Reportagens

A ONU espera o Brasil

O presidente Lula acha que país não deve levar números à reunião de Copenhague, mas secretário da convenção do clima diz que está “ansioso” pelo anúncio das medidas brasileiras. 

Gustavo Faleiros ·
5 de novembro de 2009 · 15 anos atrás

No dia em que o presidente Lula declarou, em Londres, que o Brasil não levará metas numéricas à conferência do clima em Copenhague, o secretário da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, Yvo de Boer, disse que “está ansioso” pelo anúncio do governo brasileiro de medidas de redução de emissões no país. De Boer expressou sua expectativa a um pequeno grupo de jornalistas latino-americanos que fazia uma entrevista exclusiva com ele durante o encontro da ONU em Barcelona, a última rodada antes da reunião na Dinamarca . “Estou ansioso pelo anúncio do Brasil sobre as medidas que vai adotar para reduzir a sua curva de emissões”, disse.

A proposta brasileira para Copenhague tornou-se uma verdadeira novela. Ela vem sendo discutida sobre documento elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente, que propôs ação em duas frentes: redução drástica do desmatamento e cortes nas emissões dos setores industrial, agrícola e de transportes. A meta de se mitigar 80% do desflorestamento na Amazônia até 2020 parece ter atingido consenso, mas as outras ações engessaram Lula e seus ministros. Não se sabe se haverá números ou não. Na terça, após um reunião ministerial, o presidente resolveu que o anúncio das metas seria adiado. Agora, a notícia é de que nem anúncio teremos.

A declaração do secretário da ONU não soa como uma cobrança direta à Lula, mas revela o peso que o Brasil, como umas das principais economias emergentes, tem nas negociações do clima. “Nós vamos precisar saber em Copenhague o que os países em desenvolvimento como o Brasil poderão fazer, e eu espero que estes esforços possam ser quantificados”, pontuou De Boer. Ele reconheceu que o país já tem aprovado um plano nacional de mudanças climáticas, mas que espera que seja possível ao governo finalizar “um novo pacote e um número antes de Copenhague.”

Metas ambiciosas

Yvo de Boer argumenta que se os países em desenvolvimento assumirem a liderança na apresentação de metas numéricas de redução de gases de efeito estufa, não haverá forma das nações ricas escaparem de um compromisso mais ambicioso. Segundo ele, neste momento os dois principais problemas que impedem a consolidação de um acordo em Copenhague são: a falta de propostas quantitativas pelos desenvolvidos no que se refere a emissões e recursos financeiros. “Sem metas claras em emissões e financiamento, Copenhague será um fracasso”, alertou.

Por outro lado, o secretário da Convenção do Clima relatou avanços que indicam a possibilidade de um bom acordo na reunião da Dinamarca. Temas chave como redução de emissões por desmatamento e degradação florestal (REDD) e transferência de tecnologia já estão caminhando bem, segundo ele. A transfência de tecnologia é um dos principais interesses de países como China e Brasil no acordo de Copenhague, pois, se aprovada, vai permitir a troca de conhecimento em tecnologias limpas entre países ricos e pobres.

Outro ponto positivo apresentado por De Boer foi o consenso existente entre as delegações de diversos países sobre a destinação de 10 bilhões de dólares para um fundo emergencial de ações climáticas. Estes recursos poderão ser aplicados em nações em desenvolvimento já a partir de 2010 e não vai ser necessário esperar pelo término do primeiro período de compromissos do Protocolo de Kyoto. “Isso vai permitir que planos nacionais sejam elaborados e ações de mitigação sejam implementados imediatamente”, explicou.

Europa pulando fora?

Durante esta quinta-feira em Barcelona, causou furor a entrevista dada por negociadores da União Européia e do Reino Unido afirmando que um acordo ambicioso em Copenhague já está fora de questão. Na verdade este é um sentimento que vem dominando diversas delegações. Fala-se que será necessário de seis meses a um ano após o encontro na Dinamarca para consolidar as propostas em novo acordo.

A expressão que agora tem sido usada é que não será possível alcançar um acordo legalmente vinculante em Copenhague, mas apenas um acordo politicamente vinculante. Isso quer dizer que a reunião em dezembro pode ser apenas uma carta de intenções dos países quanto às metas do clima. Em suma, um acordo sobre como fazer o acordo. O argumento por trás disso é que os Estados Unidos já fizeram saber aqui em Barcelona que não vão apresentar metas antes de resolverem questões domésticas. Não à toa as ONGs deram à gestão de Barack Obama o prêmio Fóssil do Dia, que é concedido ao país que mais bloqueia as negociações.

O Grupo dos 77+China, do qual o Brasil faz parte, deixou claro que não embarca em acordo que não tenha números na mesa. “O que é um acordo político? Eu não sei o que é isso, é uma promessa de um político?”, ironizou o líder do G77, o sudanês Lumumba Di-Aping. As ONGs, por sua vez, criticaram duramente a posição da União Europeia de que um acordo não será possível em Copenhague. “Agora é o momento da Europa, Sarkozy, Merkel, Brown, se levantarem, não desistirem. O mundo está olhando, e esperando. O público espera muito mais de nossos líderes”, disse Martin Kaiser, do Greenpeace.

Veja vídeo com declarações de Yvo de Boer (em inglês)


  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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