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Não escapa nem o jardim bicentenário

O movimento político para transformar em áreas de relevante interesse social os terrenos invadidos do Jardim Botânico não respeita a Justiça.

22 de junho de 2010 · 14 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

O Rio de Janeiro não parece satisfeito com a privatização de um jardim público na Zona Sul, o Parque da Cidade, pelas duas favelas que o estrangularam no bairro da Gávea. A Câmara Municipal jogou nas mãos pródigas dos vereadores, em véspera de eleição, um projeto que promove a Áreas de Relevante Interesse Social os 19 focos de invasão do Jardim Botânico e do Horto Florestal.

É o toque carioca na grande queima dos saldos de patrimônio público inalienável de 2010, com a liquidação de parques nacionais, retalhos de florestas e estoques de água no ano em que, pela primeira vez, o Brasil ensaiou a discussão do meio ambiente numa eleição presidencial.

No Horto e no Jardim Botânico, os vereadores entram em campo numa hora em que a União vinha ganhando silenciosamente, uma a uma, nas últimas instâncias da Justiça, todas as ações de despejo contra os invasores, inclusive o clube de futebol que ocupa um dos antigos talhões onde o Jardim Botânico produzia mudas de árvores nativas.

A defesa das invasões é tão capenga que até hoje figura em destaque na internet, na página da Associação dos Amigos e Moradores do Horto, uma carta do ex-prefeito César Maia, tomando o partido dos invasores.”

As vitórias judiciais contra os invasores saíram da teimosia infatigável de um único servidor público, o procurador regional da República Luiz Cláudio Teixeira Leivas. São causas que se arrastaram no Judiciário por 15, 20 anos, sem que os administradores das instituições lesadas prestassem ao esforço de Leivas sequer a cortesia protocolar de comparecer às audiências, para defender o que o país confiou a eles. As casas devolvidas ao arboreto do Jardim Botânico nesta década foram esvaziadas por argumentos que o procurador invocou nos processos há muito tempo. Desde então, por impopulares, tiveram que abrir praticamente sozinhos o caminho dos tribunais.

Parecem juridicamente imbatíveis. Mas é para dar um jeito nessas coisas que existe a política. A defesa das invasões é tão capenga que até hoje figura em destaque na internet, na página da Associação dos Amigos e Moradores do Horto, uma carta do ex-prefeito César Maia, tomando cinco anos atrás, do alto da administração municipal, o partido dos invasores. É um dos documentos mais destrambelhados que já mereceram o aconchego de um papel com timbre oficial.

Vem dele a idéia de sacramentar as invasões como áreas de relevante interesse social porque, “ao consultarmos o histórico da ocupação do Horto, verificamos que este tipo de ocupação está intimamente ligado à História do bairro, assim como do próprio Jardim Botânico, fundado à época de D. João VI”. Nele se instalou uma “população que, em sua maioria, ali reside há mais de 60 anos”. E “as informações dão conta de que a estratégia adotada pelos diretores do Jardim Botânico para fazer o parque funcionar consistiu em, no trecho que hoje se encontra ocupado por 589 famílias, doar terras para que os funcionários construíssem suas próprias casas”, porque “o pagamento não vinha regularmente”.

Beleza. Em poucos parágrafos, o ex-prefeito afirma que o Jardim Botânico foi fundado em 1808 por um príncipe-regente que só viraria D. João VI em 1818, e que isso ocorreu há mais ou menos 60 anos, porque foi em seu tempo que se aboletaram lá dentro os 589 funcionários. Esses, pelo número, deviam fazer jardinagem com pinça e alicate de cutícula, ou faltaria espaço para tanta enxada. Mas é nessas coisas que a política brasileira, por esperteza, acredita.

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