Na terça-feira, 3 de abril, o prefeito de São Paulo Gilberto Kassab anunciou o início da terceira fase do Programa de Proteção ao Pedestre da Secretaria Municipal de Transportes. O programa, anunciado em 11 de maio de 2011, está prestes a completar um ano.
E perdeu completamente o rumo.
A mudança de paradigma prometida pelo prefeito Gilberto Kassab e pelo secretario municipal de Transportes Marcelo Branco ficou só no discurso. Quando o programa foi anunciado, o Outras Vias elogiou a iniciativa e abriu espaço para as promessas de priorização ao transporte coletivo em detrimento ao individual e de valorização à vida, ou seja, de menos dinheiro para avenidas, túneis e obras megalomaníacas e mais investimento em transporte público e infraestrutura para pedestres e ciclistas. Desenhava-se algo grande, uma alteração real e concreta na qualidade de vida de milhares de pessoas que vivem em São Paulo e não têm carro, por opção ou por falta de. Uma iniciativa corajosa de políticos aparentemente dispostos a enfrentar um discurso enraízado e bem construído baseado na ideia de que a liberdade individual deve ser absoluta e de que qualquer tentativa de regular ou influenciar a maneira como as pessoas optam por se deslocar é totalitária, inapropriada e errada. Um debate difícil, uma campanha importante, mas com potencial risco político*.
A campanha começou muito bem, com destaque para os vídeos com depoimentos de gente que considera o respeito ao pedestre prioridade absoluta. Teve o Matias Mickenhagen se apresentando como “ciclista, motorista, pedestre e acima de tudo cidadão”, o Willian Cruz lembrando que o “trânsito é feito por pessoas e para as pessoas”, o Matias Fingerman falando sobre “respeito ao pedestre”, e a Aline Cavalcante lembrando que “transitar e se locomover não deve ser privilégio de quem tem carro”. Só para citar alguns exemplos do tom do início do programa. Por algum tempo, deu para ter esperança de que os carros realmente começariam a frear ou diminuir de velocidade na presença de pessoas e, mais importante, que, conscientes dos seus direitos, os pedestres atravessariam as ruas sem titubear.
E aí veio a reação e a campanha começou a perder o rumo. Motoristas indignados com o comportamento “louco” dos pedestres começaram a reclamar. Nas redes sociais, passaram a pipocar comentários sobre as ousadias insanas de gente que tentava cruzar a rua fora da faixa – comportamento considerado normal e corriqueiro em cidades formatadas para pessoas, mas que, no Brasil, a classe média acostumada a elogiar a Europa não pensou duas vezes ao condenar. E acelerar. Este que escreve só escreve por conta de centímetros que sobraram em duas ou mais finas “educativas” de motoristas que simplesmente não aceitaram que um pedestre ousasse pisar na rua fora do caminho indicado e tentaram educá-lo com arrancadas quase assassinas.
Uma combinação perigosa de covardia, frustração e estresse descarregada no pedestre que por descuido ou por não concordar em ter que andar mais para cruzar uma fina, pisa fora da área restrita. Acelerar e tirar finas para educar. Respeito à ordem é mais importante que respeito à vida?
Em vez de frear os ânimos, punir motoristas imprudentes e, desta forma, mostrar que, conforme proposto inicialmente, o programa foi planejado para provocar uma mudança de paradigma real na cidade (e não apenas mais uma campanha de marketing político baseada na ideia bem aceita de que respeito ao pedestre é algo bom), a Prefeitura cedeu. Em vez de insistir nas campanhas para que o limite de velocidade de 30 km/h em ruas consideradas residenciais fosse respeitado, em vez de intensificar os esforços para minimizar comportamentos de risco no trânsito, em vez de mostrar as consequências da imprudência, as autoridades resolveram voltar os olhos para os pedestres.
A Prefeitura pode rebater a crítica levantando que enquanto de maio de 2010 a janeiro de 2011 aconteceram 460 mortes em atropelamentos, no mesmo período de 2011 a 2012 o número foi reduzido para 420 mortes. A redução de velocidade nas vias rápidas, para limites mais razoáveis, de 80 km/h para 60 km/h certamente já fez uma diferença para a redução de fatalidades. Este ponto, é o principal marco da gestão do secretário Marcelo Branco em relação à desastrosa gestão anterior do secretário Alexandre “Fluidez” de Moraes, que chegou a dizer em evento público que “há medidas para ampliar a segurança, mas que não são tomadas porque prejudicam o trânsito”. Branco merece ser elogiado por isso.
Mas, ao mesmo tempo que merece reconhecimento pelo que fez de importante, ele deve ser cobrado e criticado por omissões graves. O número de atropelamentos ainda é muito alto. Todos os dias, considerando os dados oficiais apresentados pela Prefeitura, morrem duas pessoas atingidas por carros na cidade, dois pedestres atropelados. A situação é urgente e pede soluções rápidas e efetivas. E o poder público, respaldado na figura pouco digna do Homem Zebra, parece sem direção.
* Foi adicionado ontem na biblioteca do Outras Vias o Fighting Traffic, um livro que pode ajudar a entender melhor a disputa em curso e as mudanças necessárias, bem como o que move cada personagem nesta disputa. Que ninguém se iluda, se a Prefeitura decidisse realizar uma mudança de paradigma real na cidade, teria que se preparar para uma forte reação contrária e reconfigurar sua base de sustentação. O que não vai acontecer tão perto da eleição. Não é questão de ser bom ou ruim, mas de poder. Para desequilibrar essa balança e forçar novos posicionamentos efetivos, que fiquem além do marketing eleitoral, quem sonha com cidades sem tanta fumaça e congestionamento, deve fazer pressão e espalhar ideias. Cobrar a priorização do transporte público, a diminuição de investimentos em pontes, viadutos e ampliação de avenidas e, principalmente, mais respeito à vida. Que deve, sempre, ser prioridade.
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