Há duas semanas, na última sessão da reunião preparatória para Copenhague em Barcelona, um grupo de manifestantes entrou na sala onde se encontravam diversas delegações e começou a gritar que Barack Obama estava se tornando um novo Bush. Agarrados por seguranças, os ‘agitadores’ foram rapidamente retirados da plenária. Agora, quando o presidente dos Estados Unidos anuncia , em reunião na Ásia, que não acredita que um novo acordo climático será possível em Copenhague, muitos começam a se perguntar se os manifestantes não tinham sua parcela de razão.
Neste fim de semana, Obama esteve em Cingapura para reunião do tratado de Cooperação Econômica da Ásia e Pacífico (APEC, na sigla em inglês) e declarou em parceria com seu colega Hu Jintao, presidente da China, que não há mais tempo para um acordo extremamente detalhado, com prazos e metas ‘legalmente vinculantes’. A decisão de enfraquecer Copenhague recebeu ainda, de acordo com informações do jornal americano New York Times , apoio do primeiro ministro da Dinamarca, Lars Lokke Rasmunssen, que sustenta que a reunião do clima em dezembro deve apenas firmar o prazo em que as negociações de fato vão terminar.
A decepção com a posição de Obama, no entanto, não pode ser considerada uma surpresa. Já havia muitos sinais de que os Estados Unidos não poderiam se comprometer com um acordo com metas claras antes de aprovarem no Senado a lei Kerry-Boxer, que detalha o plano climático que será implementado pelos americanos. O próprio negociador-chefe dos EUA, Jonathan Pershing havia afirmado em seu pronunciamento na plenária de Barcelona que o acordo de Copenhague deveria ser um acordo “politicamente vinculante”. Trocando em miúdos, o que defendeu é que na Dinamarca seja decidido um novo prazo para o tratado pós-Kyoto. Obama apenas repetiu ontem frase que o Pershing tem usado todo o tempo: “Não vamos deixar o perfeito ser inimigo do bom.”
A análise de que Copenhague não seria suficiente para solucionar a arquitetura do próximo acordo climático é sustentada já há alguns anos pelo conceituado Pew Center on Global Climate Change. Elliot Diringer, analista do instituto, lembra que em 2005, quando se firmou na reunião de Montreal que 2009 seria o prazo final para as discussões do segundo período de compromissos, já se sabia que uma nova administração teria pouco tempo para trabalhar sobre metas internacionais. “Continuamos a achar que Copenhague será importante para decidir como vai ser a arquitetura política do novo acordo, mas não há tempo para um tratado com todos os detalhes”, pontua Diringer.
O risco em “politicamente vinculante”
Existem muitos riscos embutidos na decisão de Obama de deixar para depois a discussão sobre metas climáticas. O principal deles é um racha de proporções bastante grandes na estrutura burocrática da Convenção Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas. Uma interpretação cada vez mais corrente entre aqueles que não concordam que Copenhague deva ser apenas mais um passo é que 1) isso seria um desrespeito ao consenso alcançado em Montreal (2005) de que 2009 era o prazo final para negociar um novo período de compromissos e 2) também um desrespeito ao que fora acordado em Bali (2007), quando se criou o mapa do caminho de Copenhague, que sustenta que já agora seria necessárias metas numéricas.
Essa quebra nas regras do jogo liderada por Obama pode muito bem dar argumentos para que os países em desenvolvimento simplesmente deixem a mesa de negociações. Em conversa com jornalistas brasileiros há duas semanas, em Barcelona, o negociador-chefe do Brasil, o embaixador Luiz Figueiredo Machado, falou com todas as letras de que o Brasil não aceitará um acordo que não contenha números claros sobre reduções de emissão por parte dos países ricos. “O Brasil não quer participar de um fracasso em Copenhague”, foram estas suas palavras.
Leia também
ONU espera ter programa de trabalho conjunto entre clima e biodiversidade até COP30
Em entrevista a ((o))eco, secretária executiva da Convenção Sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU fala sobre intersecção entre agendas para manter o 1,5ºC →
Livro revela como a grilagem e a ditadura militar tentaram se apoderar da Amazônia
Jornalista Claudio Angelo traz bastidores do Ministério do Meio Ambiente para atestar como a política influencia no cotidiano das florestas →
MPF afirma que Pará faz propaganda “irresponsável” de ações contra queimadas
Procuradoria da República no estado apontou “discrepância entre o discurso e a prática”; procuradores pediram informações a autoridades estaduais e federais →