Esse fim de semana o Japão começará um experimento ambicioso de uso de energia que ninguém pensava possível — até que a usina de Fukushima Daiichi sofreu um triplo super aquecimento, faz apenas um ano. No sábado, quando a companhia de eletricidade Hokkaido fechar para manutenção o reator número 3 da usina de Tomari, a terceira maior economia do mundo não terá reatores nucleares funcionando pela primeira vez em quase 50 anos.
O fechamento do último dos 54 reatores japoneses marca uma mudança dramática na política energética, porém enquanto os ativistas se preparam para celebrar, o apagão nuclear nacional chega ligado a riscos econômicos e ambientais expressivos.
A crise de Fukushima detonada pelo letal terremoto e tsunami forçou o Japão a repensar profundamente sua relação com a energia atômica.
O fechamento de Tomari vem quando o Japão se prepara para um longo e úmido verão que levará dezenas de milhões de pessoas a buscar o controle dos seus aparelhos de ar-condicionado, aumentando o perigo de falhas no fornecimento de energia e mais danos para as indústrias, que ainda se recuperam do terremoto.
Em um relatório publicado essa semana, a agência nacional de políticas públicas do governo projetou uma escassez de 5% de energia em Tóquio, enquanto as próprias empresas de energia preveem uma carência de 16% de energia na região oeste do Japão, onde está Osaka, uma das suas maiores cidades industriais.
“Eu tenho que dizer, nós enfrentaremos um grave risco de falta de eletricidade”, disse Yukio Edano, ministro da economia, comércio e indústria. Ele acrescentou que o custo extra de importação de combustível para uso nas usinas termoelétricas poderá ser repassado aos consumidores através de contas de luz mais caras.
Antes do desastre de 11 de março de 2011, o Japão dependia da energia nuclear para suprir 30% da sua eletricidade, e havia planos para aumentar essa participação para mais de 50% até 2030, com a construção de novos reatores.
Com o acidente, o lançamento de imensas quantidades de radiação no ar e no mar, a contaminação da comida e das fontes de água e a evacuação de dezenas de milhares de residentes demoliram a visão de um futuro dominado por energia nuclear e baixas emissões de carbono.
Nos últimos 14 meses, dúzias de reatores nucleares não diretamente afetados pelo tsunami foram desligados para se submeterem à testes de segurança e manutenção rotineira. Enquanto isso, as distribuidoras buscaram usinas movidas a carvão, óleo e gás para manter o fornecimento de eletricidade para a indústria e os lares. As importações desses insumos contribuíram para gerar, no ano passado, o primeiro déficit comercial do Japão em mais de 3 décadas.
O Japão, que já é o maior importador mundial de gás natural liquefeito, comprou quantidades recorde no ano passado para substituir a energia nuclear. A agência internacional de energia estima que o fechamento de todas as usinas nucleares aumentará a demanda japonesa por petróleo para 4,5 milhões de barris/dia, com um custo adicional em torno de 100 milhões de dólares por dia.
As últimas investidas de Yoshihiko Noda, primeiro ministro, de obter apoio para um reinício precoce de 2 reatores da Usina Oi, no oeste do Japão, falharam em meio a uma oposição pública cada vez mais dura contra a energia nuclear.
Nenhum dos reatores ociosos do Japão terá permissão de ser reiniciado até que passem por rigorosos “testes de estresse” — simulações planejadas para testar a capacidade de resistir a eventos catastróficos como o tsunami de 14 metros de altura que nocauteou o sistema reserva de energia da usina de Fukushima Daiichi, e disparou o pior acidente nuclear mundial desde Chernobyl.
Enquanto há especialistas que criticaram os testes de estresse duplos, a volta imediata, mesmo a uma produção limitada, da energia nuclear parece impossível.
Pela lei, a aprovação da população local não é necessária para o reinício. Mas Noda não está inclinado a correr o risco de um colapso político causado por ignorar a opinião local: em uma pesquisa recente, feita pelo Noticiário Kyodo, 59,5% se opunham ao recomeço das operações da usina nuclear Oi, na região administrativa de Fukui, enquanto 26,7% apoiavam a medida.
Na liderança do movimento para reiniciar os reatores está a Keidanren, o influente lobby dos negócios. Em pesquisa recente, 71% dos industriais disseram que a falta de energia poderia forçá-los a cortar a produção, enquanto 96% disseram que o espectro de preços de eletricidade mais altos reduziria o faturamento. O Instituto de Economia da Energia alertou que manter os reatores em compasso de espera pode limitar o crescimento do PIB a apenas 0,1% esse ano, pois as indústrias reduzirão a produção ao mesmo tempo em que pagam mais caro por energia derivada de petróleo.
Críticos da paralisação nuclear também enfatizaram o impacto negativo que mais combustível fóssil para gerar energia terá nos compromissos assumidos pelo Japão na área de mudanças climáticas. E mesmo grandes investidores em energia alternativa, como o principal executivo do Softbank, Masayoshi Son, admitiu que levará tempo para que essas opções tenham impacto real na matrix energética do país.
Esses investidores ficarão exultantes com o resultado de um novo painel do ministério do meio ambiente, o qual afirma que o Japão ainda pode reduzir suas emissões de gases do efeito estufa em 25% até 2030 (comparadas aos níveis de 1990) através da economia de energia e da adoção mais veloz de fontes renováveis. Espera-se que elas representem entre 25% e 35% da geração total de energia em 2030.
“Se o Japão tiver a motivação, pode também realizar isso”, afirma Sei Kato, diretor de promoção da sociedade de baixo carbono no ministério do meio ambiente. “Nós temos o know-how tecnológico”. Colocando de lado os riscos de curto prazo, grupos ambientalistas dizem que a paralisação desse sábado é uma oportunidade sem precedentes para o Japão se livrar da dependência da energia nuclear.
“Esse é um momento decisivo para o Japão, uma enorme oportunidade para que se mova em direção ao futuro de energia sustentável que o seu povo demanda”, afirmou o Greenpeace no seu relatório sobre a revolução da tecnologia energética. “Com abundância de recursos para energia renovável e tecnologia de vanguarda, o Japão pode facilmente se tornar um líder na área, enquanto simultaneamente acaba com sua necessidade da tecnologia nuclear, que é cara e arriscada”.
Na terça, as pessoas que trabalham em escritórios deram sua contribuição com o início, um mês antes do habitual, do esforço apelidado de “cool biz” (algo como “negócio bacana”) para reduzir o uso de energia. Mas trocar ternos e gravatas por camisas de manga curta, e reduzir o uso de aparelhos de ar-condicionado é fácil enquanto durarem as temperaturas amenas da primavera. O grande teste de força de vontade pós Fukushima ainda está para vir.
Por um futuro verde e seguro, sem energia nuclear, por Ricardo Baitelo
Publicado através da Guardian Environment Network da qual ((o))eco faz parte. Ele foi publicado originalmente no Guardian. Tradução de Eduardo Pegurier
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