Porto Alegre – Em 25 de fevereiro de 2011, em Porto Alegre (RS), o motorista Ricardo Neis apontou seu carro, acelerou e disparou intencionalmente contra mais de uma centena de pessoas que pedalavam na rua José do Patrocínio, em Porto Alegre. A violência, que deixou mais de 20 ciclistas feridos, foi assim descrita no artigo “Não foi acidente”, que Thiago Benicchio escreveu para o Outras Vias – um dos mais lidos da história do blog. Agora, quase um ano após o atropelamento brutal, ciclistas que participam da Massa Crítica da cidade dão exemplo para todo o Brasil de como responder a este e tantos outros ataques que quem pedala e sonha com cidades menos poluídas e congestionadas sofre rotineiramente.
Para marcar o aniversário do episódio, além de cobrar Justiça e punição ao criminoso em questão (o que é importantíssimo), os ciclistas da cidade também organizaram um grande encontro para discussão sobre o uso de bicicletas nas cidades. Trata-se do 1º Fórum Mundial da Bicicleta, espaço aberto para cicloativistas, urbanistas, autoridades e pesquisadores das principais capitais do país e do exterior debaterem mudanças e perspectivas para melhorias nos sistemas cicloviários. Trata-se de chamar a atenção para a necessidade de políticas públicas específicas para incentivar a prática e beneficiar quem pedala nas cidades. Trata-se de responder à violência com propostas concretas, ideias e, principalmente, entusiasmo.
Ciclistas de todas as idades ocuparam as ruas da capital no final da tarde da última sexta-feira
Que é o que não faltou na última Massa Crítica de Porto Alegre, realizada na sexta-feira, 27 de janeiro, um ensaio para o que deve acontecer no próximo encontro agora no final de fevereiro. No entardecer, a cidade foi invadida por um batalhão de ciclistas coloridos, alguns com filhos, a maioria armada com sorrisos e acenos simpáticos para os motoristas e pedestres. Velhos e jovens juntos, brincadeiras, namorados de mãos dadas, cantorias animadas e gritos de apoio do pessoal que participava do Fórum Social Temático, tudo junto em uma ocupação diferente as principais ruas e avenidas da capital. Em vez de trocarem fumaça, fechadas e aceleradas agressivas, centenas de pessoas percorreram a região central compartilhando alegria. Um ano após a barbárie, a Massa Crítica se desloca com uma leveza que às vezes falta em outras Bicicletadas, como a de São Paulo.
Talvez tenha sido impressão de visitante, encantado com a gentileza da Lívia Araújo, autora do blog Bike Drops e uma das articuladoras do Fórum Mundial. Mesmo sem conhecer pessoalmente o autor do blog, ela nem hesitou em emprestar sua bicicleta reserva durante a Bicicletada e mais alguns dias. E olha que é uma bela dobrável, a bike que deve ser pedalada durante o encontro por ninguém menos que o Chris Carlsson, autor do Nowtopia e um dos criadores da Critical Mass (aliás, tem um projeto aberto no Catarse de financiamento coletivo para pagar a passagem dele para Porto Alegre – se puder, colabore).
Reações
Não deu para ver, mas alguns dos que participaram relatam que, em determinado momento, próximo a lanchonete de uma rede que vende comida industrial, um motorista trocou palavrões e chegou a descer com um bastão para ameaçar quem passava. De qualquer forma, se ele queria briga, deve ter ficado frustrado. Felizmente. Mais do que armas de ataque, a Bicicletada de Porto Alegre improvisa bagageiros de bambu…
…e incríveis bicicletas surreais – no fim da pedalada, a Praça Zumbi dos Palmares é invadida por bicicletas de formatos malucos, pouco prováveis até.
O movimento empolga. Em diversas cidades do Brasil grupos se mobilizam para seguir pedalando até o encontro. No exterior, ciclistas de países vizinhos organizam passeios locais para lembrar, de forma solidária, a violência de um ano atrás – veja no Facebook.
Deste ciclista, a única crítica ao movimento fica pelo esquisito grito “Bicicletaaaa, um carro a menos!” (em São Paulo, a Massa Crítica costuma cantar “Menos carros, mais bicicletas”, o que faz mais sentido já que são várias bicicletas no lugar de um montão de motores, e não de apenas de um carro). Hehehehe. No mais, a Bicicletada de Porto Alegre é hoje a mais gostosa de participar e a que melhor ensina a responder à truculência de quem briga e congestiona, e não transita pelas ruas.
Casal pedala de mãos dadas durante a Bicicletada de Porto Alegre
Mais amor, menos motor.
Esse texto tem inspiração direta no “sai da rua, viado!“, texto que o Denis Russo Burgierman escreveu para a Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade) no Dia Mundial Sem Carro em 2010.
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