A sociedade civil organizada declarou guerra contra a Petrobras e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biodiesel (ANP). Nesta quinta-feita (22), em audiência pública na Câmara dos Deputados sobre o abastecimento de diesel com menor teor de poluentes, a empresa estatal e a agência foram acusadas de agirem de forma “irresponsável e criminosa.”. O ataque foi feito pelo líder do Movimento Nossa São Paulo, Oded Grajew, com base nas explicações do governo federal de que a Petrobras não teria capacidade de reduzir o teor de enxofre do combustível em prazo determinado por resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama 315/2002)
O Movimento Nossa São Paulo, ao lado das Secretarias do Meio Ambiente de São Paulo e Minas Gerais, Ordem dos Advogados do Brasil e outras organizações não-governamentais ligadas ao meio ambiente e à defesa do consumidor, acionaram a Petrobras junto ao Ministério Público para que a estatal passe a distribuir diesel com 50 partes por milhão (ppm) de enxofre a partir de 2009, como determina a lei.
A Resolução 315/02 do Conama dispõe sobre a segunda fase Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) e prevê que em janeiro de 2009, os fabricantes de veículos forneçam modelos ao mercado nacional que funcionem com diesel 50 ppm. Atualmente, o diesel do país se divide em metropolitano e interior, o primeiro com 500 ppm de enxofre, comercializado em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e outros 234 municípios, e o segundo com 2 mil ppm, distribuído nas 5,3 mil cidades restantes. Na Europa, por exemplo, a concentração permitida é de 10 a 50 partes por milhão e, em 2009, será de 10 ppm.
A preocupação é fundamentada no fato de que o óleo diesel é o principal responsável pela emissão de material particulado fino, que forma a fumaça preta, que, por sua vez, é um dos principais responsáveis por mortes e doenças cardio-respiratórias no país e no mundo. Para se ter uma idéia do problema, o combustível, apesar de abastecer apenas 10% da frota em circulação, é responsável por 50% das emissões de material particulado fino, podendo atingir até 85% nos corredores de tráfego.
Segundo o professo da Faculdade de Medicina de Universidade de São Paulo Paulo Saldiva é possível estimar que a poluição causada pelo diesel cause aproximadamente 7 mil mortes na cidade São Paulo a cada ano. Os número também são chocantes no Rio de Janeiro (1,4 mil mortes) Porto Alegre (725 mortes) e Belo Horizonte (657 mortes). Segundo o pesquisador, o investimento na redução de poluição traria um ganho enorme ao sistema de saúde e mesmo à produtividade da economia. Estudos mostram que a cada dólar investido no controle de poluição há um retorno de oito dólares nos quatro anos seguintes. “O custo de não fazer nada é enorme”, diz.
Nada foi feito
Mas foi exatamente a falta de investimentos que marcou a atuação da Petrobras e ANP com relação à poluição causada pelo diesel. Quando a resolução 315 foi aprovada no Conama em 2002, a agência reguladora assumiu a obrigação de especificar as diretrizes técnicas para o refino do combustível menos poluente. Cinco anos se passaram até que a Agência resolvesse regulamentar a resolução. Isso só ocorreu há cerca de um mês, quando a Resolução 32 da ANP foi publicada no Diário Oficial da União, no dia 17 de outubro. Devido a este atraso, o cumprimento da resolução se encontra prejudicado, uma vez que o diesel de melhor qualidade já deveria estar disponível para testes de referência, homologação e desenvolvimento antes de sua comercialização, com antecedência mínima de 36 meses, para que também as montadoras se adequassem ao novo combustível. A estimativa da Petrobras é que o diesel com 50 ppm só esteja disponível a partir de 2012.
O líder do Movimento Nossa São Paulo, Oded Grajew, diz que a sociedade civil não abrirá mão do prazo de 2009. Para ele, não pode haver argumento econômico que seja colocado sobre a questão da saúde pública e do meio ambiente. “Se não houver diesel, vamos importar. Se não houver motores e carros que emitam menos, vamos importar. Não estamos falando de uma tecnologia que não está disponível.” Na opinião de Grajew, a ANP foi “irresponsável e criminosa” ao demorar cinco anos para especificar as normas de refino para a Petrobras e acha que a Resolução 32 da agência foi apenas uma resposta ao protesto da sociedade civil. “Isso é um escândalo”, critica.
O assessor do diretoria da ANP, Waldyr Gallo, presente à audiência na Câmara, afirma que a transição do diesel mais poluente para aquele com baixos teores de enxofre não será tão simples. Os novos modelos de caminhões e ônibus representam cerca de 5% da frota nacional e se não houver disponibilidade de diesel sem enxofre os equipamentos de controle de emissão serão danificados. Segundo ele, o principal desafio é o da logística, pois seria necessário fazer alterações em postos de gasolina, nos tanques de armazenamento e na rede de distribuição para garantir que pelo menos os carros novos tenham acesso ao combustível mais limpo. “Os postos teriam que ter dois tanques de diesel, isso vai ter um impacto econômico”, diz Gallo.
O argumento dado pela Petrobras para o atraso é que a empresa esperava a regulamentação da ANP. O diretor de Marketing e Abastecimento da estatal, Frederico Kremer, anunciou, durante a audiência na Câmara, que os investimentos destinados à qualidade do refino de combustível entre o período 2008-2012 foram elevados. Passaram de cerca de 3 bilhões de reais para 8,6 bilhões de reais, o que deve permitir uma entrega antecipada de combustível mais limpo. Entretanto, Kremer afirma que a responsanbidade maior é do setor automotivo. A diretriz da Petrobras, diz ele, é de que quando houver carros que consumam diesel 50 ppm, haverá fornecimento. “O combustível pode até ajudar, mas o que diminui emissão é motor”, argumentou.
O secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Xico Graziano, não poupou palavras aos colegas de mesa na audiência da Câmara. Disse estar “escandalizado” e acusou os representantes da ANP e Petrobras de terem ido ao parlamento para fazerem “exercícios de tergiversação”. “As empresas se escudam uma na outra e fica esse jogo de empurra. O fato é que o governo federal não fez nada e não há nenhum argumento razoável para isso, a não ser descaso e desleixo com a saúde pública”, disse
Desdobramentos
O Governo do Estado de São Paulo está preparando uma Ação Civil Pública contra a Petrobras. Quatro procuradores do Estado estão na fase final da análise do documento, mas ainda não há data para que ele seja entregue. “A ação mais dura ainda está sendo preparada. A ANP é a maior culpada nesta história e claramente se percebe que ela cumpre a agenda da Petrobras, mas como ela já regulamentou [a Resolução 315/02], a ação será contra a petrolífera”, explicou Xico Graziano.
As organizações que assinaram a representação também estão preparando uma Ação Pública em articulação com ministérios públicos estaduais e federais. No entanto, o maior problema continua sendo a reunião de assinaturas. “Nossa maior dificuldade é a articulação das entidades e órgãos. Seria bom se fizéssemos uma ação com todos os Ministérios Públicos, mas muita gente não entra porque a Petrobras é uma grande patrocinadora”, diz o secretário-executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas, Fábio Feldmann.
No dia 1º de novembro, o mesmo grupo que assinou a Representação contra a Petrobras também apresentou ao Conselho de Auto-regulamentação Publicitária (Conar) um pedido de análise sobre a publicidade feita pela petrolífera como uma companhia social e ambientalmente responsável. Por considerar que as peças publicitárias constituem “propaganda enganosa”, o grupo pede que o Conar “advirta a anunciante e a agência sobre a inveracidade dos seus anúncios e campanhas” e “suste a divulgação de todas as campanhas que ofendem ou venham a ofender seu compromisso de responsabilidade socioambiental”.
Segundo Feldmann, como esta é a primeira vez que o Conar recebe um pedido como este, é provável que não haja regimento sobre o assunto, por isso, o grupo ainda aguarda uma resposta do Conselho.
Também foi pedido à Bolsa de Valores de São Paulo que retire a empresa da carteira de 2008 do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), que reconhece o comprometimento com a responsabilidade social e a sustentabilidade. Para entrar no índice, é necessário cumprir uma série de exigências, entre elas estar dentro de um limite de impacto ambiental e na saúde humana. Para o grupo que assina a Representação, a Petrobras estaria fora dos critérios.
A entidade responsável por aplicar o questionário e selecionar as empresas que farão parte do Índice é a Fundação Getúlio Vargas (FGV), que, até o final de novembro, deve divulgar os nomes da nova carteira do ISE. O prazo para que a FGV tome uma decisão é pequeno, mas, até que ela se torne pública, não há como saber qual sentido tomará, já que também a FGV também preferiu ficar no silêncio. Procurada pela reportagem, a Fundação declarou que não irá se pronunciar sobre o assunto.
Com este claro jogo de empurra-empurra das empresas envolvidas nas acusações e o processo em andamento de abertura de ações civis, fica difícil saber se a Resolução 315/02 do Conama será cumprida ou se Conar e Bovespa acatarão os pedidos das entidades. Enquanto isso, seguem morrendo milhares de pessoas nos poluídos centros urbanos
*Cristiane Prizibisczki é jornalista em São Paulo.
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