Os governos têm uma oportunidade histórica, em junho, para criar instituições necessárias para realizar a promessa feita na reunião de cúpula de 1992. A conferência Rio+20 sobre desenvolvimento sustentável deveria marcar nada menos do que um momento constitucional, colocando o planeta em uma trajetória mais sustentável. Mas ainda corre o grave risco de não dar em nada, por ausência de vontade política para se comprometer com transformações indispensáveis para que prosperemos coletivamente dentro dos limites planetários.
A urgência para agir não aceita mais ensaios. Para ser direto, a humanidade está exigindo mais da Terra do que ela pode prover, colocando-nos na direção de um limiar além do qual o ar, água e outros recursos naturais podem não se recuperar.
As atuais estruturas não conseguem lidar com essa nova realidade, como ficou claro depois dos resultados decepcionantes das recentes negociações sobre mudança de clima em Durban, África do Sul. Apesar dos mais de 900 tratados ambientais assinados nos últimos 40 anos, a degradação ambiental induzida pelo homem continua, alcançando níveis que impeliram o Conselho para Ciência a alertar, ano passado, que nós “atingimos um ponto na história, no qual um pré-requisito para o desenvolvimento – a continuidade do funcionamento dos sistemas terrestres como os conhecemos – está em risco.
Se por um lado a ciência não poderia ser mais clara, é bem menos sistemática a atenção devotada a avaliar mudanças de governança imprescindíveis.
Como criar este “momento constitucional” será o ponto central da conferência Planeta Sob Pressão (Planet Under Pressure), em Londres, no fim desse mês. Lá, algo como 3 mil especialistas em inovação global e sustentabilidade apresentarão uma avaliação do planeta, discutirão conceitos para a gestão planetária e transformação econômica, e prescreverão um rumo em direção à sustentabilidade global.
Como nossa contribuição para o processo, nós, juntos com 30 outros acadêmicos de destaque espalhados pelo mundo, fizemos a primeira avaliação independente do estado da governança ambiental e de desenvolvimento sustentável. O sumário dos nossos resultados foi publicado no periódico Science no dia 15 de março. Nossa conclusão mais abrangente é: pequenos ajustes não serão suficientes. A situação requer uma mudança fundamental das práticas existentes.
Primeiro, a Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, largamente ineficaz e politicamente paralisada, deveria ser substituída por um conselho de alto nível sob a assembleia geral da ONU, para melhor manejar questões emergentes como água, clima, energia, segurança alimentar, desastres naturais e as ligações entre eles, e para integrar profundamente objetivos de sustentabilidade ambientais, econômicos e sociais. Para serem eficazes, as maiores economias do mundo – o G20 – deveriam controlar 50% dos votos, com o resto distribuído entres os países menores.
Segundo, objetivos ambientais e sociais devem ser colocados entre as atividades fundamentais de todas as instituições globais. Isso evita a atual situação onde as atividades dessas instituições minam os ganhos obtidos nos tratados ambientais por falta de uma coesão abrangente das políticas públicas. Para chegar lá, haverá necessidade de substancial diálogo dos altos escalões das instituições de desenvolvimento econômico e ambiental, e também dos ministros de cada governo – especialmente do tesouro e das finanças – para participar desses diálogos e garantir um engajamento nacional desde os mais altos níveis governamentais. O Conselho para Desenvolvimento Sustentável que estamos propondo para a ONU poderia ser o centro dessas conversas.
Terceiro, o Programa Ambiental das Nações Unidas deveria ser promovido a uma organização internacional com status similar a Organização Mundial de Saúde – um passo que poderia lhe garantir mais autoridade, fundos seguros e o poder de criar e fiscalizar regulações e padrões internacionais. Tal mudança não deveria ser apenas simbólica, mas incluir a mobilização de recursos para o devido monitoramento do estado do planeta, incluindo indicadores socioambientais.
Embora nossas propostas enfatizem, antes de mais nada, instituições intergovernamentais, elas pretendem também facilitar as transformações nacionais necessárias, pois as decisões devem ser feitas para atender às demandas locais da melhor forma possível.
De maneira similar, as reformas devem enviar sinais mais consistentes e incentivos ao setor privado para que este se engaje e invista nas transformações exigidas pela economia verde. Por exemplo, governos devem fechar as brechas regulatórias pensando globalmente, incluindo aí o incentivo ao desenvolvimento e utilização de tecnologias como biologia sintética, nanotecnologia e geoengenharia.
Finalmente, a crise ambiental é parte de um conjunto maior de debates, incluindo pobreza, instabilidade política e financeira, e o desenvolvimento econômico assimétrico. Essa interligação aumenta a vulnerabilidade coletiva e torna mais imperativo que surja um sistema de governança do planeta eficaz.
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*Frank Biermann é o líder do Projeto de Governança do Sistema Terra (Earth System Governance Project) e professor de ciência política na Universidade de Amsterdã, Holanda.
*Steven Bernstein é professor de ciência política e diretor do mestrado em questões globais da Faculdade de Munk, Universidade de Toronto, Canadá.
Esse artigo é publicado através da Guardian Environment Network da qual ((o))eco faz parte. Sua versão original é do repórter Ian Sample e foi publicada no Guardian. Tradução: Eduardo Pegurier
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