Quase um ano e meio após ser criado pela então ministra Marina Silva, o Instituto Chico Mendes ainda não disse a que veio para a conservação do patrimônio natural brasileiro. Sem estrutura e à base de tropeços nas próprias pernas, o novo órgão peca ao gerir ainda mal as unidades de conservação do país. Mas, agora no final do ano, uma medida interna proveniente dos corredores de Brasília para fortalecer a cria da atual senadora deve servir como mais um obstáculo ao trabalho dos servidores da pasta de meio ambiente: a redução da estrutura física do Ibama em todas as regiões do Brasil.
O projeto ainda é embrionário, mas basicamente se baseia em transformar gerências-executivas do Ibama em escritórios regionais e reduzir o número desses últimos, que estão espalhados por todo o país. O processo de reestruturação do instituto começou mediante a publicação da Lei 11.284/2006, que criou o Serviço Florestal Brasileiro, e continuou com a criação do ICMBio, um ano depois. Apenas agora, no entanto, ela começa a virar realidade e causar desconforto a alguns analistas ambientais, embora a assessoria de imprensa do Ibama garanta que o processo está parado.
“Existe todo um movimento oficial para reduzir a presença do Ibama em vários lugares. No caso da unidade aqui de Santarém (PA), que é uma Gerência Executiva, deve ser rebaixada ao status de Escritório Regional. Em suma, reduz-se o órgão onde mais se precisa dele”, reclama Antônio Zildomar, servidor do local. Segundo ele, o resultado da equação é simples: existirá menor presença do órgão em pontos de alta demanda, o apoio logístico-operacional às ações de combate ao desmatamento e outras infrações ambientais vai cair e haverá um acúmulo de atribuições em unidades com baixa demanda.
Otávio de Albuquerque Lima, presidente da Associação dos Servidores do Ibama no Pará (Asibama-PA), é outro que vê com pessimismo o processo de “reestruturação”. De acordo com ele, as diferenças entre uma gerência executiva e um escritório regional são enormes. “A primeira tem todos os setores para agilizar o que for preciso. Também recebe recursos diretamente de Brasília, sem precisar de repasse da superintendência do órgão na capital. Isso facilita o trabalho. Além disso, ela tem autonomia para trazer funcionários de outras regiões para ajudarem nas operações de campo, por exemplo. Já os escritórios, não. Têm pouca autonomia e, diversas vezes, estão bem isolados da capital”, explica.
Talvez com esta preocupação em mente, o antigo gerente executivo do Ibama em Santarém, Daniel Cohenca, enviou uma carta para o presidente do Ibama, Roberto Messias Franco, assinada por trinta funcionários daquela unidade. No texto, ele pede que Brasília reconsidere as mudanças previstas para o órgão, sob o argumento de que “frear as atrocidades ambientais que presenciamos cotidianamente na Amazônia e criar um outro projeto de desenvolvimento regional é a nossa missão e só será possível com um Ibama forte e bem presente na Amazônia”.
Irredutível
Os apelos de Cohenca não foram suficientes para sensibilizar Messias Franco. Em resposta enviada para Santarém no último dia 11, o presidente foi claro ao afirmar que “a redução do quantitativo dos Escritórios Regionais do Ibama em todo o país” é baseada em diversas leis e decretos publicados desde 2006. Além disso, afirma que a atitude só será tomada em virtude da “imprescindibilidade de fortalecimento das ações voltadas à preservação das unidades de conservação da natureza (…)”. Em outras palavras, ele explica que o ICMBio necessita de estrutura regimental mínima, além de um corpo de funcionários, para começar os trabalhos. Pelo visto, isso acontecerá às custas da mão-de-obra do Ibama, que nunca foi das maiores. Outro “golaço” da administração Marina Silva e do fiel escudeiro João Paulo Capobianco, principais mentores da divisão do Ibama..
Por enquanto, a gerência de Altamira (PA) caiu de status e foi transformada em escritório regional. Nada que assuste Jonas Moraes, presidente da Asibama nacional. Pelo menos por enquanto. Para ele, com os decretos anteriores, os escritórios já foram automaticamente extintos, mas continuaram em funcionamento. Agora, Brasília tenta definir o que fazer com eles. “Mas a gente acha que precisa haver uma justificativa para fechá-los. Se tiver real necessidade, tudo bem, mas precisamos disso bem claro. Há locais no país em que a única presença do estado é o Ibama”, diz. Ele completa seu argumento ao explicar que há unidades que, de fato, não têm necessidade de permanecerem em funcionamento. “Mas é preciso que as coisas sejam resolvidas sem interesses políticos, e sim com embasamento. Mas não acho que isso aconteça por agora”, finaliza.
Zildomar, analista em Santarém, mostra que as informações sobre o que ocorre nos rincões da Amazônia podem demorar a chegar na capital nacional. Segundo ele, Altamira nunca teve estrutura de gerência executiva, mas sua categoria era fundamental por estar na área de influência da “Terra do Meio”, um dos principais centros de desmatamento do Brasil. Já o escritório de Xinguara (PA), por exemplo, não existe mais.
“Com o órgão presente em determinados pontos estratégicos, já há pouco respeito. Sem ele, vai piorar a situação. Na superintendência de Belém há muitos carros alugados e parados. Só funcionam em épocas de operação. Por que eles não ficam nos escritórios, em vez de pagar para que eles permaneçam estacionados?”, indaga Otávio de Albuquerque. O chefe do Asibama-PA também reclama que muitos DAS (cargos de confiança nos escritórios regionais) da Região Norte já foram retirados de seus locais de trabalho. Provavelmente para serem incorporados ao ICMBio. Enquanto isso, as unidades permanecem órfãs, sem ninguém para responder por elas – ou com servidores do próprio local, nomeados às pressas, sem experiência para um posto de tanta responsabilidade.
Apesar do quadro caótico que se apresenta para o início do próximo ano, Roberto Messias Franco se diz de mãos atadas na carta enviada para Santarém. “Ressalta-se, ainda, que a decisão pela manutenção ou não do quantitativo de Escritórios Regionais e Unidades Avançadas não depende tão-somente da deliberação desta Presidência, mesmo porque este Instituto é um dos envolvidos na questão e um dos integrantes de todo o Sisnama (Sistema Nacional de Meio Ambiente)”. Logo abaixo, ele escreve que o Ibama não vai medir esforços para fortalecer o órgão. A essa altura, no entanto, resta levantar as mãos para os céus e torcer.
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