A lei é pacto entre gerações e a ideia que permeia o cipoal de regras no qual estamos envolvidos é assegurar uma vida melhor a quem vem depois de nós. Não um mundo perfeito, apenas uma vida melhor. São esses pactos intergeracionais que constroem a civilização e, para mantê-los, é preciso conhecer, entender e cumprir as leis. Caso contrário, o legado ao futuro, em termos de conquistas sociais, econômicas e tecnológicas acumuladas pela sociedade humana, ficará comprometido pela falta de um código comum entre quem já foi e quem ainda virá. Nossos congressistas parecem não saber disso.
Demora para construir um código comum? A história nos ensina que sim. Passaram-se mais de duzentos anos e ideias tão simples como “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” ainda mancham com vermelho de sangue esse planeta azul. Fácil imaginar, então, quanto é difícil incluir novos itens na ideia de bem comum.
Sabemos, hoje, como bem lembra o francês Michel Bosquet, colaborador de diversas publicações francesas e membro do comitê de redação de Le Temps Modernes, que a crise da relação homem-natureza foi uma das dimensões não previstas pelas demandas humanistas. Diz ele: “Sabemos que nosso mundo se extingue; que, se continuarmos na mesma trajetória, os mares e os rios serão estéreis, a terra carecerá de fertilidade natural, o ar resultará irrespirável nas cidades e a vida constituirá um privilégio a que somente terão direito os espécimes selecionados de uma nova raça humana, uma nova raça que, mercê dos condicionamentos químicos e programação genética, se adaptarão ao novo nicho ecológico que a engenharia biológica sintetizará para eles”. Será este o pacto que queremos?
Há pelo menos 150 anos, as sociedades industrializadas vivem da pilhagem acelerada dos estoques de bens naturais cuja constituição exigiu dezenas de milhões de anos. E as questões envolvendo o futuro do planeta, da biosfera ou das civilizações, voltadas para o futuro, ainda não foram incorporadas como parte da equação presente.
No Brasil de 2012, da Rio+20, da primeira mulher presidente, estamos no mesmo dilema. Sabido e comprovado que os sistemas naturais são necessários à vida de todos e, portanto, transformaram-se em bens sociais, isto é, têm valor para toda a sociedade, hoje, amanhã e sempre; sabido e comprovado que a enorme diversidade de seres vivos, de cada espécie e de paisagens – a chamada biodiversidade – faz a máquina da vida funcionar; sabido e comprovado que, quanto mais devastado um ambiente, mais pobre em biodiversidade e pior a qualidade de bens como suprimento de água, regulação do clima e muitos muitos outros, ainda assim seguimos o velho modelo de pilhagem.
Na contramão, o Brasil construiu, nos últimos anos, um moderno sistema de proteção aos ambientes naturais. Legado para o futuro que está sendo desmantelado pelos congressistas do presente, que atacam com fúria o Código Florestal Brasileiro, lei modesta que ordena o uso e ocupação do território brasileiro com o olhar sábio e experiente da ciência e da justiça. Os limites e os freios estabelecidos pelo Código – apontados pelo agronegócio como entraves ao crescimento e ao progresso – são apenas parte do compromisso que precisamos estabelecer com a aqueles que vem de nós.
A primeira presidente do Brasil – com o instinto que a natureza garante às fêmeas da espécie – deve saber que a devastação é um tiro no pé, não mata só o futuro mas afeta o presente, quando o solo empobrece, a água fica escassa, o clima muda. Deve saber que, quando os limites sociais não são respeitados, alguns ganham e todos perdem:
pior qualidade de vida e maiores gastos para tentar recuperar o que antes estava disponível de forma gratuita. É uma conta perversa porque é a sociedade que paga para consertar o que alguns destruíram. Para fazer a conta certa é preciso que todos aceitem os limites da natureza e da lei: quem não respeita o sinal vermelho da vida pode matar, ou morrer.
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