Familiares de David Santos Souza, o ciclista que perdeu um braço ao ser atropelado no começo da manhã de domingo a caminho para o trabalho, organizaram uma campanha de arrecadação de sangue. Sua sobrinha Gleice Silva criou uma página no Facebook, na qual pede doações “para ele” e “por ele”. Para doar para ele, é preciso ir até o Hospital das Clínicas e indicar isto na hora da coleta. “O sangue pode não ser exatamente para ele, pode ser simplesmente para repor o estoque, mas doem assim mesmo”, especifica Gleice na página. Para doar por ele, é só seguir a uma unidade de saúde próxima e “simplesmente doar sangue para alguém que precisa”, como explica a sobrinha.
Um dia depois de o tio ser atropelado de maneira brutal na Avenida Paulista, ao mesmo tempo em que agradeceram as manifestações de solidariedade e apoio por parte de outros ciclistas, muitos dos quais sequer conheciam David mas foram a rua cobrar providências, a família organiza uma campanha para doação de sangue não só para ele, mas para todos que precisam. Contra a barbárie, solidariedade.
David foi atropelado quando a estrutura de proteção da ciclofaixa de lazer que funciona aos domingo no local já estava instalada. De acordo com o delegado Luis Francisco Segantin Junior, do 78º Distrito Policial, o motorista Alex Siwek fazia ziguezague nos cones do local quando atingiu o ciclista (o pessoal da Vitamina Design disponibilizou vídeo com os principais trechos da entrevista coletiva do delegado). Ele estava tão rápido que o braço da vítima foi arrancado e ficou dentro do carro. Segundo a polícia, o motorista atirou o membro em um córrego mais tarde. O atropelamento aconteceu antes das 6h. Tirei a foto por volta de 9h, com as pernas bambas e um tanto quanto desesperado em tentar identificar, pelo quadro danificado e as rodas tortas, se era a bicicleta de algum amigo ou conhecido. O sangue espalhado indica velocidade, a mancha no asfalto ocupa mais de duas faixas. A bicicleta está em uma terceira.
São Paulo precisa definir se quer ser uma cidade humana, onde pessoas podem circular pelas ruas, ou a meca dos “pilotos”, a capital do transporte individual ao extremo em que garotos de 20 e poucos anos se acostumam a acelerar máquinas cada vez mais pesadas e rápidas como se não houvesse amanhã. Se quer ser uma cidade onde cabem bicicletas ou se quer ser uma cidade em que é rotina motoristas trafegarem por avenidas a mais de 120 km/h e por áreas residenciais a 80 km/h.
E aí não se trata apenas de responsabilizar o Alex (ou o Thor Batista ou o Ricardo Neis) e resumir tudo ao estereótipo “playboy irresponsável” e pronto. Eles devem pagar pela barbaridades que cometeram, mas são necessárias medidas urgentes para conter comportamentos banalizados de irresponsabilidade no trânsito. É preciso reduzir a velocidade nas ruas. É preciso reduzir a velocidade de aceleração de carros desenhados para rodar em cidades. É preciso não aceitar e não compactuar com este tipo de comportamento social – escrachar os amigos que se orgulham de percorrer estradas em tempos cada vez menores, ou que se acostumam em “voar” para o trabalho. É preciso questionar também a responsabilidade de quem propaga e subsídia tais ações irresponsabilidades. Qual o papel em tragédias como esta das montadoras que investem milhões em campanhas que vendem a velocidade como bem máximo, chegando a apresentar “rachas” com seus carros?
Ou São Paulo se humaniza, ou passa a ser uma cidade proibida para pessoas. Será que alguém quer (viver em) uma cidade assim?
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O ovo da serpente – atropelamentos, racismo, homofobia…
E no Outras Vias:
Sobre o incentivo à velocidade e carros que atingem 334 km/h
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