Nunca poderíamos imaginar que o Parque Nacional mais famoso, melhor manejado e mais visitado do Brasil, com um milhão de turistas por ano, proposto por Santos Dumont em 1919 e o segundo criado no país em 1939, fosse novamente estar ameaçado. Mas estávamos equivocados. O Projeto de Lei 7.123/2010 do deputado Assis do Couto (PT-PR), propõe a reabertura da Estrada do Colono, que corta ao meio o Parque Nacional do Iguaçu e põe em risco a pequena ilha de mata já perdida num oceano de atividades agropecuárias intensivas. Se essa estrada for reaberta é provável que centenas de animais morram atropelados a cada ano. Além disso, a UNESCO pode retirar o Parque da lista de Patrimônio Mundial Natural.
A “Estrada do Colono”, conforme ficou conhecida, é um antigo caminho que foi precariamente transformado em estrada por volta de 1950 e que operou até os anos 1980. O IBDF, então responsável pelo Parque, sempre considerou que essa estrada era um risco grande demais para o Parque e procurou por anos seu fechamento, levando em conta que apesar de estar num parque nacional, o uso da estrada facilitava a caça predatória, a extração ilegal de madeira e, em especial, a destruição dos palmitais. Além disso, a estrada interrompia a movimentação da fauna e aumentava o risco de incêndios florestais. Finalmente, em 1986, o Ministério Público Federal obteve o fechamento da Estrada do Colono.
Mapa da região do Parque Nacional do Iguaçu, destacado em vermelho. Clique nos ícones azuis para ver mais informações.
Desde então, a comunidade local promoveu invasões para reabri-la. As mais importantes invasões foram em 1997 e em 2001 e, em cada caso, a força pública restabeleceu a ordem. A última reabertura da estrada ocorreu há poucos anos quando mais de 250 pessoas, bem articuladas e organizadas, ocuparam a área que já estava praticamente retomada pela vegetação. Entraram com tratores, derrubaram a vegetação e destruíram a guarita do IBAMA. O Instituto conseguiu na justiça reaver a posse da área e montou uma operação com 300 homens da Polícia Federal para retomar o controle do Parque. A situação foi normalizada uma semana depois com a retirada dos invasores, que resultou, outra vez, no fechamento da estrada. Com essa operação, o IBAMA conseguiu garantir a integridade do Parque do Iguaçu e evitar a iminente perda do título de Patrimônio Natural Mundial concedido pela UNESCO.
A Estrada
A “Estrada do Colono” pode ser considerada como o primeiro trecho de 17,6 km da Rodovia PR-495, que une Serranópolis do Iguaçu, na divisa norte do Parque Nacional à localidade de Iguiporã em Marechal Cândido Rondon. Sem ela, a distância rodoviária entre as cidades de Medianeira e Capanema aumenta de 58 km para mais de 170 km (utilizando-se as rodovias BR-277, PR-182 e PR-582). Para propiciar alternativas de desenvolvimento à região de Capanema, o Governo do Paraná inaugurou, em 1994, a Ponte Internacional sobre o rio Santo Antônio, uma ligação rodoviária com a Argentina, o que encurta significativamente a viagem. Mas os habitantes da região continuaram reclamando a reabertura da antiga estrada.
A sentença da juíza federal Pepita Durski Tramontini Mazini, que em 2007 declarou a última invasão ilegal é, em teoria, o ponto final da polêmica que se arrastou por 21 anos. Para inibir novas tentativas de ocupações, a juíza fixou “multa diária de R$10 mil para cada município incentivador de uma eventual nova invasão da Estrada do Colono” e determinou que a população local respeitasse a sentença da ação pública, que foi movida pelo Ministério Público Federal. Ao IBAMA, hoje ICMBio, a juíza determinou a elaboração de plano de recuperação da área degradada pela Estrada do Colono a ser apresentado em 120 dias após o trânsito em julgado da ação civil. Apesar desta sentença, o deputado Assis do Couto, insiste agora no Congresso na reabertura da estrada.
O Projeto de Lei do deputado pretende dourar a pílula ao propor a criação de uma “Estrada Parque” e, como era de se esperar, pretende garantir sua conformidade com todas as medidas de proteção ao ambiente imagináveis, inclusive estudo de impacto ambiental, passagens especiais para animais, registro de veículos e limites de velocidade. Indica até que a estrada seria de uso exclusivo para veículos de passeio e camionetes ou veículos turísticos. Insiste na importância da estrada para o turismo rural e muitos outros aspectos que são, corretamente, aplicáveis a “Estradas Parque”. Na verdade, o deputado Assis do Couto fez um bom trabalho de revisão do que é ou deve ser uma Estrada Parque. No entanto, a categoria nem existe na legislação federal.
Fora a infração da lei, a realidade de operação de uma Estrada Parque é complexa. Um aspecto é referente à capacidade do governo, ou do ICMBio para implementar e aplicar as regras de uso. Por exemplo, os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul transformaram, na década passada, as suas transpantaneiras em Estradas Parque. Porém, elas só existem no papel. Há poucas semanas tive pessoalmente a ocasião de visitá-las. As duas são apenas estradas em péssimo estado de conservação e sem nenhuma atividade ou ação de conservação da natureza. Não vi nenhum guarda-parque nelas. São uma vergonha e não exemplos como diz, nas suas considerações, o deputado Assis do Couto.
Estradas Parque
As Estradas Parque são fragrantemente contra a legislação que dispõe sobre Parques Nacionais, a conhecida Lei do SNUC de 2000. De outra parte, o problema é que esse tipo de via, por definição técnica e por simples lógica, não pode ser estabelecido dentro de um parque nacional ou dentro de qualquer outra unidade de conservação. No caso do Parque Nacional do Iguaçu, o efeito de reabrir a Estrado do Colono como Estrada Parque seria dramático. Automaticamente ele ficaria dividido em duas metades. Ainda a Constituição de 2008 também proíbe em seu artigo 225 que se transforme parte ou a totalidade de uma unidade de conservação mais restrita em uma menos restrita, o que seria o caso se existisse a categoria Estrada Parque no país. Mas, como dito, não existe.
Em outubro, na Comissão da Câmara dos deputados onde se discute o Projeto de Lei, muitas vozes foram ouvidas, tanto a favor como contra o estabelecimento dentro de um Parque Nacional de outra categoria de manejo que a legislação em vigor sequer prevê. Os argumentos contrários foram bem colocados como, por exemplo, os do especialista em gestão ambiental André Alliana, representando a ADEAFI – Associação de Defesa e Educação Ambiental de Foz do Iguaçu. Em seu depoimento, disse:
“Em 1986 a estrada foi fechada. Estudos realizados posteriormente mostraram a importância dessa área para a circulação da fauna. Estudos mais recentes mostram que, numa área natural, é necessário um mínimo de 2 km para amortizar o efeito externo. Aplicando-se este princípio, pode-se observar que o impacto de uma estrada de 18 km no Parque Nacional do Iguaçu acarreta na realidade uma perda de área protegida na ordem de 72 Km² (7.200 ha) o que representa cerca de 4% da área do parque. Ou seja, não se trata apenas de uma estrada e sim da perda de quase 5% do Parque Nacional do Iguaçu. Vale destacar que toda a área de uso turístico, frequentada por cerca de um milhão de pessoas por ano equivale a, aproximadamente, 5% da área total do parque. Ou seja, a Estrada do Colono, que atendia apenas a um pequeno grupo de pessoas, acarretava o mesmo grau de impacto de toda a área de visitação às cataratas.” E continuou, ampliando os efeitos negativos: “a fragmentação do parque em duas partes com a estrada criará mais situações negativas ao meio ambiente”.
Mello chegou a admitir a possibilidade de a UNESCO retirar o título de Patrimônio Natural da Humanidade, concedido ao Iguaçu em 1986, caso essa integridade seja posta em risco.
“E não tenho dúvidas de que construir uma estrada naquele local seria um grande risco para a proteção do parque”. Agregou “Todas as propostas apresentadas até agora são ruins para a conservação, são contrárias ao que está previsto no Plano de Manejo do parque. Não há como negociar. Nesse caso, não temos alternativa que não manter a integridade do parque”.
O professor Alex Bager também se posicionou contra a construção da estrada-parque no Iguaçu. Para ele, os impactos de uma rodovia numa unidade de conservação não se limitam apenas a atropelamentos de animais, como normalmente se costuma mostrar. Nas suas palavras,
“Estudos comprovam que o impacto se dá num raio de dois quilômetros a partir da margem da rodovia, tanto para um lado como para o outro. Além de afetar fauna e flora, a estrada influi na hidrologia, causa assoreamento dos rios, poluição por lixo e metais pesados, resultantes de acidentes, facilita a invasão de espécies exóticas, que surgem com os grãos caídos das cargas dos caminhões, e ainda incêndios, provocados por motoristas descuidados que soltam pontas de cigarro”, listou. Depois de afirmar que atua há 30 anos na área, Bager disse nunca ter visto um exemplo de rodovia que melhorasse a gestão de unidades de conservação. Ele contestou com veemência as duas principais justificativas apresentadas no projeto de lei para a construção da estrada-parque no Iguaçu – interpretação ambiental e desenvolvimento sustentável da região. “Esses dois pontos são, no mínimo, questionáveis”.
O caso da rodovia BR 471, construída nos anos 1970 e que corta 17 quilômetros da Estação Ecológica do Taim, no Rio Grande do Sul, também foi apresentado. O chefe da Estação, Henrique Horn Ilha, mostrou que só no último ano, foram atropelados e mortos 743 animais, uma média de dois por dia, sendo 69% de mamíferos, 19% de répteis e 12% de aves. Desses, 423 eram capivaras, mas havia também lontras e outras espécies ameaçadas de extinção, ou seja, uma perda irreparável para a biodiversidade. Além desses estragos, segundo Ilha, a estrada produz outros efeitos danosos ao meio ambiente, como a fragmentação dos banhados (ecossistema protegido pela reserva), perturbação e alteração dos habitats da fauna e flora, dá acesso a pescadores e caçadores ilegais, acúmulo de lixo e incêndios na vegetação.
Foi lembrado que manter a estrada fechada é essencial para a manutenção do Parque Nacional do Iguaçu, na lista do Patrimônio Mundial Natural da UNESCO. Em 1999 a UNESCO degradou o Parque, inscrevendo-o na lista de Patrimônio em Perigo, em razão da reabertura da Estrada do Colono. Somente em 2001, com o fechamento definitivo da Estrada, o Parque foi retirado da lista. Outros lembraram que o Parque acaba de ser selecionado para a etapa final do concurso que vai eleger as Sete Maravilhas da Natureza e que, obviamente, o risco que essa estrada implica o tiraria da lista.
Perigo de Retrocesso
O Parque Nacional já sobreviveu a muitas ameaças. Na década dos anos 1970 ainda tinha duas empresas rurais e 500 famílias de posseiros e pequenos proprietários, que usavam 14.000 hectares da área do Parque. Por inacreditável que possa ser o então IBDF, que precedeu ao IBAMA conseguiu, após muitas lutas e medidas corretas desocupar essa terra dentro do Parque Nacional, retirando sem traumas e com todas as medidas sociais necessárias as pessoas que viviam dentro do mesmo e os colocando junto com o INCRA no projeto agrícola OCOI, onde foram grandes produtores de soja e a mata da área ocupada voltou naturalmente após alguns anos e a tal ponto que não se percebe visualmente onde estão os 14.000 hectares que foram usados ali por agricultores.
O Parque Nacional do Iguaçu é a única amostra natural da região é um dos seus primeiros motores econômicos. São milhares de empregos que dependem do Parque e são centenas de milhões de dólares que ele gera direta e indiretamente. A prudência é o melhor conselho nesta situação. O Brasil não está preparado para arriscar seu Parque Nacional mais famoso, com outra estrada, mesmo que fosse unicamente de acesso.
Nos argumentos a favor da estrada se fala que os reclamos dos vizinhos afetados pela não existência da estrada têm passado por uma longa maturação. Hoje, eles estariam plenamente conscientes da importância de salvar essa pouca mata que subsiste na região e que, por isso, apenas pretendem canalizar seu interesse pelo turismo rural sustentável e potencializar as suas atividades agropecuárias de tipo orgânico. Pode ser, mas é necessário algo além de palavras como garantia. O que se sabe da atividade agropecuária atual dos interessados não sustenta essas declarações.
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A Estrada do Colono é nossa.
Basta de submissão.