Na segunda-feira, no caminho para o trabalho, encontrei esta árvore espetacular. O tapete amarelo na calçada, a força dos galhos, a distribuição perfeita. Parei de pedalar, sentei e fiquei observando por alguns minutos. Tirei essa foto e fiquei pensando. Se estivesse de carro, não teria como parar sem travar a rua inteira, mesmo sendo uma ruazinha pouco movimentada, como as que sempre tento incluir no meu caminho de bicicleta. Possivelmente, aliás, se estivesse dentro de uma latinha de plástico e metal, não teria nem conseguido olhar para cima para ver a copa da árvore. Na pressa, talvez nem tivesse visto o chão todo coberto de flores.
Fui contando as árvores no caminho. As da Vila Madalena, bairro que costumo cruzar, estão lindas. Um espetáculo de flores rosas, roxas e brancas. Na Barra Funda, em uma esquina em que passo regularmente, as amoras já nasceram, mas ainda estão verdes demais para serem colhidas. É um pé que fica do lado de uma avenida que cruzo há mais de dez anos. Até trocar o carro pela bicicleta, não havia sequer suspeitado da existência das amoras. Fiquei pensando no assunto. Aí cheguei no trabalho e me deparei com um comentário do William Cruz, o autor do vadebike.org, sobre a floração das cerejeiras na cidade (aliás, o hanami, a prática de contemplar tais árvores, é um costume bastante tradicional entre a comunidade japonesa na cidade).
Lembrei-me de um texto que li tem muito tempo, antes mesmo de entrar para a equipe de ((o)) eco sobre convivência com a natureza.
Medo do mato?
“Como podem as crianças gostar e não temer o mato? Este é um grande desafio da educação ambiental: mostrar àqueles que representam o futuro, a beleza que só especialistas ou pessoas de rara sensibilidade estão acostumados a apreciar. Ensinar o belo, a natureza e as feras. Ensinar a ética de entender que não estamos sós neste planeta e que precisamos respeitar os outros seres vivos se queremos um futuro para nossa própria espécie.” O texto e o questionamento são partes do artigo “Medo do mato?”, publicado em 2004 pela Maria Tereza Pádua.
Fiquei pensando a respeito. Será que basta defender a preservação de florestas distantes (física e emocionalmente), apresentar animais, insetos e bichos em revistas especializadas como seres bizarros e sem nenhuma conexão com nosso cotidiano, e manter contatos eventuais com árvores em fins de semana cada vez mais raros em praças apertadas ou parques lotados? Chega a ser desesperador ver a disputa por trechos vazios de grama nos principais parques de São Paulo nos fins de semana de sol. Disputa por espaço cotidiana, rotineira.
Será que faz sentido manter modos de vida baseados na degradação ambiental e consumo excessivo de recursos naturais intercalados por tentativas desesperadas de aliviar isso com momentos cada vez mais estranhos na natureza? Será que o medo do mato não tem relação com essa forma esquizofrênica de intercalar asfalto, fumaça e trânsito com momentos cada vez mais raros de contemplação da natureza?
Não por acaso, além da manter a defesa das florestas e áreas de preservação, ((o)) eco tem aberto espaço para a discussão também de formas de vida mais sustentáveis nas cidades. Andar de bicicleta em grandes metrópoles e batalhar por sistemas de mobilidade mais humanos, seguros e racionais faz parte desta busca pela construção de alternativas às cadeias de degradação ambiental estabelecidas. Brigar por melhores condições para ciclistas e pedestres, denunciar atropelamentos e comportamentos absurdos, fazer as conexões necessárias são, de maneira direta e indireta, formas de defender o meio ambiente.
Aproveitando este post excepcionalmente pessoal, vai um desabafo também. Em vários momentos, asfixiado na metrópole, pensei em fugir, tentar ganhar a vida escrevendo em uma casinha isolada no meio do mato, sem essa loucura do trânsito, o estresse, a poluição. Tenho muitos amigos que fizeram isso, migraram para outras cidades, seguiram para as praias de Florianópolis para… reproduzir em Santa Catarina o mesmo modo destrutivo de vida com o qual estavam acostumados (e os congestionamentos cada vez mais frequentes hoje na ilha são reflexo de como milhares de pessoas que gostam da natureza, bem intencionadas, podem colapsar uma cidade).
Abandonar o carro e adotar a bicicleta como principal meio de transporte me ajudou de certa maneira, a poder viver com a natureza – e em harmonia com ela. A viver de acordo com crenças pessoais. E a contemplar e ser capaz de perceber as árvores sem sair de São Paulo.
Se você vê árvores no seu caminho, envie a foto para danielsantini@gmail.com ou deixe nos comentários abaixo o link de onde ela foi publicada. Voltaremos ao assunto em 23 de setembro, no início da primavera. Compartilhe a beleza da sua cidade.
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Excelente texto!