“Vemos muitas casas repletas de materiais tóxicos e com o ar-condicionado ligado todo o tempo. Não estou satisfeito com isso. Procuramos antes de tudo pela saúde”, disse Peter van Lengen na abertura do primeiro Encontro de BioArquitetura, o EBA 2012. O evento ocorreu em Nova Friburgo durante os dias 8,9 e 10 de novembro e pretende disseminar os princípios do movimento que quer mudar conceitos e técnicas de construção convencional. A organização foi do Instituto Serrano de Economia Criativa (ISEC) e do Centro de Tecnologia Intuitiva e Bioarquitetura, o Tibá. Lengen, curador do encontro, é filho de Johan Van Lengen, o precursor holandês da bioarquitetura e autor do livro “O Manual do Arquiteto Descalço”.
Fechando o ciclo
Um dos palestrantes foi Marcelo Bueno, idealizador do Instituto de Permacultura da Mata Atlântica (IPEMA). Ele contou como o período que passou ao lado de aborígenes australianos e sherpas no Nepal o estimularam a viver dos recursos contidos em sua propriedade, localizada em Ubatuba (SP). “Os ciclos fechados dentro de uma casa imitam a natureza e embasam o design em sustentabilidade. Por exemplo, na cozinha você pode lavar seu prato sujo de comida, e essa água vai para um filtro, que vai gerar água biofertilizada para irrigar sua horta. Quer dizer, essa água incorporada nas plantas volta para a cozinha na forma de comida, e os restos orgânicos da refeição são enviados para um biodigestor, transformando-se, novamente, em adubo para a terra da horta”.
O esforço para criar um miniecossistema dentro de casa serve ao bem comum reduzindo o uso de recursos naturais. “Recentemente, para que todos pudessem assistir ao último capítulo da novela, o Brasil teve de comprar energia fora do país e muita gente não se dá conta disso. Quando há abundância, as pessoas têm dificuldades de enxergar os limites”, disse Bueno.
Lixo é uma perspectiva
Outro destaque do evento foi o americano Michael Reynolds. “Nós inventamos o conceito de lixo, mas ele pode se tornar nosso novo recurso natural”, disse ele que é protagonista do filme “The Garbage Warrior” (em português, “O guerreiro do lixo”). Ele surpreendeu ao expor como é possível construir casas autossustentáveis a base de pneus, latas de cerveja e garrafas de vidro – materiais que ocorrem em qualquer parte do planeta.
Reynolds teve sua licença de arquiteto cassada há uma década. Hoje, convenceu as associações de arquitetura de que ele é um bioarquiteto. Ele executa uma média de 6 casas por ano com preços que variam de 4 à 400 mil dólares. “Temos clientes normais querendo uma casa diferente, empresas pedindo condomínios e hospitais que querem cortar custos. No Haiti, há pessoas em crise, que necessitam de água, energia e abrigo de forma otimizada e eficiente. Fazemos projetos para pessoas ricas ou pobres, mas buscamos igualdade entre todos através do acesso aos recursos básicos da vida”, afirmou.
No projeto Earthship (algo como Nave Terra) placas de metal extraídas de velhas geladeiras e fogões, podem se tornar componentes de turbinas eólicas verticais, que irão facilitar autonomia energética. Usando técnicas de biofertilização, água da chuva e várias camadas para produzir isolamento térmico, Reynolds e sua equipe construíram um pomar indoor em meio à aridez do estado do Novo México. A “Earthship” chamada Phoenix é capaz de produzir 50 tipos de vegetais, frutas e legumes e mantém um pequeno lago para a criação de peixes. Para cidades já existentes, ele sugere adaptar as novas tecnologias orgânicas. “Olhe os passarinhos, eles fazem seus ninhos em cima dos prédios”, disse.
No vídeo abaixo, Reynolds pesca com seu neto em lago que biofertiliza o vasto pomar da casa, usando o fósforo contido nos resíduos dos peixes.
Terra, bambu e gosto pessoal
Gernot Minke, alemão e professor de construção experimental da Universidade de Kassel, deu uma aula sobre limites de compressão e resistência de materiais como o adobe e o tijolo cru. Ele mostrou fotos da cidade de Shibam, no Iemen, cujos prédios de 5 a 11 andares foram feitos de terra há aproximadamente 1.400 anos. Shibam é um exemplo de resiliência ao tempo e uso zero de cimento, o que evita a extração do calcário, que degrada montanhas inteiras e pode contaminar os lençóis freáticos.
Minke é referência mundial em bioconstrução desde a década de 1980. Já publicou manuais sobre o uso de terra, bambu, fardos de palha, telhados verdes e jardins verticais, traduzidos em 10 idiomas.Uma das caracteristicas seus projetos são os tetos em forma de domo, que podem chegar a 7 metros de altura e são necessariamente cobertos por vegetação: “Não faço o projeto se o cliente não quiser um teto-verde. Seus benefícios para o interior da casa são incontáveis”, afirmou. Quanto ao motivo de desenhar tetos em forma semicircular, ele explicou: “Para isso não há método científico que responda. Se trata apenas da boa sensação que sinto lá dentro”.
Durante os três dias do encontro, 200 participantes lotaram o auditório do Hotel Bucsky, em Nova Friburgo. Eles receberam uma ecobag de fibras naturais, um crachá em papel-semente e um copo de plástico reciclado, para uso nos “coffee-breaks”. O evento foi patrocinado pela Apex Brasil, Energisa e Sebrae.
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