áreas protegidas está na fase de discussões, mas o Instituto Chico Mendes (ICMBio), órgão agora responsável pelo combate ao fogo em unidades de conservação, parece otimista com a possibilidade. “Adianto que as discussões ainda estão em estágio inicial, mas estamos trabalhando com a possibilidade de iniciar um projeto piloto no próprio Parque Nacional da Chapada Diamantina. Logicamente, além das questões relacionadas à eficiência do trabalho de prevenção de incêndios florestais de grandes proporções, serão avaliados possíveis impactos ambientais do uso da tecnologia”, disse Paulo Carneiro, chefe da Coordenação Geral de Proteção Ambiental do ICMBio.
Sobre os elevados gastos com dinheiro público para manter a tecnologia, ele comentou que ainda é cedo para responder. “Em função deste estágio inicial, ainda não temos acúmulo de discussão e resultados suficientes para responder a perguntas relativas aos custos”.
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