Colunas

Enfim, em paz com o parque do Iguaçu

Vizinhos, políticos e empresários descobriram, na festa dos 70 anos, que têm tudo para gostar do parque nacional do Iguaçu, a começar por suas melhores lembranças pessoais.

15 de janeiro de 2009 · 16 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

No dia em que ficou setentão, o Parque Nacional do Iguaçu nem parecia o mesmo que, aos sessenta e tantos anos, continuava sob o ataque de prefeitos paranaenses, em campanha para trespassá-lo com a Estrada do Colono, de guaranis, que vinham do Paraguai para invadi-lo, e de caçadores clandestinos, que nunca deixaram de vê-lo como reserva privativa para obter carnes exóticas.

Seu aniversário foi uma dessas festas que o país raramente faz, e deveria fazer sempre, para selar o armistício dos brasileiros com o que ainda lhes resta de original em seu território. Pelo menos na manhã do sábado passado (10), em Foz do Iguaçu, políticos e empresários se revezaram ao microfone para homenageá-lo, tratando-o como um parceiro comercial que, em vez de atravancar negócios, como se espera que façam os parques nacionais, engorda a economia local.

Fator de progresso

Pudera. A cidade só começou a virar o que é – ou seja, grande, com mais de 300 mil habitantes, talvez até demais para seu próprio conforto – depois que ele se instalou a seu lado, em 1939, como lembrou de passagem o chefe Jorge Pegoraro. Conservar as cataratas foi o maior negócio que já se consumou no oeste paranaense. E o único que partiu do projeto de deixar as coisas por lá mais ou menos como estavam, quando, em meados do século passado, empresas colonizadoras e madeireiras apertaram o cerco sobre as florestas do sertão paranaense. Antes do parque, o futuro de Foz do Iguaçu parecia entregue às serrarias e às hidreléticas.

Ele saiu do papel na segunda leva de parques nacionais decretados no governo Getúlio Vargas. Mas foi o primeiro em aspectos cruciais. Constou de uma proposta visionária, feita pelo engenheiro André Rebouças em 1876, quando o mundo mal começava a se perguntar o que vinha a ser essa invenção do governo norte-americano, inaugurada no Yellowstone, quatro anos antes. 

Foi também o primeiro no Brasil a se livrar de seus entraves fundiários, reassentando pacificamente, mas sem os salamaleques instituídos de 21 anos para cá, as 700 famílias que viviam lá dentro. Enfim, a se tornar lucrativo, privatizando os serviços turísticos.

Festa cívica

Ele acaba agora de estrear outra novidade. Transformou em festa coletiva, até cívica, o que seria uma solenidade oficial, tradicionalmente celebrada em ambiente fechado, graças à campanha que, desde 2007, recolhe fotografias e histórias de moradores da região. Saídos dos álbuns e armários, onde amareleciam há gerações, mais de quatro mil instantâneos antigos voltaram à luz, revelando, sem qualquer truque retórico, que o parque está entranhado nas melhores lembranças de famílias inteiras de pioneiros em Foz do Iguaçu.

Faltava, mesmo, essa reconciliação. Sem a Mata Atlântica, conservada como relíquia em suas bordas, depois de desertar todo o oeste de Paraná, aquelas cachoeiras não seriam o que são, e sim o avesso o avesso do parque nacional. Essa idéia revolucionária só ocorreu aos Estados Unidos em meados do século 19, porque o país precisava reagir às críticas do francês Alexis de Tocqueville – o mesmo que consagrou internacionalmente a jovem democracia americana – ao fiasco das cataratas do Niagara, reduzidas em 1831 a um mafuá da livre iniciativa. Pode soar estranho que os parques nacionais existam para provar que, ao contrário do que diziam os europeus, a América era o berço de uma civilização. Mas as quedas d’água às vezes servem para iluminar cabeças.

Leia também

Diálogo entre líderes globais - alinhando a ação climática e a conservação da biodiversidade. Foto: Kamran Guliyev / UN Climate Change
Notícias
21 de novembro de 2024

ONU espera ter programa de trabalho conjunto entre clima e biodiversidade até COP30

Em entrevista a ((o))eco, secretária executiva da Convenção Sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU fala sobre intersecção entre agendas para manter o 1,5ºC

Reportagens
21 de novembro de 2024

Livro revela como a grilagem e a ditadura militar tentaram se apoderar da Amazônia

Jornalista Claudio Angelo traz bastidores do Ministério do Meio Ambiente para atestar como a política influencia no cotidiano das florestas

Notícias
21 de novembro de 2024

MPF afirma que Pará faz propaganda “irresponsável” de ações contra queimadas

Procuradoria da República no estado apontou “discrepância entre o discurso e a prática”; procuradores pediram informações a autoridades estaduais e federais

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.