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Gestores ambientais são cúmplices do avanço das hidros

Hidroelétricas causaram a extinção dos Parques Nacionais de Sete Quedas e Paulo Afonso. Continuam avançando com ajuda dos órgãos ambientais.

25 de janeiro de 2012 · 13 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Usina Hidrelétrica de Itaipú. Foto: Divulgação
Usina Hidrelétrica de Itaipú. Foto: Divulgação
Hidroelétricas no país já causaram a extinção de dois Parques Nacionais: Sete Quedas e Paulo Afonso, já foram responsáveis por mudanças de categoria de unidades de conservação mais restritas para menos restritas, e uma longa lista de Parques Nacionais tiveram suas áreas ou parte delas desafetadas para dar lugar a usinas hidroelétricas ou fins semelhantes. Mais recentemente a Medida Provisória nº 558, publicada no dia 6 de janeiro de 2012 no Diário Oficial da União, redefine os limites de sete unidades de conservação da Amazônia brasileira para dar lugar à construção de usinas hidroelétricas. Entre as UCs atingidas estão o Parque Nacional dos Campos Amazônicos e o Parque Nacional da Amazônia. O jargão das explicações é sempre o mesmo: o país precisa crescer e, portanto precisa de energia, a mais barata e “limpa” possível.

Quem pode afiançar que a energia gerada pelas hidroelétricas planejadas será melhor para o crescimento no longo prazo do Brasil que a conservação da biodiversidade local? Garanto que não há estudos científicos sérios e suficientes para uma resposta honesta. Nestes dias li, aqui mesmo em ((o))eco, artigo do professor José Luiz de Andrade Franco, afirmando que um leão no Quênia rende ao longo de sua vida 575 mil dólares; que uma arara gera por ano no Peru, nosso vizinho, 4.700 dólares. Isto só através do turismo ecológico. Na edição da revista VEJA da semana passada, um artigo sobre os gorilas do Parque Nacional do Virunga, na República Democrática do Congo, conta que cada turista paga 500 dólares para observá-los.

Tudo isso sem se falar o quanto as atividades produtivas e mensuráveis dependem da nossa biodiversidade, como a agricultura, a pecuária, a medicina, a farmacologia, a indústria em geral e o próprio turismo, como já mencionado. Mas essas informações e parâmetros jamais são usados pelos que fazem os estudos das centrais hidroelétricas. Pior ainda, todas elas estão absolutamente aprovadas muito antes de se fazer os estudos de impacto ambiental e social. Ou seja, esses estudos de pouco servem ou são utilizados apenas para justificar os cortes e recortes das áreas.

 

“O dinheiro de uma usina hidroelétrica seria mais que suficiente para implantar os 64 Parques Nacionais do Brasil, mas o setor energético sequer pensa nisso (…)”
Seguramente o setor energético tem todos os dados do planejamento, construção, operação, distribuição, custos e venda da energia a ser gerada estragando parques nacionais e outras áreas protegidas. Parece que a grande maioria da população apoia as usinas hidroelétricas, pois elas são promovidas pela propaganda oficial como energia limpa e barata. Porém não há real evidência de que seja barata e, menos ainda, limpa. Hoje é bem conhecido que as hidroelétricas geram CO2, metano e outros gases de efeito estufa em quantidades consideráveis. O custo deveria ser somado ao valor da energia produzida para ver se, além de suja, é realmente mais barata.

O lado ambiental do setor público luta contra, debilmente, mais por forma que por convicção, e sempre acaba vencido. Até os órgãos governamentais diretamente responsáveis pela administração dos Parques Nacionais, como o ICMBio, argumentam em favor das mudanças de limites.

É uma lástima, pois Parques Nacionais ou Estaduais são refúgios invioláveis da biodiversidade do país e, assim, deveriam ser defendidos a ferro e fogo, com bravura e não covardia pelos responsáveis legais de sua guarda. Os Parques Nacionais não foram, em sua grande maioria, implantados para valer, por falta de recursos humanos e financeiros. Por isso mesmo são tão frágeis. O dinheiro de uma usina hidroelétrica seria mais que suficiente para implantar os 64 Parques Nacionais do Brasil. Mas o setor energético sequer pensa nisso, pois, para seus membros, a energia é o grande trunfo e não entendem, e nem querem entender ou discutir com propriedade, sobre conservação da biodiversidade.

Omissão do ICMBio

“Esses gestores deveriam ter lutado de igual para igual, contra as hidroelétricas e em defesa dos Parques Nacionais, pois é uma obrigação constitucional e, acima de tudo, moral do funcionário público”
Seguindo essa linha, para o presidente do Instituto Chico Mendes, Rômulo Mello, o processo é “um exemplo da conciliação de diferentes interesses, como os de geração de energia para o país, os de criação de novos assentamentos agrícolas sustentáveis e de melhoria na gestão efetiva dessas Unidades de Conservação”. E continua, “O novo desenho do Parque Nacional dos Campos Amazônicos incorpora a área da Estrada do Estanho, considerada a maior mancha de savanas amazônicas. O Instituto avaliou ainda que a redefinição deste parque atenderia às necessidades de geração de energia do país, a exemplo da construção da UHE Tabajara”.

Esqueceu o senhor presidente do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade que, há muito tempo, o próprio ICMBio poderia ter proposto a assinatura de um decreto pela Presidente da República ampliando o Parque Nacional dos Campos Amazônicos? Em vez disso usa a adição de uma área importante em troca da perda de outra, tão ou mais importante por ser amostra das várzeas, cedida com tanta gentileza para a hidroelétrica. A mudança não passa de uma barganha em que o Parque é o perdedor.

No caso do Parque Nacional da Amazônia aparece outra escusa frequentemente usada para recortar as unidades de conservação: atender as necessidades de assentamentos humanos. As autoridades sempre boazinhas com essas populações – que, na realidade, são invasores – esquecem que essa politica estimula mais invasões e, o que é pior, as torna culpáveis do fato, por ter descuidado durante décadas da implantação das áreas protegidas. Esse processo continuará até que essas autoridades cumpram o seu dever de evitar invasores e seus gestores sejam responsabilizados pessoalmente pelo fato e severamente castigados.

Todo mundo esquece, também, que a energia hidroelétrica deve ser transportada até os locais de consumo. E para isso se constroem estradas por onde passam os cabos de alta tensão, cortando as unidades de conservação e provocando ainda mais invasões e destruição. O ICMBio concedeu, sem brigar, mais essa faculdade ao setor elétrico.

É tristíssimo ter de se conformar com os argumentos típicos usados a favor das hidros, as custas dos parques, e talvez até dizer “Obrigada… enfim algo vai ser feito para benefício dos Parques Nacionais”. Mas a minha posição é bem outra. Esses gestores deveriam ter lutado de igual para igual contra as hidroelétricas e em defesa dos Parques Nacionais, pois esta é uma obrigação constitucional e, acima de tudo, moral do funcionário público. Ele está lá para defender os bens públicos e não para facilitar construção de usinas.

 

 

Razões do ICMBio

Vale a pena ler os argumentos do ICMBio para a redefinição dos limites dos três Parques Nacionais afetados e, dentre eles, o da Amazônia, o primeiro estabelecido na região em 1.974 e até hoje sem sofrer sua implantação definitiva. Seguem abaixo em itálico:

 

Parque Nacional Campos Amazônicos

Parque Nacional Campos Amazônicos
Parque Nacional Campos Amazônicos
Os limites do Parque Nacional dos Campos Amazônicos foram acrescidos em mais de 150 mil hectares, equivalente a 18,5% da área original decretada em 2006, passando a ter área total de 961.320 ha. O processo de criação do Parque Nacional dos Campos Amazônicos teve início em 2001, mas seus limites inicialmente concebidos excluíram algumas áreas, especialmente aquelas compostas por formações savânicas, o que resultou tanto em diminuição da proteção desse ecossistema quanto na fragmentação do Parque em três porções isoladas, comprometendo a sua conservação e gestão.

A redefinição dos limites do Parque Nacional dos Campos Amazônicos consiste em seis áreas de ampliação, a saber: Estrada do Estanho, margem esquerda do rio Guariba, conexão com o Mosaico Apuí, enclave de cerrado na região do Pito Aceso, campinarana no Ramal dos Baianos e área do Igarapé do Gavião.

Em seu conjunto, somam cerca de 184.615 hectares e buscam atender às necessidades ecológicas para manutenção dos enclaves de cerrado, objeto de criação da unidade, que passam a ser integralmente protegidos. Tais áreas possibilitam a ampliação da proteção e facilita a fiscalização ambiental no Parque e no Mosaico Apuí, constituído de unidades de conservação estaduais. Outras duas áreas de desafetação dos atuais limites da unidade atendem a demanda social de regularização fundiária dos ocupantes do Ramal do Pito Aceso e, eventualmente, dos ocupantes da Estrada do Estanho.

Outra área, de menor proporção, relaciona-se à demanda de construção da AHE Tabajara, que atende às necessidades de produção de energia do país e cujo reservatório teve sua cota definida de modo a privilegiar a melhor relação possível entre viabilidade técnica e ambiental para o empreendimento. Juntas, essas áreas abrangem um total de 34.149 ha.

O Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Programa Terra Legal, com o apoio do ICMBio, alienará diretamente, por meio de dispensa de licitação, áreas públicas federais remanescentes antropizadas e não ocupadas não superiores a um mil e quinhentos hectares aos ocupantes de áreas públicas abrangidas pelos novos limites do Parque Nacional dos Campos Amazônicos – medida é essencial para resolver o relevante conflito social verificado na região.

Parque Nacional Mapinguari


Já dos limites do Parque Nacional Mapinguari, nos municípios de Canutama e Lábrea, no Amazonas, criado pelo Decreto de 5 de junho de 2008 e ampliado pela Lei no 12.249, de 11 de junho de 2010, a MP 558/12 excluiu-se de sua área total 0,26% referentes ao empreendimento de AHE Jirau e 0,16% referentes ao empreendimento AHE Santo Antônio, totalizando 8.470 hectares, conciliando a necessidade de produção de energia com a restrição ambiental desta unidade de conservação.

Parque Nacional da Amazônia


O Parque Nacional da Amazônia, localizado nos municípios de Itaituba e Aveiro, no Pará, e em Maués, no Amazonas, criado no ano de 1974, pelo Decreto nº 73.683, de 19 de fevereiro do mesmo ano, teve 6,7% de sua área total excluída, sendo 2,5% decorrentes da sobreposição com o Aproveitamento Hidrelétrico de São Luiz do Tapajós e 4,2% para a redefinição dos limites leste do Parque relacionados aos conflitos sociais.

A imprecisão da descrição dos limites leste definidos no decreto que criou a Unidade impediu o Poder Público de realizar adequadamente sua demarcação em campo, o que permitiu a consolidação de conflitos relativos à ocupação naquela região. Em 2006 a unidade foi ampliada em 106.418 ha com o compromisso de se estudar a redefinição de limites em sua vertente leste.

Para resolver estes conflitos na porção leste da unidade, o ICMBio, em conjunto com o Incra e Ibama, realizou levantamento da situação fundiária e socioeconômica das famílias residentes nas comunidades do entorno e interior do Parque Nacional da Amazônia com o objetivo de conhecer, sistematicamente, o perfil dos moradores da região, evidenciando-se a necessidade de readequação dos limites leste do Parque Nacional da Amazônia.

A redefinição dos limites deste parque possibilita a regularização da situação fundiária de 288 famílias de pequenos agricultores que serão beneficiados pela criação de projetos de assentamentos sustentáveis a serem criados pelo Incra, com o acompanhamento técnico-ambiental do ICMBio. Essas modalidades de assentamento visam atender ao anseio dos governos, dos movimentos sociais e das populações sem terras, no sentido de conciliar o assentamento humano de populações não-tradicionais em áreas de interesse ambiental, por meio da promoção do desenvolvimento em bases sustentáveis.”

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