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Evito fazer previsões, mas o problema da conservação ambiental certamente continuará presente em todo o mundo nas próximas décadas, principalmente por envolver grandes interesses econômicos e políticos. Se, por um lado, a questão desperta sentimentos idealistas, moderados por atitudes alienadas; por outro é causa de real preocupação por parte de cientistas e especialistas em conservacionismo.
Vez por outra, lembro o artigo de R.A.Amaral Vieira publicado em Ciência e Cultura (36(5):797-800, 1984), que resume a palestra proferida em 1º de junho de 1983 na abertura da Semana do Meio Ambiente de Pernambuco, a convite da SUDENE. Disse ele naquela ocasião:
“Dessa alienação decorre nosso esforço por colocar fora de nós tanto o meio ambiente quanto a poluição. Meio ambiente é identificado com o verde das florestas, com a preservação dos animais da África, com a baleia-azul que jamais veremos, com o mico-leão-dourado. Com o mundo que não nos pertence, do qual não temos relações, nem econômicas nem outras, e que, por isso mesmo, podemos proteger, prometer proteger, porque a proteção não depende de qualquer ação objetiva nossa. Poluição passa a ser a fumaça da indústria que está longe, e como não somos industriais podemos ser contra a poluição industrial e nos anunciarmos como suas vítimas, embora beneficiários, como consumidores, de seus produtos.”
Assim, repito, creio que a questão permanecerá aberta por muito tempo.
Na década de 1960, como professor em Viçosa, participei de um movimento para o estabelecimento de uma reserva florestal em uma área habitada pelo mono carvoeiro, Brachyteles arachnoides. O então general presidente do Departamento Nacional de Recursos Naturais Renováveis (DNRNR), antecessor do IBDF e do IBAMA, despachou nosso ofício em uma carta onde dizia que o mono já estava protegido por lei, portanto não havia necessidade de se estabelecer uma reserva. Só não disse onde os monos iriam se pendurar, quando a floresta desaparecesse.
Esse fato é um dos motivos que me levaram a escrever o presente artigo.
A década de 1960 foi marcante para o movimento conservacionista, não só no Brasil, mas em todo o mundo. A União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais Renováveis (IUCN) tornou-se a principal agência no campo do conservacionismo, passando do discurso à ação. Estabeleceu critérios e definições e publicou as primeiras listas internacionais de animais e plantas ameaçãdos de extinção. Em 1965 teve lugar a famosa Conferência de Estocolmo e, em 1968, a Conférence Intergouvernamentale d’Experts sur les Bases Scientifiques de l’Utilization Rationelle et de la Conservation des Ressources de la Biosphère. (Intergovernmental Conference of Experts on the Scientific Basis for the Conservation of Resources of the Biosphere), promovida pela UNESCO, FAO, e WHO, com a cooperação do International Biological Program of the International Union for the Conservation of Nature (IUCN). Os resultados foram publicados 1970 sob o título de Utilization et Conservation de la Biosphère. UNESCO, Paris.
O Brasil promoveu a revisão das leis de conservação da natureza herdadas da era Vargas, que serviriam de exemplo para a legislação peruana e colombiana. Victor Abdenur Farah, do Ministério da Agricultura, ao qual cabia estabelecer a política de conservação na década de 1960, foi o responsável pela escolha das comissões de especialistas para a redação dos novos projetos de lei.
Na época, a sugestão de se tentar consolidar a legislação em um único Código de Conservação da Natureza foi considerada por Farah como prematura. Sua opinião era a de que, em um primeiro passo, deveria ser feita a revisão das antigas leis da década de 1930. Posteriormente, os novos textos legais viriam a ser combinados em um único código de proteção às águas, ao solo, aos recursos minerais, à fauna e à flora.
A discussão atual sobre a revisão do Código Florestal tem deixado de considerar esse aspecto fundamental, exatamente aquele que escapou ao general-presidente do DNRNR na década de 1960, mas que não escapou a Farah. Uma espécie não é um animal ou uma planta isolados de seu ambiente. Não é o bicho que se vê em um Jardim Zoológico ou uma árvore em um Jardim Botânico, um arboreto ou uma praça pública. A espécie é uma entidade natural que somente existe como tal em seu contexto ecológico, integrando um sistema complexo de relações com os fatores físicos e bióticos do ambiente em que ocorre na natureza. É parte de uma comunidade, que depende do conjunto de fatores característicos de seu meio. Conservação envolve tanto conceitos teóricos como o de ecossistema, quanto realidades biogeográficas como biomas e biótopos.
Alterar o Código Florestal significa, portanto, afetar a fauna, os solos, as águas, independentemente da existência de suas leis e códigos específicos. É alterar, portanto, as condições de vida humana e, de maneira direta, a saúde individual, coletiva e ambiental.
Mudanças climáticas, aquecimento global, mercado virtual dos créditos de carbono conseguem mais atenção do que as verdadeiras mudanças ecológicas pelas razões apontadas por Amaral Vieira no artigo citado acima. Situam-se em universos e escalas distantes de nossa experiência cotidiana e pessoal. A não ser para quem confunde meteorologia e clima e acredita presenciar mudanças climáticas nas suas lembranças vagas das temperaturas e estiagens no ano anterior.
Entretanto, as demandas dos barrageiros, do lobby da agricultura industrial, a transposição do rio São Francisco, as derrubadas da floresta amazônica e atlântica, do cerrado e caatinga, os interesses políticos que dizem respeito ao ordenamento do território e suas consequências, estes, sim estão atuantes e constituem as causas de profundas mudanças ecológicas, econômicas e sociais com as quais devemos nos preocupar.
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