Parque Nacional do Araguaia (TO) – Atravessar o rio Javaé para a Ilha do Bananal é um alívio. De Lagoa da Confusão, município tocantinense a 203 quilômetros de Palmas, até a travessia são cerca de 50 quilômetros de uma monótona paisagem de arrozais, que se estendem outros tantos quilômetros adentro.
Por sua grande extensão de várzeas proporcionada pela Bacia do Rio Araguaia, a região atrai investidores na produção agrícola e bovicultura. Numa vista aérea da divisa do Parque Nacional do Araguaia (PNA), percebe-se o limite entre exploração e conservação.
A produção é grande. Nesta época de cheia, os lagos transbordam e o rio Javaé, braço menor do Araguaia, avança com fartura inundando as terras e impulsionando a produção dos extensos campos de arrozais, cultivados com implementos agrícolas pulverizados acima do limite proposto por lei. Também é grande o impacto ambiental negativo, contabilizado principalmente pela contaminação dos rios que abastecem as aldeias.
A rizicultura, praticada pelos grandes fazendeiros, bebe das águas dos rios e dos lagos, sugada na maioria dos casos irregularmente. Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), virtualmente todos os empreendimentos operam sem autorização do PNA, pois o Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins), que concede as licenças e outorgas, não tem encaminhado com freqüência os processos de licenciamentos para a anuência da Unidade, conforme estabelecido pela legislação.
Denúncia
200 milhões
No último dia 10, o assessor especial do Ministério da Integração Nacional, Ramon Flávio Gomes, esteve no Tocantins a convite do governador Siqueira Campos, para apresentar os novos projetos de investimento na agricultura no Estado. Ramon informou que durante os próximos quatro anos serão investidos cerca de R$ 200 milhões para reformulação e recuperação de projetos de agricultura irrigada, já instalados no Tocantins, como o Projeto Formoso, vizinho a Ilha do Bananal. |
No início deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) no Tocantins ajuizou denúncia e ação civil pública contra o empresário Natalício Slongo Júnior e a empresa rural Agropecuária Indústria e Comércio Barreira da Cruz Ltda, por causar danos ao meio ambiente na região da Ilha do Bananal e por agir em desacordo com a legislação ambiental.
A Justiça Federal determinou que a empresa interrompa o funcionamento do projeto de agricultura irrigada, até a expedição de licença ambiental. Junto da determinação, o proprietário também deverá demolir toda a área construída em APPs, e apresentar, no prazo de 90 dias, projeto de recuperação do dano causado às áreas atingidas.
O laudo da Polícia Federal aponta que a área está bastante alterada pelas atividades desenvolvidas, principalmente a cultura de arroz irrigado, que motivou a remoção quase completa da vegetação nativa e a drenagem das várzeas. O solo e parte das lagoas foram drenados, e as ipucas, fragmentos florestais importantíssimos para a biodiversidade do local, desmatadas e picotadas por estradas. As pequenas porções destes fragmentos que ainda restam, só não foram destruídas por estarem protegidas pela sua característica natural alagadiça, que impede a entrada dos tratores.
Esta última, por conta da agricultura de arroz, está sendo acusada de impedir a regeneração da vegetação nativa, fazendo estradas e acampamentos usados por veranistas, dentro da APP, sem a devida licença do órgão ambiental, além de haver indícios de armazenamento irregular de embalagens de agrotóxicos na área.
Com mais de 200 páginas, o procedimento administrativo do MPF que reúne todas as irregularidades no uso de agrotóxico na região, relata uma grande quantidade de fazendas que utilizam o produto indiscriminadamente. Mal armazenado e pulverizado nas margens dos rios, o defensivo agrícola está poluindo as águas e alterando a paisagem local. Mais adiante, estas mesmas águas abastecem as várias aldeias indígenas, como a Boto Velho.
Seca em época de cheia
Algumas lavouras chegam até o limite do PNA, não respeitam a área circundante de 10 quilômetros do parque. “Há produtor que está fazendo quase que uma transposição do rio. Quantos milhões de metros cúbicos de água eles puxam por dia?”, altera-se Paulo César Huruká Javaé, 37 anos, liderança na aldeia Boto Velho, que diz não “engolir” a prática dos fazendeiros, atribuindo a eles a baixa dos rios. “É claro que isso contribui também. Nós só não tivemos como comprovar ainda o impacto desses canais de irrigação, o que fizeram até agora é superficial”, completa.
Chefe do PNA, Fernando Tizianel, conta que em 2007 foi realizada uma operação nas fazendas e algumas foram embargadas pelos projetos de irrigação irregulares. Por conta das queimadas que consumiram quase metade do Parque no último ano, os agentes da Unidade tiveram que deixar a fiscalização nas fazendas só para 2011.
Embora não existam dados atuais sobre a estrutura fundiária, a maior parte das terras pertence a médios e grandes proprietários, com propriedades acima de 5 mil ha. A monocultura de arroz ou soja é praticada por grandes proprietários, cuja maior parte da produção é enviada para Goiás e estados do Nordeste.
De acordo com o mesmo Plano, as barragens do rio Formoso para irrigação das lavouras de arroz e a drenagem do rio Javaé para o estabelecimento desta monocultura trarão, em um futuro próximo, fortíssimos impactos negativos para os ecossistemas do Parque e da região, descaracterizando os atributos naturais e ameaçando a manutenção e produção dos recursos hídricos e bióticos.
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