O regime de chuvas no semiárido brasileiro se divide em seis meses com alguma precipitação e seis meses de estiagem. Este ano não choveu no período das chuvas e, de acordo com a última reunião de Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, não está prevista alteração no clima. Espera-se por mais seis meses de estiagem. A seca é uma situação rigorosa para quem trabalha no campo, no entanto faz parte do ciclo de 22 milhões de pessoas. Parte da solução está no investimento em tecnologias que facilitam essa convivência com o clima. A construção de cisternas para armazenar água da chuva é uma solução simles e barata, que tem gerado bons resultados.
O principal deles está na manutenção da produção dos agricultores que possuem cisternas na sua terra. Podem beber, cozinhar, plantar e matar a sede do gado. Gente como Ivanilda Maria Torres, 45 anos, pernambucana que já migrou para São Paulo, fez o caminho de volta, passou por dificuldades e superou o tempo ruim com a manutenção do seu sítio Boqueirãozinho. Ivanilda é dona de um hectare, duas vacas, um bezerro e três cabras. Planta macaxeira, banana e maracujá. “Só consegui isso, graças às cisternas da minha casa”, orgulha-se essa agricultora de São Caetano, município a 148 quilômetros do Recife.
A história de Ivanilda Bezerra foi conhecida, no final de maio, seu pequeno sítio recebeu a ministra da Defesa Social, Tereza Campello. A visita foi a primeira que fez ao Nordeste e antecedeu o anúncio que novos investimentos na construção de 41.030 mecanismos de armazenamento de água, principalmente cisternas, uma parceria estabelecida com a Articulação pelo Semi-Árido (ASA) que se propõe a beneficiar 232 mil camponeses.
Duas tecnologias para a convivência com a seca são mais conhecidas e disseminadas: a cisterna doméstica e a cisterna-calçadão. Os reservatórios domésticos são construídos para guardar 16 mil litros da água da chuva capturados através de um sistema de calhas e canos ao redor do telhado da casa da família do agricultor.
A cisterna-calçadão tem capacidade para 52 mil litros de água. No terreno, ela é construída na parte mais baixa em relação ao plano cimentado, o calçadão (mede 10×20 metros = 200 metros quadrados). Quando a chuva cai no calçadão, a água escorre para a cisterna. O reservatório fica cheio com 300 mm de chuva. O histórico pluviométrico da região fica entre 200 e 600 mm por ano.
Retenção de água
Também serão construídas outras variações da tecnologia, mas de eficácia comprovada, como a cisterna-enxurrada, barragem subterrânea, barraginhas, barreiro trincheira, tanque de pedra, bomba d’água popular. A ideia é distribuir os R$ R$ 138,3 milhões investidos em 230 municípios, nos 9 estados do semiárido. Vão ser incorporadas ao programa 100 organizações civis e capacitados 84 pedreiros, os cisterneiros. Eles vão se transformar em agentes multiplicadores e repassarão o “como fazer” às famílias beneficiadas, que constroem as cisternas com apoio de vizinhos na comunidade.
Os investimentos do governo em cisternas começaram em 2003, de forma experimental e se tornaram uma política pública, com verba orçamentária específica a partir do governo Lula. A região com quase 1 milhão de quilômetros quadrados possui 600 mil cisternas domésticas construídas. Precisa de mais 700 mil. “Nosso projeto é zerar o acesso à água no semiárido, durante essa gestão do governo federal”, anuncia a ministra Tereza Campello, que utiliza os recursos do Plano Brasil sem Miséria para atingir seu objetivo.
Nesses planos, governo e ONGs se distanciam um pouco. A Articulação pelo Semi-Árido prega a construção, apenas, de cisternas feitas de placa de cimento. Além da durabilidade, argumenta o coordenador Naildison Baptista, esse modelo de reservatório é feito com a participação da comunidade, que aprende como fazer. O governo, no entanto, prevê que metade desse total será de cisternas de polietileno (um tipo de plástico).
Clima em mutação
O rigor dos eventos climáticos está se tornando maior e esses fenômenos estão exibindo novas características. Esse ano a previsão indicava que haveria precipitações no período de chuvas e o tempo foi de seca rigorosa. O meteorologista Felipe Faria, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), explica que o fenômeno pode ser explicado em razão da temperatura das águas do Oceano Atlântico estarem um pouco abaixo da média. “Isso dificulta o processo de evaporação e favorece pouca condição para formação de nuvens”
Os encontros para as previsões climáticas, que ocorrem mensalmente na Agência Pernambucana de Água e Clima, também não previram essa seca excepcional. “Nossas reuniões climáticas não apontavam a estiagem. Ela começou a aparecer de forma rápida e foi uma mudança não esperada”, relata o meteorologista Vinícius Gomes. A mesma situação foi vivenciada pelos especialistas do Centro de Previsão do Tempo do Inpe. “Acreditávamos que seria diferente, que deveria ter pouca chuva, mas que deveria ter chovido”, disse Felipe Faria. Ele acrescenta que, desde janeiro, os modelos indicaram condições de pouca chuva na estação.
*nota editada em 28/6/12, às 18h25
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