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Fogo Amigo

Ambientalistas de nações pobres criticam as grandes Ongs internacionais em artigo na Science. Há lamento por recursos, mas a disputa real é pela liderança em projetos de conservação.

Gustavo Faleiros · Andreia Fanzeres ·
16 de agosto de 2007 · 17 anos atrás

Um artigo publicado na mais recente edição da revista Science, o semanário científico mais influente do mundo, está causando um pequeno terremoto na cena em que atuam as organizações não-governamentais ambientalistas. Entitulado “A Globalização da Conservação” e assinado por pesquisadores de diversas nacionalidades reunidos na Wildlife Trust Alliance, o texto sustenta que as grandes ONGs internacionais – Bingos (Big International Non Governamental Organizatios), na sigla em inglês – têm estratégias falhas na proteção do meio ambiente e prejudicam a atuação de pequenas instituições de países em desenvolvimento.

Os pesquisadores buscam demonstrar que a forma de atuação de organizações como Conservation Internacional (CI), The Nature Conservancy (TNC) e World Wildlife Fund (WWF) se assemelha a de grandes empresas multinacionais. Isso se dá através da criação de programas genéricos, que servem como marcas para a obtenção de recursos financeiros. O texto cita as campanhas ‘Hot Spots’ da CI e ‘200 Ecoregions’ da WWF como casos extremamente bem sucedidos na arrecadação de fundos, mas não tão efetivos na conservação da biodiversidade. Houve um incremento de 40% a 100% nos orçamentos destas ONGs nos Estados Unidos entre 1998 e 2005, e na opinião dos autores, os conceitos ambientais utilizados não resguardam os ecossistemas em perigo.

“Embora estas marcas sejam derivadas das ciências da conservação, elas são vulneráveis à crítica científica. Por exemplo, planos previamente concebidos que miram áreas fixas para conservação (Hot Spots e Ecoregions) são insuficientes para lidar com ameaças repentinas como doenças ou espécies invasoras, a alteração do leque de espécies graças ao aquecimento global, ou a dinâmica espacial de ecossistemas marinhos”, descreve o artigo.

A presidente do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), Suzana Pádua, é uma das autoras do artigo na Science e explica que há algum tempo existe um sentimento entre pesquisadores de que as Bingos, com a grande quantidade de dinheiro que têm, ditam os rumos da conservação em todo mundo, mas não acertam o foco onde a biodiversidade está mais necessitada. Para aumentar a eficiência das ações de proteção aos ecossistemas, Suzana observa que a Wildlife Trust Alliance defende que as pequenas organizações locais tenham mais voz. Segundo ela, ONGs de menor porte que dependem unicamente de parcerias e recursos das grandes “perdem identidade.” “Estamos propondo um exercício para que trabalhemos com respeito e cooperação de fato”, diz a presidente do IPÊ.

O ponto-chave de “Globalização da conservação” parece ser a questão de que ao mesmo tempo em que os recursos das Bingos não param de crescer, a verba oficial de governos e organismos multilateriais para a proteção da biodiversidade caiu 50% na última década. É a partir deste desequilíbrio que as grandes ONGs passam a comandar as políticas domésticas de meio ambiente. Uma das consequências, sustenta o artigo, é uma estrutura de decisões de cima para baixo que não considera o conhecimento de instituições e especialistas locais. “Organizações pequenas e localmente focadas, trabalhando na linha de frente da perda da biodiversidade são frequentemente as mais eficazes”, ponderam os autores.

Outra consequência negativa da influência das Bingos, aponta Suzana, é a deficiência na preparação de profissionais locais em práticas de conservação. Um dado no artigo revela que dos 3,2 bilhões de dólares aplicados entre 1990 e 1997 na proteção de ecossistemas na América Latina, apenas 4% foram destinados à “capacitação”. “Hoje, só 30% dos artigos científicos sobre biodiversidade na Amazônia são escritos por brasileiros. Nós estamos fazendo parcerias, mas o conhecimento está ficando no primeiro mundo”, reclama a ambientalista.

A volta do ‘small is beautiful’

A representante da TNC no Brasil, Ana Cristina Barros, vê uma preocupação legítima sob os argumentos de “Globalização da Conservação”: a de que as ONGs de países em desenvolvimento tenham um papel maior no desenho dos projetos e na captação direta do dinheiro internacional. Por outro lado, ela acha que o artigo, quando afirma que “organizações locais são mais eficazes”, traz uma apologia ao velho conceito de que o grande por ser grande não vale, a volta da filosofia “small is beautiful” do teórico alemão Ernst Schumacher. Para Ana Cristina essa é uma “afirmação política” sem comprovação científica no texto. Sua opinião é de que as abordagens das pequenas e grandes organizações de conservação são complementares. “O valor da grande organização é poder atuar localmente, mas quando for preciso também atuar em nível internacional”, diz.

Na mesma linha argumenta Cláudio Maretti, superintendente de conservação de programas regionais do WWF-Brasil. “Não vemos o WWF-Brasil do jeito que eles descrevem”, diz. Para ele, cuidar da natureza exige uma postura ativa da sociedade civil local, com quem, garante, a ONG firma parcerias em todos os projetos que desenvolve. Segundo Maretti, essas parcerias podem ser com grupos sociais, empresas, governos e outras ONGs. Essa interface ampla de relacionamentos permite que as grandes organizações se unam na hora de cobrar atitudes do governo e se separem para cada uma continuar desenvolvendo seus projetos localmente. “Hoje os problemas são globais também. Não adianta acreditar que só a atuação local vai resolver”, afirma.

Para o vice-presidente de Ciência da CI, José Maria Cardoso da Silva, o artigo publicado na Science cometeu diversas injustiças. O conceito de Hot Spot, um dos mais criticados pelos pesquisadores, tem como base a constatação de que ecossistemas que estão à beira de um colapso devem receber investimentos em conservação. “Para provar que as ações não estão funcionando, deveria haver uma pesquisa científica feita com espécies fora dos Hot Spots”, frisa Cardoso. Entretanto, o argumento que ele refuta com mais ênfase é o de que as Bingos não contribuem para a profissionalização das instituições locais. A CI, conta Cardoso, sustenta pesquisas de campo de universidades e institutos no Brasil. “A medida de sucesso de um projeto nosso é ver uma entidade local andar com as próprias pernas”, conclui.

Tudo indica que a defesa feita pelas Bingos de suas estratégias de conservação receberá apoio da academia brasileira. O professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Fabio Scarano enviou uma carta à Science contestando o artigo. Devido às regras estabelecidas pela revista para publicação de qualquer texto, ele não pode dar entrevista sobre o assunto, e, procurado por O Eco, preferiu ficar calado. Contudo, sua experiência como representante da área de Ecologia e Meio Ambiente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), fundação do governo federal de apoio à pesquisa científica, o credencia para discordar dos argumentos levantados pelos autores do artigo sobre a falta de apoio dado pelas Ongs internacionais à formação de recursos humanos. Ao menos no caso brasileiro, a CI e a WWF têm tido importância no apoio à realização de pesquisas científicas por profissionais locais, apontara o acadêmico em sua carta.

Parcerias locais

A crítica à internacionalização das políticas de conservação está em voga no Brasil e em outros países da América Latina. O próprio artigo publicado na Science relata o crescente movimento na Bolívia para expulsar a TNC e o WWF da gestão de parques nacionais. Por aqui, na recente campanha do Ibama contra a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, os técnicos do órgão sugeriram que por trás das mudanças institucionais residia o perigo da entrega da Amazônia às grandes ONGs internacionais. Citaram como exemplo estudos e planos de manejo que estão sendo realizados pelo WWF em várias unidades de conservação no Norte do País.

Em especial, incomoda os funcionários do Ibama a presença da ONG no Parque Nacional do Juruena, entre Amazonas e Mato Grosso, onde no ano passado foi feita uma expedição de reconhecimento. Mas lá, a WWF firmou uma parceria com o Instituto Centro de Vida (ICV) para que, com recursos internacionais, a ONG brasileira execute uma avaliação estratégica da região, estudo que dará base para a elaboração do plano de manejo do parque. “Essa parceria com o WWF tem nos fortalecido, pois conseguimos ampliar nossa
equipe e nosso conhecimento técnico”, diz o coordenador da ONG Sérgio Guimarães, para quem a ajuda é muito vantajosa, mas poderia ser oferecida em maiores cifras a muitas outras entidades.

Em Mato Grosso, poucas são as organizações que conseguem, com sucesso, tocar
projetos de conservação na fronteira do desmatamento. O ICV tem se aproximado de populações locais para trabalhar com agroecologia, unidades de conservação, monitoramento de desmatamento e desenvolvimento de políticas públicas. Boa parte de seu êxito se deve à captação de recursos estrangeiros, apenas 30% dos recursos para projetos do ICV provêm de fontes nacionais, como o governo. Guimarães concorda com o argumento do artigo da Science de que há mais eficiência na solução de questões ambientais quando entidades locais têm condições de atuar. Mas acha que, no caso do desmatamento, não existe uma relação de competição. “Eu vejo ONGs nacionais e estrangeiras pedido uma só coisa: governança, mais presença do governo em áreas como
o norte de Mato Grosso”.

* Colaborou Eric Macedo.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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