Em 5 de fevereiro de 1836 o Beagle aportou na cidade de Hobart, na Tasmânia, e Darwin pôde explorar parte desta ilha incrível. Ligada ao continente australiano durante as glaciações, quando o nível do mar era mais baixo, a Tasmânia foi isolada pela elevação dos oceanos quando a última era do gelo terminou, há cerca de 12 mil anos.
Esse isolamento impediu que a nova ilha fosse colonizada pelo dingo, uma forma feral do cão doméstico introduzida na Austrália a partir da Indonésia há pelo menos 4 mil anos atrás. Cães ferais são predadores entusiasmados, fato bem conhecido em Unidades de Conservação como o Parque Nacional de Brasília. Eles podem levar espécies à extinção e ser vetores de doenças que afetam outros carnívoros, como a cinomose que vitimou leões e outras espécies no Serengeti. É por isso que cães ferais devem ser eliminados de qualquer área protegida.
Clique para ampliar |
A introdução dos dingos causou a segunda onda de extinções da fauna australiana. A primeira foi causada pela chegada dos humanos, 50 mil anos atrás, e erradicou espécies cujo último refúgio se tornou a Tasmânia — onde os canídeos alienígenas nunca chegaram. Entre as espécies extintas no continente está o tilacino ou “tigre-da-tasmânia” Thylacinus cynocephalus, o maior marsupial carnívoro recente. Ele ainda teve uma sobrevida na Tasmânia, mas lá também foi extinto pela combinação de perseguição humana e, talvez, doenças. O último tilacino morreu de maus tratos no zoológico de Hobart, em 7 de setembro de 1936, embora haja esperanças (assim como existem para o yeti) de que a espécie ainda sobreviva em regiões remotas.
Os dingos também eliminaram do continente o diabo-da-tasmânia (Sarcophilus harrisii). Ele não foi páreo para canídeos sociais e acabou extinto em toda parte, exceto a Tasmânia. Após a colonização europeia, quase sofreu o mesmo destino do tilacino. Entretanto, após se tornar muito rara, a espécie conseguiu se recuperar. Antes considerado uma praga que matava carneiros, em 1941, o diabo se tornou uma espécie protegida. Melhor, virou ícone da Tasmânia e ganhou o mundo graças aos desenhos de Pernalonga e Taz.
Os diabos são carnívoros que caçam ativamente. Podem ter sido eles os responsáveis pelo fracasso de várias tentativas de introdução de raposas na ilha. Além disso, também consomem animais mortos.
Quem já visitou a Tasmânia fica impressionado com a quantidade de wallabies, wombats, possuns, etc., vivos e também mortos ao longo das estradas. Os diabos têm um bom suprimento de comida. Quando visitei o Asbestos Range National Park fiz uma brincadeira interessante junto com um colega do Parks & Wildlife Service: recolhemos várias carcaças de animais mortos na estrada e as deixamos perto do alojamento, o que nos permitiu observar os diabos jantando.
Mutação infernal
Tudo parecia bem para os diabos até um mutante surgir.
O câncer é causado por células que rompem o contrato social com o restante do organismo e começam a se multiplicar sem controle, criando tumores que são, em resumo, criaturas independentes que tentam se reproduzir enviando metástases a outras partes do corpo. Alguns raros tipos de câncer vão além e células tumorais podem ser transmitidas entre indivíduos. Assim, o que era uma revolta local se torna um novo tipo de patógeno ou parasita com vida própria.
Os diabos-da-tasmânia estão ameaçados por um destes mutantes, chamado tecnicamente de devil facial tumour disease. Morder a face um do outro é parte importante da vida social e sexual dos diabos (e não só deles). Esse comportamento possibilitou que células cancerosas passassem de um indivíduo para outro. Os tumores que crescem na face dos diabos contaminados eventualmente destroem olhos, dissolvem partes do crânio e impedem que os animais comam, levando-os à morte.
Desde o surgimento da doença, em 1996, a mortalidade em algumas populações chegou a 100% e os diabos estão ameaçados de extinção. Medidas como reprodução em cativeiro, estabelecimento de populações em ilhas e pesquisas biomédicas estão sendo tomadas, mas há o risco da doença vencer e os diabos serem extintos nas próximas 2 ou 3 décadas.
Poucos lembram que o Pica Pau dos desenhos animados é um Campephilus principalis, uma espécie extinta em algum momento entre as décadas de 1940-90, graças a madeireiros e coletores de museus. Seria triste ver Taz se tornar outro exemplo de cartoon baseado em uma espécie extinta durante nosso tempo.
Leia também
A guarda do louva-a-deus, uma mamãe Kung Fu
Caudas extravagantes e Ferraris, a evolução explica
Darwin, o subversivo que mudou meu caminho
Minha Antártica tem palmeiras onde canta o … pinguim?
Leia também
Entrando no Clima#40 – Florestas como forças de estabilização climática
Podcast de ((o))eco fala sobre como as florestas têm ganhado espaço nas discussões da COP 29 →
ONU espera ter programa de trabalho conjunto entre clima e biodiversidade até COP30
Em entrevista a ((o))eco, secretária executiva da Convenção Sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU fala sobre intersecção entre agendas para manter o 1,5ºC →
Livro revela como a grilagem e a ditadura militar tentaram se apoderar da Amazônia
Jornalista Claudio Angelo traz bastidores do Ministério do Meio Ambiente para atestar como a política influencia no cotidiano das florestas →