Com o fim do inverno, águas carregadas com nutrientes penetram sobre a plataforma continental do sudeste do Brasil até bem perto da costa. A combinação de nutrientes com águas claras é tudo que o fitoplâncton quer e essa é uma época em que a cadeia alimentar marinha é turbinada.
Na esteira do fitoplâncton vem o zooplâncton e, atrás deste, diversas espécies de peixes, com destaque para a sardinha-verdadeira (Sardinella brasiliensis), encontrada entre o Cabo de São Tomé (RJ) e o Cabo de Santa Marta (SC). Cardumes deste peixe surgem sobre a plataforma continental para se alimentar e desovar. Como outros peixes de seu grupo, sardinhas vivem pouco (2-3 anos) e são muito férteis, o que é bom, considerando que são a presa principal de um grande número de predadores, de atuns e tubarões a golfinhos e atobás.
Talvez o mais impressionante predador de sardinhas seja a Baleia de Bryde Balaenoptera brydei, um parente menor (chega a 12-15 m) da famosa Baleia Azul. Brydes são uma das espécies menos conhecidas de baleias e, de fato, podem ser mais de uma espécie, já que existem “formas” costeiras e pelágicas com diferenças morfológicas, ecológicas e genéticas. Esse é um mistério ainda sendo estudado.
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A Brydes já foi registrada ao longo de praticamente todo o litoral brasileiro mas parecem ser especialmente encontradiças no litoral de São Paulo e Rio de Janeiro.
Ali são frequentes as observações de baleias, incluindo mães com filhotes, alimentando-se de sardinhas e outros peixes do grupo nas proximidades das ilhas costeiras da região, como a Laje de Santos, Alcatrazes e Ilhabela com seus satélites, Búzios e Vitória.
Além do fato de estarem presentes no litoral sudeste durante todo o ano e que comem pequenos peixes e camarões (aviú Acetes americanus), sabemos pouco sobre as Brydes. Entretanto, é evidente que sardinhas são um componente importante de sua dieta, o que causa preocupação pois há uma concorrência desleal entre pescadores e baleias.
Sardinhas já foram extremamente comuns no litoral brasileiro e sustentaram uma indústria que minerou as populações da espécie como se não houvesse amanhã. A velha história da tragédia dos comuns combinada à tradicional irresponsabilidade do setor pesqueiro levaram ao colapso dos estoques de sardinha durante as últimas décadas.
Após um tombo na produção em 1990 e a imposição de defesos e tamanhos mínimos, a produção saltou para 117 mil toneladas em 1997, mas o afrouxamento das regras de defeso e desembarque (cortesia de pressões políticas) levou a novo colapso, com apenas 17 mil toneladas desembarcadas em 2000.
Com a volta dos defesos (baseados em pesquisas e da fiscalização) a população de sardinhas está lentamente se recuperando, embora esse seja um processo frágil em um país onde o Ministério da Pesca não parece interessado em sustentabilidade e o setor pesqueiro prima por explorar populações animais até seu esgotamento.
Junto com a gradual volta das sardinhas, o espetáculo das Brydes junto às ilhas de São Paulo e Rio pode ser apreciado por quem visita a região. Um dia, quem sabe, poderemos ter no litoral paulista-fluminense um turismo organizado de observação de baleias semelhante ao de Santa Catarina.
Proteger as baleias e o estado lamentável dos “recursos pesqueiros” (peixes, crustáceos e moluscos não são considerados fauna no Brasil) são razões suficientes para que a pesca comercial como os sardinheiros e os absurdos arrastos e parelhas que saqueiam a região (com destaque para as de Santa Catarina), fossem banidos de operar no entorno de Ilhabela, Búzios, Vitória, Montão de Trigo e Alcatrazes. Essa não é uma idéia nova e sua aplicação efetiva poderia ser incorporada no manejo da APA Marinha do Litoral Norte, que já inclui boa parte da região. Não seriam apenas as baleias que agradeceriam.
Autor deste blog, Fabio Olmos é biólogo e doutor em zoologia. Tem um pendor pela ornitologia e gosto pela relação entre ecologia, economia e antropologia. Seu último livro, sobre ecossistemas brasileiros e conservação, é Espécies e Ecossistemas. |
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