Por Laura Alves *
Ir a um festival de música, arte e sustentabilidade, como o SWU (Starts With You), que ocorreu nos dias 09, 10 e 11 e Outubro, é querer participar de algo extraordinário: um encontro de esforços coletivos internacionais de mitigação às mudanças climáticas e de consciência ambiental. Aí estava meu engano, essas preocupações não eram o foco do evento. Ao chegar lá deparei-me com algo ordinário. Um festival de alta qualidade musical e artística, com presença de grandes artistas. Algo que eu já havia vivenciado antes. Porém, as questões ambientais foram nada mais, nada menos, do que uma bonita razão motivadora do evento, apenas figurantes. Extraordinário seria um nível alto de comprometimento entre organizadores e público com o foco das questões centrais: mudanças individuais em padrões de produção e consumo na busca de um mundo mais sustentável. Isso foi falado, não vivenciado.
Falta de bicicletários em um evento que visava o transporte alternativo e a redução de emissões de poluentes; ausência de lixeiras grandes e bem espalhadas, ao invés de poucas transbordadas; lixo cobrindo o chão, consumo excessivo de plástico e superficialidade ambiental foram, ao meu ver, o tom do festival.
Nada foi dito sobre o lixo individual, que poderia muito bem ser guardado em sacolas recicláveis levadas pelos participantes do festival. A organização se ateve em entregar bituqueiras de plástico a uma pequena parcela do público, inclusive aos não fumantes.
Havia apenas mensagens de duplo sentido sobre economia da água (algo como “rapidinhas no chuveiros fazem bem para você e bem para o planeta”), sem que se tratasse do assunto com profundidade e explicações racionais para o uso racional da água.
A Coca-Cola importou-se em divulgar sua nova embalagem composta por 30% de matéria prima vegetal, sem qualquer discussão aprofundada sobre seus meios de produção ou sobre o consumo. A Nestlé criou uma simulação de medição sonora para que o público gritasse pela maior quantidade de árvores a serem plantadas pela empresa, novamente um marketing ambiental desprovido de sentido. A Heineken nem disfarçou: vendeu cervejas que saiam de latinhas de alumínio, passavam para copos descartáveis e estes iam parar na grama da fazenda. Ao final do festival, o lixo na grama era uma intervenção muito maior e mais chocante do que as esculturas recicladas presentes no SWU.
Minhas garrafas reutilizáveis de água e meus lanches naturais foram barrados na entrada, limitando minha subsistência aos produtos altamente industrializados e de alto custo. Meu interesse pelos debates ambientais foi barrado pela falta de um convite. O preço de R$185 reais do ingresso não me deu direito a sequer assistir. Fiquei apenas com o poder de crítica que, no caso do festival, cresceu em muita gente realmente preocupada com as questões ambientais.
Pensei comigo, qual é o interesse na sustentabilidade em ambos os atores do evento? Porque me parecia que as empresas mantinham-se fiéis às suas necessidades de venda e produção, e ainda com o benefício de um marketing verde, enquanto o público estava contente em assistir aos grandes espetáculos sem maiores questionamentos. Não sei aonde começa ou aonde é o final desse círculo vicioso de importar-se desimportando-se com o meio ambiente.
Como poderia ser diferente? Em pequenas e simples ações. A cerveja poderia ser vendida ao público em canecas reutilizáveis (levadas sob incentivos dos organizadores) ou vendidas juntamente com o ingresso, reduzindo o preço das embalagens e o gasto desnecessário de dois vasilhames por latinha. Ou quem sabe um copo por pessoa já não seria mais viável? Poderia ter sido motivada a alimentação natural trazida de casa, ou, no mínimo permitida, reduzindo o consumo de descartáveis industriais. Poderiam ter sido feitos reais debates antes e depois dos shows, ao invés de falas perdidas e apocalípticas como “estamos em guerra”. E, por fim, as mensagens poderiam e, deveriam ter sido, mais claras, responsáveis e pensadas.
A idéia do festival, é uma excelente idéia em termos de reunião de pessoas, – mais de 56 mil pessoas- possibilidade de criar mudanças socioambientais de efeito e agregar à arte o poder de mudar a realidade ambiental do planeta. Porém algo monumental como o SWU deveria exigir ações concretas e compromissadas de seus financiadores, algo além do marketing e que possam ser vivenciadas pelo público que nem seu lixo separou, deixou para os muitos funcionários uniformizados que estavam no “stand” da coleta. A mudança continua na mão de outros.
A promoção de eventos atrativos artísticamente pode e deve ser vinculada à propostas de mudanças comportamentais para evolução da utilização dos recursos ambientais, porém ele deve, primeiramente, possuir esse objetivo como ator principal, tentando ao máximo sustentabilizar-se. Pois o exemplo bem dado é que promove a visualização das soluções, e isso é assimilável ao público, assim como a música. Encontrar algo voltado ao seu objetivo principal é a coerência que eu, enquanto público cidadão, procuro. Enxergar o início individual na busca de soluções para um mundo mais sustentável, isso sim seria extraordinário!
*Estudante de ecologia. Faz estagio em ((o))eco
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