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Novo Parque Nacional protege as águas e o verde quase intacto da Serra do Itajaí, em Santa Catarina, beneficiando 500 mil habitantes dos municípios do entorno.

Eunice Venturi ·
1 de setembro de 2004 · 20 anos atrás

Fotos:Wigold Schäffer

O Parque Nacional da Serra do Itajaí, em Santa Catarina, é o mais jovem do país. Tem menos de três meses de idade e protege 57 mil hectares de Mata Atlântica. A área preservada abrange os municípios de Blumenau, Apiúna, Ascurra, Botuverá, Gaspar, Guabiruba, Indaial, Presidente Nereu e Vidal Ramos. São cerca de 500 mil pessoas convivendo com o novo Parque. Mesmo cercada pela vida urbana, a serra do Itajaí, graças às agruras de relevo que dificultam sua exploração, ainda mantém 10% da cobertura vegetal que lá havia na época do descobrimento.

A preservação dos recursos naturais gera benefícios sociais. A serra do Itajaí é generosa em águas. Embora não se saiba o número exato de nascentes, elas abastecem seus vales com cerca de 20 mil litros de água por segundo, suficientes para o consumo de 2 milhões de pessoas. Além disso, suas florestas ajudam a regular o clima, armazenam gás carbônico (CO2) diminuindo o efeito estufa e protegem o solo, evitando o assoreamento dos rios e as inundações.

A população de Blumenau conhece bem a força devastadora das enxurradas sem freio. Em 1983, três grandes enchentes deixaram saldo de 65 mil desabrigados e 11 mortos. No ano seguinte, foram mais 70 mil desabrigados. Entre 1990 e 1992, inundações produziram 45 mil desabrigados e 32 mortos. A ocupação fundiária desordenada e a degradação das matas ciliares ao longo do rio Itajaí, que chega a 100 metros de largura, diminuíram a defesa natural do vale contra períodos de chuva forte e prolongada.

Não fosse a preservação das florestas da serra do Itajaí e do escoamento de suas águas, o risco de enchentes seria ainda maior. “O Parque é muito importante. Suas florestas amortecem a onda de cheias”, explica Mário Tachini, engenheiro sanitarista e pesquisador do Instituto de Pesquisas Ambientais da Universidade Regional de Blumenau (Furb). A implantação do Parque Nacional da Serra do Itajaí ampliou em 30% o percentual de terras catarinenses protegidas por unidades de conservação federal, estadual, municipal ou particular. A área legalmente protegida corresponde a 2,6% de todo o território do estado.

“Pais” do Parque – A caminhada até a criação do Parque da Serra do Itajaí foi longa e difícil, pontilhada por conflitos e desinformação. Se chegou a bom termo, deve-se muito aos passos iniciais dados pelo empresário Udo Schadrack. Caçador, no seu convívio com a floresta ele testemunhava o progressivo desaparecimento de espécies de animais. Decidiu então encerrar todas as atividades da serraria herdada do pai, num terreno de 500 metros quadrados hoje incorporado ao Parque Nacional e fundou, em 1973, a Associação Catarinense de Preservação da Natureza (Acaprena), organização ambiental mais antiga do estado.

Em 1979, escreveu um célebre artigo intitulado “Alarma”, publicado nos jornais A Nação e Jornal de Santa Catarina, ambos de Blumenau. Nele, alertava para a degradação ambiental que começava a ameaçar a cidade e seus arredores, e comprometia-se a doar parte de sua propriedade, “na condição sine qua non que esta minha doação signifique, de fato, o início da implantação de um parque nacional na região”. Udo morreu em 1983 e seu corpo foi velado na noite da primeira grande enchente. Quem herdou sua luta pela criação do Parque foi o biólogo Lauro Bacca (foto), também fundador da Acaprena.

Cinco anos depois da morte de Schadrack, Bacca, então secretário de Meio Ambiente de Blumenau, comprou briga com o próprio prefeito, interessado em transformar a região do atual Parque em um loteamento. “Entramos com uma ação através da Acaprena e conseguimos impedir a criação do loteamento. Perdi meu emprego, mas a região foi preservada”, conta orgulhoso.

Em 1998, a Coteminas – antiga Artex – doou ao município e à Furb uma área de 5.300 hectares para a criação do Parque Municipal das Nascentes, que ganhou este nome pela abundância de córregos que nasciam dentro dos seus limites. Estudo realizado pela Furb em 2003 apontou a existência de 241 espécies de aves, 60 de mamíferos, 39 de anfíbios e cerca de 359 árvores na sua área, que acabou incorporada ao novo Parque Nacional. Há espécies endêmicas (que só existem ali) e também ameaçadas de extinção, como a canela-preta, canela-sassafrás, xaxim, gavião-pombo, pichochó e papagaio-de-peito-roxo.

A jacutinga é um exemplo da urgência de se preservar a biodiversidade local. Para Lauro Bacca, o desaparecimento da espécie em Santa Catarina foi um caso “estarrecedor”, pois há documentos comprovando a abundância dessas aves na região. Em 1866, o cientista Fritz Muller escreveu uma carta ao naturalista inglês Charles Darwin relatando que naquele ano houve um inverno rigoroso e os caçadores mataram cerca de 50 mil jacutingas. “Estou trabalhando nesta mata desde 1988, com freqüentes excursões, e nunca vi uma jacutinga. E elas existiam aos milhares e milhares e milhares”, pondera Bacca. Isto significa que “a hemorragia dos ambientes naturais está feita, mas temos que estancar, conter, segurar, e essa ‘segurada’ não pode ser dar de outra forma que não pelo estabelecimento de reservas naturais”.

O primeiro projeto para criação do Parque surgiu em 2000, durante a reunião do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica – programa desenvolvido pela Unesco. Em seguida, burocracia, morosidade, discussão e polêmica: “No apagar das luzes do governo Fernando Henrique Cardoso, criou-se um movimento que conseguiu uma liminar impedindo a criação do Parque, sob a alegação de que as pessoas não sabiam como receberiam as indenizações”, lembra Bacca. O Parque enfim saiu, mas a indefinição quanto às indenizações continua agitando os proprietários de áreas.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Indaial, Hercílio Cesário Reiter, integra a ONG Acorda Brasil, movimento contrário à criação do Parque, que propõe a transformação da região em uma Área de Proteção Ambiental (APA) – unidade de conservação destinada a proteger e conservar a qualidade ambiental e os sistemas naturais ali existentes sem desapropriar os atuais moradores. Na opinião de Bacca, a criação de uma APA não garante conservação da biodiversidade: “Esses proprietários, em algum momento, vão querem construir uma casa. Para isso, terão que ter energia elétrica e estradas que vão gerar erosão. Certamente terão seus cães, que perseguirão a fauna. Eles vão querer ter sua roça de milho, onde papagaios irão se alimentar. Eles não vão querer que o papagaio coma o milho e vão matá-lo. Por isso, precisamos preservar áreas sem a presença humana”.

Bacca diz ainda que os proprietários a serem indenizados podem ser classificados em três categorias: os que residem e sobrevivem de suas propriedades, os que residem e não sobrevivem de suas propriedades e os que possuem propriedades e não residem nelas. A primeira categoria, aquela que efetivamente poderia ser prejudicada pela desapropriação, é composta de apenas onze famílias.

A questão fundiária, como se vê, não é das mais complicadas. Mas o clima de incerteza entre os proprietários é alimentado pela ausência do Ibama. Quase três meses após a formalização do Parque, o órgão federal ainda não assumiu o gerenciamento da área e o escritório de Santa Catarina não soube o que dizer sobre a situação.

  • Eunice Venturi

    Eunice Venturi é jornalista, catarinense de formação. Experiência na produção de conteúdos sobre a Amazônia e a Mata Atlântica.

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