A maioria dos jornais estampou esta semana a doação de 6 milhões de hectares federais de Amazônia para Roraima. Também pudera, a área é maior que a Paraíba. Como está claro e foi admitido pelo próprio presidente, trata-se de escambo político pela demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, com 1,7 milhão de hectares. Na capital Boa Vista, uma carreata comemorou ontem a conquista histórica.
Apesar do decreto publicado nessa quinta (29) excluir unidades de conservação instituídas ou em criação, além de outras áreas, e determinar que as terras transferidas “deverão ser preferencialmente utilizadas em atividades de conservação ambiental e desenvolvimento sustentável, de assentamento, colonização e de regularização fundiária”, movimentos governistas na área ambiental sempre merecem um pouco de atenção. Afinal, Roraima tem agora uma nova porção de Amazônia para usar. Um dos principais articuladores do repasse programado desde 2001 foi o senador Romero Jucá (PMDB/RR).
O zoneamento ecológico-econômico (ZEE) do estado foi aprovado no final do ano passado e publicado em janeiro. Ele traz novos critérios para reserva legal, aquela porção de mata que propriedades rurais deveriam manter. Em regiões com florestas, a porcentagem se mantém em 80%, como determina a legislação federal. Mas, em áreas abertas ou de savanas, os “lavrados”, a reserva legal precisa ser de apenas 50%, disse o presidente do Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima), Washington Pará.
Conforme o ZEE (veja atalho abaixo), para recomposição de áreas de floresta a reserva legal será fixada em 50% da área das propriedades. Esse percentual cai para 35% quando a região for de lavrado (savana).
Com a transferência de terras, o zoneamento deve ser ajustado. Antes do repasse federal, de 5% a 6% dos 224.299 quilômetros quadrados (Km2) de terras de Roraima eram privadas, 9% eram estaduais e 85% da União. Agora, as terras estaduais somam cerca de 36% de seu território, ou 81 mil Km2.
Morando naquele estado desde 1984, o biólogo Ciro Campos de Souza, do recém-criado Coletivo Ambiental do Lavrado (CAL), recomenda uma olhada nos dados de desmatamento para ver que manter Roraima sem terras e sem zoneamento não contribuiu em nada para a conservação. “O ZEE tem avanços importantes, contribui para o uso racional dos recursos, mas sugere a redução da reserva legal para 50%, o que é desnecessário e preocupante”, comentou. “Mas já existe um movimento dentro do próprio governo estadual que tenta ganhar força e corrigir este erro”, contou.
Souza avalia que a transferência de terras foi justa e que a falta de regularização fundiária não interessa a ninguém. No entanto, pondera que é preciso muito cuidado “para que isso não tenha como efeito colateral a regularização da grilagem”. “Além de ajustes no ZEE, é crucial fortalecer a fiscalização e monitoramento ambiental, ainda frágeis tanto na esfera estadual quanto na federal, para que o crescimento econômico seja compatível com a conservação dos recursos naturais”, disse.
Aval para áreas protegidas
O decreto federal procura isolar unidades de conservação federais criadas ou em criação do donativo de terras a Roraima. No entanto, vincula a implementação de novas áreas ao aval do estado. Na lista, estão a Reserva Extrativista Baixo Rio Branco-Jauaperi, Florestal Nacional Jauaperi, uma unidade de conservação com lavrados, as ampliações do Parque Nacional do Viruá e da Estação Ecológica Maracá e a redefinição dos limites da Reserva Florestal Parima e da Floresta Nacional Pirandirá.
“Uma surpresa boa foi a garantia de criação da Reserva Extrativista Baixo Rio Branco-Jauaperi, que encontrava forte resistência estadual. Além disso, o decreto também garante uma unidade de conservação na região dos campos naturais, ameaçados pela expansão do agronegócio”, disse Ciro Souza, do CAL. “Com os milhões de hectares transferidos, espero que o estado colabore com o governo federal para que estas áreas sejam criadas e implementadas, com tamanho suficiente para que realmente possam cumprir o seu papel”, comentou.
Conforme Marcelo Cavallini, do Programa de Criação de Unidades de Conservação do Instituto Chico Mendes (ICMBio), técnicos estatais de Roraima estão participando normalmente dos procedimentos para criação e ampliação dessas unidades. Problemas maiores, como sempre, devem surgir nas audiências públicas, espaço tradicional para descarga de argumentos contrários às áreas protegidas. As áreas listadas pelo decreto federal, para criação ou ampliação, somam cerca de 1,3 milhão de hectares e estão em variados estágios de processo político. Na Casa Civil, há tempos, só figura a Reserva Extrativista Baixo Rio Branco-Jauaperi.
Para este ano, a expectativa do ICMBio é de criar uma reserva com savanas amazônicas de até 200 mil hectares e também a Floresta Nacional Jauaperi, além de ampliar o Parque Nacional do Viruá e a Floresta Nacional Pirandirá. Esses movimentos dependem de estudos, consultas públicas, acertos políticos e alteração de limites da Floresta Nacional de Roraima, entre muito rebolado. “É consenso na Casa Civil que deve haver consulta e colaboração estadual quanto à criação de unidades”, explicou Cavallini.
Além disso, o presente federal para Roraima preocupa Ciro Souza, do Coletivo Ambiental do Lavrado, pelo estímulo estadual à produção de biocombustíveis na região dos campos naturais, principalmente de cana-de-açúcar para produção de etanol. “Acho que o governo estadual vai concentrar esforços para atrair grandes projetos agropecuários. Isso pode produzir um impacto irreversível para a biodiversidade e para os mananciais, da mesma forma que aconteceu com o Cerrado. Ninguém mais no Brasil tem campos e mananciais tão conservados quanto Roraima”, ponderou.
“Esta transferência de terras nos deu a segurança jurídica para que possamos continuar com o desenvolvimento do estado”, disse o presidente do Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima), Washington Pará.
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