Mais um duro golpe na conservação do patrimônio natural brasileiro, no ano da biodiversidade! O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), a mais alta instância da política ambiental do país, que deveria tratar de proteger os recursos naturais, decide revogar uma resolução aplicada desde 1990.
O retrocesso foi iniciado no ano passado, quando a Câmara Técnica de Unidades de Conservação (UC) e Demais Áreas Protegidas – desativada há quase dois anos – recebeu proposta de resolução para disciplinar o art. 36 da Lei 9985/2000 – que trata de empreendimentos que exijam EIA/RIMA, isto é, que causem grandes impactos ambientais. Tal proposta não deveria constituir em nova resolução, como muito foi afirmado até a sua aprovação em plenário no final de novembro.
Sua alegada intenção era reduzir a insegurança jurídica para empreendedores, reduzir processos de licenciamento (como permissão de entrada de caminhão para descarregar material, por exemplo) e, a parte mais louvável, regrar e, portanto, agilizar os trâmites entre os órgãos competentes. Para espanto (e só meu…), a Resolução 13/90 (que dispõe sobre áreas circundantes em áreas protegidas) – entre outras – constava no último artigo para ser revogada. Ora, a MIRASERRA, entidade a quem represento, mantém há anos liminares contra a União e outros entes, em duas ações judiciais com ampla fundamentação incluindo esta resolução. Destaca-se que, inclusive, criou referencial para a área circundante das Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPNS).
O “lobby” para a revogação da Res.CONAMA 13/90 era maior que a fundamentação para tal. Isto ficou cristalino quando o Ministério do Meio Ambiente (MMA) apresentou uma proposta de zonas de amortecimento “transitórias” que variavam de acordo com as dimensões da unidade de conservação (UC), para aquelas ainda sem Plano de Manejo. Ficou evidente, até mesmo para a Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos, que seria criada uma lacuna jurídica. Atividades de pequeno e médio porte não teriam previsão legal para que as UCs pudessem, ao menos, se precaver contra distúrbios menores no fluxo gênico ou de efeito de borda pontuais – para ficar nestes dois exemplos. Então, foi criado um capítulo para que empreendimentos que não exigissem EIA/RIMA também fossem disciplinados quanto ao seu trâmite processual.
O texto final foi à plenária, onde dezenove entidades pediram vista do processo, sendo criado um Grupo Assessor (GA) para sistematização dos pareceres apresentados.
Com tantos contorsionismos e ações performáticas para justificar o injustificável, qual é a segurança jurídica para quem quer dar um futuro às próximas gerações? |
No GA, mais uma vez, foi difícil manter qualquer vestígio da intenção da Res. 13/90, já que era alegado em uníssono, que área circundante é o mesmo que zona de amortecimento. Portanto, dizia-se, a respectiva resolução já teria sido revogada na prática quando da publicação da Lei do SNUC, apesar do Ministério Público a considerar “viva”. Houve todo o tipo de desculpa, principalmente a da insegurança jurídica e até mesmo, que o endereço do gestor da UC poderia não ser encontrado para dar autorização, levando o processo “ad eternum” como constantemente ouvi a expressão. Todas estas pretensas explicações carecem de fundamento, frente ao regramento que ora se delineava.
A proposta resultante do GA, para apreciação do Conama, chamava a atenção de que algo estaria muito errado: o artigo 5º oferecia 3 opções, sendo que o valor para área de entorno de UC (um “referencial”, como disse o MMA) estava em aberto. Ora, na resolução 13/90 era de 10Km e se queixavam da arbitrariedade deste número. Agora, decididamente, o número foi retirado de alguma cartola mágica, já que dos 6 Km propostos em plenário, ficaram só 3 Km!! E, com validade no rótulo: se em 5 anos não tiver plano de manejo com zona de amortecimento definida, não terá proteção alguma!!!
E as RPPNs? Embora fosse clara a simpatia de vários setores pelas RPPNs frente à hostilidade despertada pelas APAS e áreas urbanas consolidadas, não foi possível manter o espírito da Res. 13/90. Ficou tão somente a garantia que é dada para qualquer proprietário de terreno urbano ou rural (ou até menos). Quase se conseguiu os mesmos 3 Km para as RPPNs, não fosse a tão propalada “insegurança jurídica”, visto que os cinco anos para estabelecimento de zona de amortecimento não teriam cabimento nas propriedades particulares (!?!). Houve até quem dissesse que, caso fosse aprovado algo do gênero, não haveria mais interessados em criar RPPN… Que absurdo! Tínhamos 10 Km, sem nenhum regramento e não se deixou de criar uma só RPPN por isto!
Enfim, RPPNs passaram a ser ilhas de biodiversidade o que, na concepção moderna da biologia da conservação, não se sustenta. Sem perspectiva de apoio na REs. CONAMA 13/90, a formação de corredores ecológicos foi reduzida e o trânsito gênico ficou deveras fragilizado. Isto me induz a pensar que uma dada espécie em UC particular deve ser menos protegida (ou vale menos?) do que em uma UC pública – até mesmo se ela for uma Reserva Extrativista!Então, porque a RPPN deve ter plano de manejo obrigatório, com os raros direitos e os muitos deveres que regem um Parque Nacional? E ainda, qual a razão de averbar seu caráter de perpetuidade se temos casos em que Parques e Florestas Nacionais foram desafetadas (na prática, perderam território originalmente protegido)… É justo, um simples cidadão, ter todo um ônus – e até após a sua morte – correndo o risco de que seu objetivo preservacionista seja profanado? Terá ele somente o bônus de ser informado de que sua UC, bem difuso e reconhecido por órgão ambiental como de atributos ambientais significativos, será diretamente impactada por emprendimento? Para lembrar: um decreto proibiu a comercialização de mudas de viveiro da RPPN para além da sua cerca…outro, recentemente assinado pelo governo federal, permite o estudo energético dentro da RPPN! Na esteira do retrocesso, as demais UCs também poderão ser alvo deste “estudo”. Aliás, estudar por estudar? Com tantos contorsionismos e ações performáticas para justificar o injustificável, qual é a segurança jurídica para quem quer dar um futuro às próximas gerações?
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