Fui ao Parque Nacional do Itatiaia na última terça-feira. Distante 150 quilômetros do Rio de Janeiro, cidade em que moro, a primeira unidade de conservação deste tipo no país fez aniversário no dia 14 de junho. E já não é mais um menino: são 72 anos de muita história, brigas, casais formados, banhos de cachoeira e, claro, ampla conservação da exuberante Mata Atlântica da região. Apesar de situado quase na interseção entre as duas maiores metrópoles do Brasil (Rio e São Paulo), confesso que o parque nunca havia sido o meu destino.
Um grande equívoco de percurso, percebi tão logo cheguei. Há poucos lugares bonitos como aquele. E demorei para visitá-lo. Lamúrias à parte, vi, assim que sentei ao lado de seu Antônio, funcionário da unidade de conservação e que fez a gentileza de me buscar na rodoviária, que o trabalho realizado por lá é sério. Itatiaia não é perfeito, longe disso. Mas seus funcionários são os primeiros a admitir que, sim, há muito a fazer para melhorá-lo.
Criado em 1937 com cerca de onze mil hectares, o parque praticamente triplicou de tamanho a partir da ampliação estabelecida em 1982. Mas até hoje convive com sérios problemas de regularização fundiária, algo notável nos primeiros metros percorridos após passar pela guarita rumo à sede principal. Ao todo, segundo dados oficiais da chefia do Itatiaia, a unidade comporta 131 propriedades particulares, com 85 residências – sendo cinco hotéis.
Os números acima provam o desrespeito do governo federal com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), lei que rege os princípios das áreas preservadas. No parágrafo 3 de seu artigo 11, está escrito: “O Parque Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas”. Infelizmente, o primeiro parque do Brasil é apenas mais um exemplo do descaso oficial em relação aos poucos fragmentos de floresta tropical que nos restam.
Mas a verdade é que, comparado a outros parques, da Mata Atlântica ou de qualquer bioma, o Itatiaia vai muito bem, obrigado. Subi a serra para participar da pequena festa organizada pelo diretor do Núcleo de Pesquisas da unidade, Leo Nascimento, em homenagem à septuagenária unidade. O evento contou com amigos da região, estudantes de biologia, funcionários do parque, alguns jornalistas e até juízes e promotores de justiça. Fazia frio aquela noite. Muito frio, principalmente para os altos padrões de temperatura de um carioca.
Agasalhado da cabeça aos pés, assisti ao animado e simpático Leo fazer uma breve introdução de todos os presentes para, em seguida, passar um documentário com trechos de um curta-metragem sobre o parque (com narração de Chico Buarque) intercalado com músicas e shows de Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Toquinho, Chico Buarque e Velha Guarda da Mangueira. Sobrou até espaço no auditório Tom Jobim para imagens do carnaval do Rio, durante a passagem do famoso bloco Cordão do Boitatá pela Praça XV.
Lá fora, a noite dava o ar de sua graça, escura como poucas vezes se vê em qualquer cidade grande do mundo (afinal, a iluminação artificial dos prédios e placas de publicidade impedem) e repleta de estrelas. Aberto ou fechado, o Centro de Visitantes, com sua arquitetura imponente, é um espetáculo à parte no meio de tanto verde – e, atualmente, conta com uma bela exposição sobre a formação geológica da Terra.
Às voltas com a futura decisão do Ministério de Meio Ambiente sobre se 1300 hectares da Parte Baixa do parque serão transformados em Monumento Natural (uma antiga proposta da associação de moradores da unidade, que vivem com medo de serem desocupados, como já disse O Eco), o Parque Nacional do Itatiaia segue a sua vida. Ao lado de belas cidades como Resende e Visconde de Mauá, ele pensa em sua vocação e trabalha para reabrir trilhas e travessias. Walter Behr, o chefe do parque, acredita que, em breve, tudo vai mudar. “Com a decisão do governo sobre a recategorização, poderemos enfim implantar o parque de vez, ou repensar a sua forma de gestão”, explica. Algo nos diz, portanto, que os próximos 72 anos do Itatiaia serão bem diferentes dos últimos. Que seja para melhor.
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