Durante a corrida presidencial, a candidata foi um trunfo atraente e trouxe ventos que pareciam transformadores do cenário político nacional. Meses depois, quando propôs uma reforma interna dentro do partido que a acolheu, ela é considerada um estorvo e devorada pelas beiradas. A trajetória de Marina dentro do PV está prestes a ser encerrada. A ex-senadora que conquistou 19,6 milhões de votos nas eleições presidenciais de 2010 e estabeleceu de vez o ambientalismo na pauta política, agora se dá por vencida e vê-se obrigada a deixar a legenda que mais se aproxima de seus ideais.
A crise se intensificou nas últimas semanas, e Marina deve anunciar sua saída nos próximos dias. Sem o respaldo da maioria dos membros da Executiva Nacional para as mudanças políticas que deseja, ela se manterá fora de qualquer partido até 2013, quando pretende criar uma nova legenda destinada a dar sustentação à sua provável candidatura presidencial em 2014. Até lá, liderará um movimento que tem como conceito: “Verdes e Cidadania”. Outros partidos, como o PMDB, já lançaram olhos sobre o “troféu verde”, mas ela prefere concentrar-se na criação desse novo caminho, mais ligado às suas próprias ideologias.
Braço-direito de Marina na campanha eleitoral, o deputado federal pelo Rio de Janeiro foi o único, até o momento, a declarar que irá acompanhar a ex-candidata, ainda que, por ora, não se desfilie do PV. Alfredo Sirkis falou com exclusividade a ((o)) eco sobre a separação partidária e a criação do novo movimento, do qual, posteriormente, nascerá uma nova sigla.
((o)) eco – O que é o “efeito Marina” para você, para além da campanha presidencial de 2010?
Alfredo Sirkis – Iniciei minha vida política em 1967, no movimento estudantil, e comecei a fazer política institucional em 1988. A campanha da Marina para mim foi um fenômeno novo. O “efeito Marina”, então, seria a relação de profundo afeto que ela conseguiu criar com um contingente considerável da população – 20% do eleitorado –, um segmento bastante diversificado da sociedade brasileira, com o qual ela estabeleceu um vínculo de coração. O que é coisa muito rara na política brasileira, onde há uma enorme rejeição aos políticos em geral. Hoje, passados cerca de 9 meses das eleições, você anda na rua com a Marina e o clima de afeto é igual ao da campanha, as pessoas param, querem tirar foto, conversar, tocar. Então, o “efeito Marina” é exatamente isso: essa pessoa que conseguiu falar ao coração dos brasileiros.
((o)) eco – Dá a impressão, depois da crise que vem se agravando, que dentro do PV esse “efeito” foi contrário. Houve mais rejeição após o período eleitoral ou essa crise já vinha num crescente dentro do partido? Porque parece que, enquanto um trunfo presidencial, ela era interessante, e, depois, propondo uma reforma partidária, ela é considerada um estorvo dentro do partido. Como fica, então, o “efeito Marina” dentro do PV?
Sirkis – Na verdade, a luta entre o segmento “ideológico programático” e o segmento “fisiológico clientelista” dentro do Partido Verde é antiga. Ela se dá basicamente a partir do início da década de 2000, quando eu saí da presidência nacional do PV em 1999, numa convenção em que o José Luiz Penna (PV-SP) foi eleito pelo voto, e o centro de gravidade do partido se transferiu do Rio de Janeiro para São Paulo – e a política paulista tem uma série de características diferentes da do Rio. O PV, que na minha época e do Gabeira era um partido basicamente ideológico, passou cada vez mais a atrair políticos convencionais, que, no entanto, sempre coexistiram com militantes do movimento ambientalista. Essa tensão entre os “convencionais” e os militantes ou intelectuais, produtores culturais, sempre existiu dentro do PV quando ele começou a ter um crescimento quantitativo.
A vinda da Marina foi mais um episódio desse confronto. Para o segmento ideológico do PV, a sua chegada representou uma benção, era um grupo de pessoas que veio, de certa forma, a nos reforçar, a nós, que há algum tempo já éramos minoria dentro da Executiva Nacional. O ingresso dela sempre foi visto com resistência por esse segmento politicamente mais tradicional e atrasado, representado pelo Penna e pelo Zequinha Sarney (José Sarney Filho – PV-MA). No entanto, eleitoralmente era conveniente tê-la como candidata a presidente, por razões óbvias. Houve um resultado extraordinário nas eleições presidenciais, mas esse resultado não se refletiu nas mesmas proporções – nem perto disso –, nas eleições parlamentares. O que é muito compreensível, porque na verdade esse crescimento se refletiria nas próximas eleições, não naquela. De qualquer maneira, esse segmento começou a dizer que, afinal, o “fenômeno Marina” não havia beneficiado o partido.
Por outro lado, as ideias que ela colocava, de que deveríamos passar por um processo eleitoral interno, de eleger as comissões municipais, de acabar com as comissões provisórias, que são nomeadas pela executiva nacional; ou seja, todo esse processo que ela começou a ventilar para o PV causou um incômodo na burocracia dominante, às pessoas que controlam o aparelho do partido, à imagem e semelhança de todos os demais partidos.
No caso do PV, a maioria bastante folgada que o Penna tem na Executiva Nacional provém de acordos de natureza clientelista interna que ele faz com pessoas que passam a ser responsáveis pelo partido em determinados estados. Em alguns casos são políticos absolutamente convencionais que, além disso, têm alianças com segmentos que são completamente avessos ao ideário do partido. Exemplos disso ocorrem em Rondônia, onde havia um conluio com o Ivo Cassol (senador pelo PP-RO); no Amazonas, onde existe um conluio de longa data com o Amazonino Mendes (senador pelo PTB-AM), e no Mato Grosso, onde havia conluio com o Blairo Maggi (senador pelo PR-MT), além de Brasília, que tinha conluio com o José Roberto Arruda (ex-governador do DF pelo DEM).
((o)) eco – Mas que tipos de conflitos havia?
Sirkis – Não faziam a campanha da Marina, não queriam lançar candidato a governador que apoiasse a campanha da Marina, queriam, quando muito, ter um candidato a deputado estadual numa coligação, para poder descolar uns cargos pequenos. Eles podiam até usar a Marina como símbolo, mas não mergulharam no espírito da coisa. Trabalhavam em causa própria e não na causa mais ampla do partido. Priorizavam inclusive candidaturas outras, que não tinham nada a ver conosco. Por exemplo, no Amazonas a grande prioridade deles foi apoiar a candidatura do Arthur Virgílio (PSBD-AM) para o Senado Federal. Nesses estados conflituosos, a campanha foi feita basicamente por fora do partido, pelo Movimento Marina Silva. Ou seja, são conflitos que já precediam essa fase eleitoral.
Já na fase pós-eleitoral, em primeiro lugar, demorou cinco meses para haver uma reunião da Executiva Nacional. Quando ela aconteceu, eles já tinham uma proposta pronta apresentada pelo Sarney, que prorrogava por mais um ano o mandato do Penna, já há 11 anos no poder. Isso desencadeou as hostilidades internas e, desde então, nós viemos travando essa luta. Colocamos uma série de condições básicas para poder permanecer no Partido Verde, que são, entre outras: eleições para os conselhos municipais, corrigir a situação nesses estados problemáticos, limitar o mandato do presidente em dois anos, e fazer uma convenção até o final do ano. Mas, aparentemente, pelo menos até o momento em que concedo essa entrevista, nada disso foi aceito, e há uma campanha de hostilidade contra a Marina dentro do PV, como se essas pessoas de fato quisessem que ela saísse.
((o)) eco – Mas não seria só a Marina a sair, ela leva consigo um grupo de peso dentro do partido, não? Por exemplo você, o Gabeira, que fundaram o PV.
Sirkis – Eles não gostariam que o Gabeira e eu saíssemos, porque a burocracia sozinha não se sustenta, precisa ter – digamos – os emblemas. Mas nós estamos fartos de sermos usados apenas como imagem. Essas tensões que explodem no momento sempre existiram, mas nesse momento chegaram ao ponto de ebulição.
((o)) eco – Você e o Gabeira foram fundadores do PV, você escreveu o manifesto do partido, e como que se chega ao ponto de, agora, se verem encurralados e dominados por esses “burocratas”, menos ideológicos e mais “políticos convencionais”, como você os chama?
Sirkis – O problema principal foi quando o eixo organizacional se deslocou para São Paulo, e começou a haver um fortalecimento dos dirigentes paulistas, que tinham uma visão muito mais pragmática do processo. Eles foram controlando o crescimento do partido na maioria dos estados, sempre fazendo alianças. A questão é que é muito difícil escapar da cultura política brasileira como ela é. A cultura dominante é a do fisiologismo e do clientelismo. Seria um milagre que o Partido Verde permanecesse completamente incólume, mas admito que temos nosso quinhão de responsabilidade nesse processo, para chegarmos ao ponto de sermos minoria dentro do partido que nós mesmos fundamos. O fato é que hoje representamos aproximadamente 40% dentro da Executiva Nacional.
((o)) eco – E vai acontecer, de fato, essa dissidência, essa separação? É possível a criação de um novo partido?
Sirkis – Nesse momento estamos trabalhando com a ideia de criar um movimento, cujo conceito é “o movimento dos verdes e cidadania”. É um conceito, não um nome. O nome ainda não existe. A ideia é que seja um movimento político, que será formado com base em pessoas que vão sair do PV, outras que permanecerão, outras sem partido, e outras mais de partidos diversos, que desejarão ingressar. O movimento busca uma capilaridade nacional intensa, se organizando nas ruas, com uso intensivo da internet e dos mecanismos de redes sociais. O movimento tem a Marina e os dirigentes como pólos de atratividade, mas tem objetivo de delegar o poder de se espalhar, de se auto-organizar, de criar mecanismos de deliberação e escolha através da internet e das ruas.
Como já defendíamos dentro do PV, é uma passagem de bastão para uma nova geração. Essa geração que chamam de “Y”, e que tem uma enorme consciência ambiental. Esse novo movimento quer resgatar essa energia, encontrar as formas da nova democracia, que seja pela consulta intensa nas redes. Em relação às tomadas de decisão, você pode ter 20 mil decidindo ao invés de apenas 20. Vamos investir nisso para que, depois das eleições de 2012, esse movimento possa se tornar um novo partido.
((o)) eco – Você ainda tem esperança de que ocorra uma mudança estrutural dentro do PV?
Sirkis – Em política tudo é possível. Não me parece que vá acontecer nada disso, eu diria que é mais provável que o PV se funda com outro partido, pode até ser com o PSD, pois o Penna é muito ligado ao Gilberto Kassab (DEM/PSD-SP). O problema será o que fazer com a Kátia Abreu nesse contexto (risos). De qualquer maneira, um partido não é nunca um objetivo em si. E é justamente isso que diferencia um militante do burocrata: o militante vê o partido como instrumento para uma causa, enquanto que o burocrata o vê como o objetivo em si. Hoje, essas pessoas que se colocam contra a Marina têm o “fetiche do partido”.
((o)) eco – Caso haja a cisão, então, você e o Gabeira vão junto?
Sirkis – No meu caso, a Marina saindo eu irei me afastar do PV. A forma como farei isso ainda tenho que analisar à luz da resolução do TSE que pune a “infidelidade eleitoral”, porque uma pessoa que sai de um partido está arriscada a perder o mandato por um processo movido não só pelo partido como também por um suplente.
((o)) eco – Para sair de um partido, então, qual é o procedimento legal?
Sirkis – Você deve ser fundador de um novo partido; ou sair e, quando contestado judicialmente, afirmar que foi perseguido ou que o partido traiu seus ideais programáticos.
((o)) eco – Mas não foi isso que aconteceu, de fato?
Sirkis – Sim, mas eu não quero me expor a um processo no TSE e ter a distração de acompanhar uma briga judicial. Estou vendo um mecanismo em que eu possa me afastar sem ter que enfrentar uma ação.
((o)) eco – Haveria algum outro partido ao qual você possivelmente se filiaria?
Sirkis – Não. O Partido Verde ainda é o “menos pior” dos partidos brasileiros. Com todos os problemas internos, foi o único, junto com o Psol, que todos os 12 presentes votaram contra o relatório de Aldo Rebelo e contra a Emenda 164 do Código Florestal. Mas nós não podemos nos contentar com o “menos pior”, e essa foi a mensagem que a Marina sinalizou.
((o)) eco – Nesse momento, então, você acha que o lançamento do livro “O efeito Marina” foi oportuno? Você mostra que o ideal do PV iniciado por vocês é outro, expõe a questão do carisma, do voto pelo coração, pela ideologia, que é o oposto do que se vê nessa disputa interna, não?
Sirkis – No livro fica clara a tensão que já existia no interior do Partido Verde. Ali está uma eventual antecipação do que vem a ocorrer agora. No texto eu me referia ao “efeito Marina” daquele momento das eleições, em que ela criou esse vínculo de carinho com o eleitorado, mas hoje de fato há um outro tipo de “efeito Marina”. Apesar de o livro não cobrir a crise pós-eleitoral especificamente, creio que é uma leitura útil não só para conhecer como foi a jornada até se chegar à situação atual, mas também como uma reflexão a respeito da vida política.
((o)) eco – Saiu na mídia que a Marina anunciaria sua saída oficialmente já nesta semana. Essa informação procede?
Sirkis – Ela ainda não tomou uma decisão oficial, pois depende muito do outro lado. Pode ser que eles caiam em si, que percebam o erro crasso que estão cometendo.
((o)) eco – Mas existe um ultimato, um prazo?
Sirkis – Isso já venceu faz tempo. As condições foram aquelas que eu expus no último post do meu blog, e eles já estão na prorrogação, “depois dos 45 minutos do segundo tempo”. Ficaram de dar uma resposta e até hoje não deram.
((o)) eco – Isso pode ter um grande efeito negativo para o PV tanto nas eleições de 2012 quanto nas de 2014, não?
Sirkis – Essa separação não é boa para ninguém. Apesar de para nós ser um momento de libertação, de dedicação ao movimento e até de nos despreocuparmos com aspectos desgastantes e desagradáveis de luta interna, de certa forma todos saem perdendo.
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