Imagine se de um mês para o outro, o Ministério do Planejamento decidisse que o IBGE não deveria divulgar os dados da inflação. Certamente a transparência do governo seria questionada pelos mercados. Mas é exatamente isso que o Ministério do Meio Ambiente tem feito com os dados de desmatamento medidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), através do sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real, o Deter.
A razão parece ser prosaica: desde a gestão de Carlos Minc, o ministério gosta de fazer a divulgação desses dados em um evento próprio. Segundo Dalton Valeriano, coordenador do Programa Amazônico do INPE, os dados estão prontos e “estamos implorando para divulgá-los”, mas o Ministério do Meio Ambiente explicou que está atrasado no seu calendário de tarefas por conta da Rio+20, e ainda não encontrou tempo para fazer a divulgação.
((o))eco procurou o Ministério do Meio Ambiente, que através de sua assessoria de imprensa, disse desconhecer o assunto, a qual afirmou ser de responsabilidade do INPE.
Os dados do Deter estão atrasados há 3 meses. No site do INPE, o último dado disponível para download é o de março. O calendário de divulgação é mensal entre maio e outubro de cada ano. Quando começam as chuvas, em novembro, passa a ser bimensal. Felizmente, o IBAMA continua a receber essas informações, pois os dados do Deter são essenciais para operações em campo de combate ao desmatamento. Segundo o INPE, hoje o IBAMA já recebe – e não sofreu qualquer interrupção – atualizações diárias.
A regularidade e a transparência na divulgação dos dados do Deter começou em 2008, depois da polêmica entre o INPE e o governo do Mato Grosso. Naquele ano, os dados indicavam uma alta no desmatamento naquele estado, o que levaria ao corte de financiamento público a produtores rurais que haviam desmatado. O então governador Blairo Maggi contestou os dados do INPE, o que levou a uma maior transparência na metodologia de cálculo do corte raso e da degradação florestal.
Calculados com base nas imagens geradas pelo sensor Modis, a bordo de satélites da NASA, os números indicam tendências de grandes desmatamentos na Amazônia e orientam as ações de repressão. O mesmo tipo de imagens é utilizado pela ONG Imazon em seu Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), cujos dados dos meses de abril, maio e junho já estão disponíveis. Baixe aqui o último boletim com dados de junho
O atraso incomoda os técnicos do INPE e atrapalha àqueles que dependem desses dados. O projeto InfoAmazonia.org, o mapa interativo de ((o))eco, utiliza os dados do Deter para levar a seus leitores a visualização mensal das tendências do desmatamento. A atualização do InfoAmazonia foi prejudicada pelo atraso do governo.
O curioso é que o Ministério do Meio Ambiente não tem qualquer interesse escuso em atrasar a divulgação. Ao contrário, as notícias são boas, o desmatamento está em queda. Trata-se apenas de falta de organização.
Veja abaixo o gráfico do desmatamento até quando parou de ser divulgado em março. Embora com picos sazonais, a tendência tem sido de declínio. O Imazon informou que houve uma queda de 66% do desmatamento em junho desse ano comparado a junho de 2011.
Quando o Ministério do Meio Ambiente encontrar um espaço na sua agenda, poderemos comemorar.
Leia também
ONU espera ter programa de trabalho conjunto entre clima e biodiversidade até COP30
Em entrevista a ((o))eco, secretária executiva da Convenção Sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU fala sobre intersecção entre agendas para manter o 1,5ºC →
Livro revela como a grilagem e a ditadura militar tentaram se apoderar da Amazônia
Jornalista Claudio Angelo traz bastidores do Ministério do Meio Ambiente para atestar como a política influencia no cotidiano das florestas →
MPF afirma que Pará faz propaganda “irresponsável” de ações contra queimadas
Procuradoria da República no estado apontou “discrepância entre o discurso e a prática”; procuradores pediram informações a autoridades estaduais e federais →