Reportagens

Teoria e prática

Passado um ano de sua criação, o Instituto Chico Mendes ainda tem administração caótica e funcionários revoltados. Com orçamento baixo da área ambiental, situação do órgão se complica.

Aldem Bourscheit ·
25 de abril de 2008 · 17 anos atrás

Ao completar um ano neste sábado (26), o polêmico Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio enfrenta os desafios de apresentar mais ações que justifiquem sua existência e de levantar recursos para as alquebradas áreas protegidas brasileiras. A situação se torna ainda mais complicada porque o orçamento do Ministério do Meio Ambiente continua a ser um dos mais baixos da Esplanada.

O ICMBio veio ao mundo com uma medida provisória de abril de 2007, convertida em lei em agosto do mesmo ano. No parto, a autarquia herdou a pindaíba histórica das áreas protegidas e algumas funções do Ibama, como propor, implantar e gerenciar unidades federais de conservação (UCs). Em 1989, quando surgiu o Ibama, havia 113 reservas federais no País, somando 15 milhões de hectares. Hoje são quase 300 UCs, cobrindo por volta de 60 milhões de hectares – área maior que a de todo o estado de Minas Gerais.

Apesar dos discursos inflamados que marcaram sua criação, os primeiros passos do Instituto Chico Mendes ainda estão distantes das promessas governistas. Em um ano de trabalho, criou seis reservas extrativistas e uma página na Internet. Algumas propostas para criação de novas reservas estão paradas nos escaninhos da Casa Civil.

Para Carlos Gabaglia Penna, professor da Engenharia Ambiental da PUC-Rio e diretor do Comitê Brasileiro do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA, o prazo era suficiente para mais ações do ICMBio, “até para defesa de sua existência”. “Sua criação ainda não trouxe nenhum progresso e não somou em nada à conservação, criação e gestão das reservas nacionais. Por enquanto, não há nenhum resultado para que se defenda sua manutenção”, diz.

O governo federal tampouco cumpriu sua promessa de que, com a divisão do Ibama, haveria mais recursos para as políticas de meio ambiente. No último dia 23, o Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão liberou os limites definitivos de gastos para este ano. Após os descontos que alimentarão a economia do superávit primário, o Ministério do Meio Ambiente terá 570 milhões de reais para custeios e investimentos, montante 23% superior ao limite aprovado no ano passado. Os valores até vêm crescendo nos últimos anos, no entanto, o total é semelhante ao que foi destinado pelo governo Fernando Henrique Cardoso à área ambiental em 2001 (572,6 milhões de reais). Entre os 23 ministérios da gestão Lula, a pasta de Marina Silva ocupa o sétimo lugar com o menor orçamento.

“Esperava-se que, com a criação de um novo órgão, haveria mais recursos para custeio, mas isso não aconteceu. O bicho está pegando na Amazônia, o licenciamento está sobre pressão, e orçamento do Ministério está estagnado”, analisa o diretor de Economia da Conservação Internacional, Alexandre Prado. Surpreende que, após todas as broncas e desaforos que o presidente Lula dirigiu ao Ibama, por conta das dificuldades de licenciar obras do PAC, nenhum investimento de peso esteja previsto para melhorar o órgão ambiental. As unidades de conservação, agora sob guarda do ICMBio, não parecem que terão melhor destino.

Segundo o presidente da Associação Nacional dos Servidores do Ibama – Asibama, Jonas Moraes Corrêa, a situação das áreas protegidas ainda é caótica, especialmente na Região Norte. Na imagem ao lado, a sede da Reserva Biológica Lago do Piratuba (AP). Conforme ele, nos últimos anos muitos servidores têm usado dinheiro do próprio bolso para comprar combustível para veículos sucateados e até produtos de higiene e limpeza. O baixo número de fiscais também preocupa. Em algumas regiões, há milhares de quilômetros quadrados nos ombros de apenas um agente. Os piores casos estão no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Conforme tabelas oficiais do início do ano, 1.242 servidores estão lotados nas quase 300 áreas protegidas federais. No entanto, segundo a Asibama, a maioria ainda trabalha em escritórios urbanos, bem longe das áreas que deveriam proteger. A maioria das UCs não têm estrutura para abrigar fiscais e outros funcionários.

Servidores federais ligados ao licenciamento de obras de infra-estrutura ouvidos pel´O Eco acreditam que a burocracia deve crescer com a circulação de informações e documentos por mais uma autarquia federal. No entanto, as confusões provocadas pela divisão do Ibama para criação do ICMBio já têm efeitos mais práticos, e bem pertinho do centro do poder. O Parque Nacional de Brasília (DF), conhecido como Água Mineral, está desde 4 de outubro de 2007 sem cobrar os ingressos de R$ 3, por entraves burocráticos.

Os prejuízos com quase sete meses de passe livre podem chegar a R$ 580 mil. Cerca de 30 mil pessoas visitam o parque todo mês. O valor dos ingressos é sua principal fonte de recursos, já que a área protegida recebeu apenas R$ 838,94 no ano passado, segundo o governista Portal da Transparência.

Gastos mal feitos

Além de figurar sempre entre os mais baixos orçamentos, o Ministério do Meio Ambiente e demais órgãos ambientais federais estão gastando mal seus recursos. Cerca de R$ 16,3 milhões foram investidos nas áreas protegidas federais em 2007. Mais de um terço desse valor, R$ 6,2 milhões, será usado no aluguel de um prédio para o ICMBio, em Brasília (DF). O termo de referência para a locação aponta um espaço para 700 pessoas. Também foram gastos R$ 130 mil em dez computadores portáteis (veja nota). Os equipamentos, modernos e potentes, servem aos dirigentes do ICMBio.
“A questão não são os valores, mas a prioridade que se dá para os investimentos. A justificativa de que o ICMBio precisa de um prédio para ter ‘identidade’ é absurda. A maioria das unidades de conservação não recebe por ano o que será gasto com esse aluguel”, reclama Corrêa.

Um estudo coordenado pelo braço nacional da ONG The Nature Conservancy – TNC em 2007 mostrou que, só as unidades de conservação federais, precisam de nove mil servidores (6,7 mil em campo) e de até R$ 1 bilhão em investimentos. Algo bem distante da realidade imposta pelo governo.

Além dos recursos orçamentários, o MMA confia nos recursos da compensação ambiental para deixar em dia as áreas protegidas federais. A fonte, no entanto, pode rarear após a decisão do Supremo Tribunal Federal que pôs fim ao piso obrigatório de 0,5% sobre o valor total grandes obras que era destinado a unidades de conservação. O Brasil também negocia junto às Nações Unidas uma compensação financeira para que os países em desenvolvimento reduzam seu desmatamento e suas emissões de gás carbônico, um dos vilões do aquecimento global. O dinheiro poderia ser usado em áreas protegidas.

O baixo desempenho da autarquia federal também levanta questionamentos sobre a profundidade do planejamento prévio a sua criação. Daí a controvérsia envolvendo o trabalho do Instituto Publix para o Desenvolvimento da Gestão Pública, com sede em Brasília. A consultoria, paga com doação do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade – Funbio, ajudará no planejamento das ações do ICMBio. O contrato e outros documentos podem ser conferidos na página do instituto.

Servidores em ação

Após um ano de Chico Mendes, Jonas Corrêa, presidente da Asibama, repete as críticas que fazia no momento de sua criação a fórceps pelo governo, de que a autarquia enfraqueceu o poder de fiscalização federal nas unidades de conservação, elevou gastos públicos e atendeu a pressões governistas pela liberação de licenças para obras de infra-estrutura.

Em todo o Brasil, segundo a associação, o Ibama emprega por volta de 6,4 mil funcionários. A maioria está no Distrito Federal. Conforme Corrêa, o órgão tem cerca de 1,9 mil fiscais no País, mas aproximadamente 800 atuam em campo. O restante trabalha com administração, em escritórios. “Esse número pode cair para 500 com a partilha de servidores com o ICMBio. E ainda não há diretrizes para a atuação dos fiscais dentro e fora de unidades de conservação, como pede a Lei de Crimes Ambientais”, diz.

A situação se complica para o Chico Mendes e demais órgãos vinculados ao Ministério do Meio Ambiente pela mobilização de servidores, concursados e terceirizados, contrários à divisão do Ibama e em busca de planos de carreira, melhores salários e condições de trabalho.

Conforme a Asibama, os trabalhadores da área verde federal receberam 1% de reajuste desde 2002 e seus salários estão entre os mais baixos do serviço público. Segundo a entidade, nos últimos três anos o índice de evasão de trabalhadores chega a 30%. Dos 900 funcionários que chegaram via concurso em 2002, 270 teriam saído. Em 2005, dos 600 que entraram, uma centena teria debandado. Desde 2003, houve cinco paralisações de servidores.

Conforme Egaz de Arruda, funcionário do MMA ligado ao Sindicato dos Servidores Públicos Federais do Distrito Federal – Sindsep/DF, trabalhadores e dirigentes estão em nova rodada de negociações. Os pedidos iniciais incluem 50% de reajuste até 2010 (10% já em 2008) e a redução de diferenças salariais entre classes semelhantes de diferentes órgãos públicos. “Em seguida debateremos planos de carreira e adicionais por qualificação e tempo de trabalho. Tudo pela valorização das carreiras ambientais. O resultado das negociações mostrará a importância que o governo dá à área ambiental”, diz.

O Ministério do Meio Ambiente e ICMBio não atenderam aos pedidos de entrevista de O Eco até o fechamento da matéria.

* frases da ministra Marina Silva à época do lançamento do Instituto Chico Mendes.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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