A maioria das ações do governo federal contra desmatamento é baseada nas listas publicadas em portaria do Ministério do Meio Ambiente apontando os municípios chamados “campeões de desmatamento”, aqueles que tiveram mais hectares desmatados no período. Defendo aqui que realizar o recorte por município gerará um ranking distorcido.
Esses municípios com maior área desmatada passam a ter atenção prioritária e são alvo de operações das mais diversas entidades, como IBAMA, Polícia Federal, INCRA e ONGs variadas. As ações energéticas que se seguem, sejam lá de quem for, revertem ou amenizam os índices ruins. Todo mundo quer ser o pai da criança e credita os números aos esforços de sua organização. As coisas seguem sob o espírito de “estamos conseguindo combater o desmatamento”.
Mas é surpreende que ações continuem sendo direcionadas aos municípios que mais desmataram. Isso não faz sentido. Primeiro, porque é óbvio que os municípios com áreas gigantescas, como Altamira — simplesmente o maior município do mundo – costumará ter valores absolutos altos. Por outro lado, áreas onde se concentram diversos municípios pequenos passam despercebidas, ainda que somem em conjunto uma grande área desmatada. Municípios pequenos não terão um número suficiente de hectares desmatados para figurar no topo da lista.
Para ilustrar, o mapa a seguir apresenta exemplos clássicos no estado do Pará (onde tenho mais experiência), para 2010, sobrepondo os limites dos municípios com os focos de desmatamento do DETER, representados pelos polígonos de desmatamento (cada polígono é um ponto vermelho no mapa). Tais concentrações, em boa parte dos casos, não correspondem às listas de prioridades apontadas no ranking dos municípios com mais desmatamento.
No exemplo acima, se a opção for montar a base da operação na sede de Altamira, é bom lembrar que para chegar às áreas desmatadas junto a Novo Progresso é preciso cobrir mais de 800 quilômetros em estradas de terra precárias, o equivalente a dois dias de viagem em veículo 4×4, com chance substancial de ser impossível atingir o local do desmatamento. Ao contrário, se a base for Novo Progresso, o trajeto será de apenas 30 quilômetros.
Outro exemplo é a região sudeste do estado. Usando um segundo recorte do mesmo mapa (Figura 3) dá para ver claramente na região uma concentração de desmatamentos independentes das sedes de município. Desta vez, a característica é a divisão da área desmatada em vários municípios pequenos, o que levou a que apenas Pacajá e Novo Repartimento (os maiores municípios) entrassem no radar das autoridades como prioritários. Será que essa região é menos preocupante do que outra, apenas por a primeira concentrar os focos em uma mesma sede administrativa? Vamos analisar em detalhes.
Como se pôde observar, não há nenhuma sede de município próximo a esse foco de desmatamentos. Eles se distribuem na área de diversos municípios. Pela forma como é feita a lista dos municípios campeões de desmatamento, essa região nunca será classificada como prioritária, visto que nenhum município alcançará por si só um índice grande o suficiente.
O ponto desse artigo é chamar atenção para a forma superficial como é feita a lista dos municípios campeões de desmatamento. Existem fontes de dados excelentes sobre a dinâmica do desmatamento, mas mal utilizadas impedem o planejamento de políticas públicas eficazes.
Leia também
Entrando no Clima#41 – COP29: O jogo só acaba quando termina
A 29ª Conferência do Clima chegou ao seu último dia, sem vislumbres de que ela vai, de fato, acabar. →
Supremo garante a proteção de manguezais no país todo
Decisão do STF proíbe criação de camarão em manguezais, ecossistemas de rica biodiversidade, berçários de variadas espécies e que estocam grandes quantidades de carbono →
A Floresta vista da favela
Turismo de base comunitária nas favelas do Guararapes e Cerro-Corá, no Rio de Janeiro, mostra a relação direta dos moradores com a Floresta da Tijuca →