Reportagens

47 dias – Um longo caminho para Copenhague

Setor industrial é o que mais cresce em termos de emissões de CO2, mas se depender dele, país terá de esperar resultados da Conferência do Clima para agir.

Cristiane Prizibisczki ·
20 de outubro de 2009 · 15 anos atrás

Estava marcada para hoje a apresentação de uma proposta única entre os ministérios do Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia e o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas sobre a posição que o Brasil irá levar à Copenhague, durante a Conferência Mundial do Clima, em dezembro. Mas, a julgar pela recepção que a proposta do MMA teve e pelas discordâncias entre os setores envolvidos, o país ainda terá um longo caminho a trilhar até que se chegue a um consenso. Mesmo antes do prazo estipulado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, já havia declarado, no último sábado, que a apresentação da meta brasileira de redução de gases estufa estava adiada. Quem sabe para o final do mês. Da parte dos ambientalistas, há a descrença sobre a efetividade dos mecanismos de redução propostos. O setor industrial, então, discorda até da redação do documento proposto pela pasta do meio ambiente.

Visto como uma atividade crucial para a redução das emissões brasileiras, o setor industrial foi o que mais cresceu em termos relativos de emissões. Segundo estudo ainda inédito do Centro de Energia Nuclear da Agricultura (Cena), da Universidade de São Paulo, os “processos industriais” aumentaram sua taxa de emissões em 73,6% entre 1994 e 2005. Mesmo com participação pequena no total brasileiro – 8,8%, segundo último inventário oficial – a pesquisa da USP mostra que o potencial poluidor do setor é preocupante. “Uma das principais mensagens [da divulgação dos dados preliminares da pesquisa] é mostrar que há uma tendência muito forte de crescimento das emissões da indústria e que é preciso dar atenção ao setor em relação a isso”, diz Bigitte Feigl, pesquisadora do Cena e uma das autoras do estudo. Os resultados parciais foram apresentados na última sexta-feira em evento em São Paulo. O estudo completo deve sair na edição de novembro da revista científica Scientia Agrícola.

Apesar do crescimento em suas emissões, a indústria ainda reluta em tomar uma posição mais proativa quando o assunto são metas de redução. Há cerca de oito meses a Confederação Nacional da Industria (CNI) vem discutindo internamente e com entidades do setor sobre qual será o posicionamento a ser levado para Copenhague. Segundo Augusto Jucá, gerente-executivo da Unidade de Competitividade Industrial da CNI e porta voz das posições da entidade em relação à Conferência do Clima, ele será “sem paixões”, isto é, com apresentação de dados e estatísticas e sem arroubos ambientalistas. Em outras palavras, nada de metas ou compromissos que prejudiquem o crescimento. “Temos que colocar as coisas um pouco mais contextualizadas. A energia do Brasil é 46% advinda de fontes renováveis e 96% da energia produzida é renovável. É preciso não esquecer as coisas aqui. Nós, no Brasil, somos credores”, diz Jucá.

Garantias de crescimento

A visão da CNI tem tudo a ver com o que a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, espera para o país nos próximos anos. Ao apresentar, no último dia 13, meta de até 40% na redução das emissões brasileiras até 2020, considerando crescimento anual de 4%, a pasta comandada por Carlos Minc foi prontamente contestada por Dilma, que pediu que os cálculos fossem refeitos considerando crescimento anual de até 6%. “O que Dilma propôs é bastante alvissareiro. Nós cresceremos mais do que isso, para nos tornarmos mais limpos ainda do que somos”, defende Jucá.

Para garantir este patamar de crescimento baseado em energias limpas, o gerente diz que a ajuda do governo será fundamental, com desonerações de tributos e incentivos financeiros que garantam uma transição com o “mínimo de traumas possível”. Segundo ele, o crescimento do país não pode ser baseado em sacrifícios, mas em procedimentos alicerçados em sistemas de “ganha-ganha”. Isto é, a indústria implementará ações que promovam a redução de emissões, como a produção de etanol, por exemplo, mas desde que haja transferência de tecnologia, ganhos em investimentos e em produtividade.

A visão da CNI sobre a ausência de sacrifício não poderia soar mais distinta daquela defendida pelo MMA. Para Augusto Jucá, até mesmo a redação do documento apresentado não tem condições de ser avaliada. “Tive dificuldade de entender a proposta do MMA. Não sei se o texto foi suficientemente trabalhado, ele não é claro. A redução se dará em relação a qual cenário? Para o Brasil, ele sugere redução de 20% a 40%. Em outra frase, ele diz que a redução deve estar entre 10% e 20% para os países em desenvolvimento. E o Brasil não é um país em desenvolvimento?”, questiona.

Vantagem comparativa

Além da discordância na posição da pasta do meio ambiente, a CNI acredita que o primeiro passo deve ser dado pelos países em desenvolvimento, que ainda não conseguiram nem cumprir o que foi proposto para a primeira fase do Protocolo de Kyoto. “É na mão deles que está o desentrave”, diz Jucá. Para o diretor, só depois do encontro em Copenhague é que a indústria irá pensar em se adequar ao que for proposto. “Defendemos que esse assunto seja debatido com racionalidade econômica, que esses ganhos [para o meio ambiente] não coloquem em sacrifício o direito inalienável de desenvolvimento. Que tenhamos saúde, estrada, emprego. Todos nós faremos coisas, se Copenhague nos der um arcabouço geral. Acho que definir como se faz as coisas domesticamente se dá depois”.

Para Marina Grossi diretora do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), esta posição conservadora do setor industrial se dá porque o Brasil está em uma “zona de conforto” criada pela existência de fontes de energia limpa. No entanto, a visão é “tola”, segundo ela, e difícil de funcionar. “Temos que entrar nessa discussão a fundo. O Brasil ainda não incorporou de forma consensual a mudança no paradigma energético”, diz.

Segundo Grossi, não só a indústria, mas os vários setores da sociedade deveriam lutar para que a matriz limpa e os serviços ambientais prestados pelo país fossem entendidos como “vantagens comparativas” e que fossem “precificados” na forma de selos verdes internacionais, por exemplo.

Fugindo da linha adotada pela CNI, um grupo de grandes empresas montou um fórum sob coordenação do Centro de Sustentabiliadade Fundação da Getúlio Vargas, sinalizando que pode aceitar políticas ambientais mais restritivas. Lançado no último dia 08 de outubro com o nome “Empresas Pelo Clima”, a iniciativa reúne 21 empresas, entre elas a Vale, a Natura, o Banco do Brasil e O Boticário. Entre as ações previstas pelo grupo está a utilização de diretrizes para a confecção de inventários de emissões e a constituição de um fórum que vai propor medidas ao governo federal.

O principal comunicado lançado até o momento é uma carta-manifesto com posição sobre Copenhague. Logo nas primeiras linhas o que se lê é “ As entidades signatárias do presente documento vêm a público afirmar que o país deve assumir posição firme e imediata em prol da fixação de metas de redução de emissões de gases de efeito estufa, que devem ser obrigatórias, quantificáveis, reportáveis e verificáveis.”

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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