Recife – O Centro de Mamíferos Aquáticos em Itamaracá, Região Metropolitana do Recife, vive um momento singular. É conhecido em todo país pelo seu trabalho de conservação do peixe-boi marinho, comemora 30 anos de atividades, iniciou uma agenda de reintrodução de animais à natureza praticamente ao mesmo tempo em que investiga a morte de dois peixes-boi e quadro convulsivo em outros três. A situação se tornou tão incomum que a Polícia Federal foi chamada, abriu inquérito e investiga as ocorrências.
A primeira morte ocorreu no dia 18. Maya estava em um tanque com outros oito mamíferos. Ela tinha passado por uma longa bateria de exames para atestar a sua saúde, parte do protocolo para reintrodução de um peixe-boi à natureza, além da pesagem, medição e análise clínica. Maya começou a passar mal na noite do dia 17 e às 7h da manhã foi encontrada morta.
No dia seguinte, novo óbito. O peixe-boi Zoé teve um longo período de convulsões, paradas respiratórias tratadas e revertidas pelos veterinários. O animal teve novas convulsões e morreu no dia 19, relatou a bióloga Fábia Luna, chefe do Centro de Mamíferos Aquáticos. A situação estava tensa e ficou pior quando outros três peixes-boi começaram a ter convulsões (que foram tratadas). Todos estavam no mesmo tanque.
A morte pode ser natural em um centro de pesquisas com 34 animais em cativeiro, no entanto os números da Fundação Mamíferos Aquáticos (FMA), que trabalhou como parceira próxima do centro até este ano, mostram que não é bem assim. Entre 1995 e 2001, período classificado como crítico por todo o processo de implantação do centro, análise de qualidade da água, a média de mortes ao ano foi de 2,4. Entre 2002 e até o ano passado, depois do conhecimento adquirido, a média caiu para 0,6 óbitos por ano. Entre 1991 e 2009, foram resgatados 70 peixes-boi e, destes, 22 morreram no período de reabilitação.
Pelas características do evento e para afastar qualquer suspeita, Fábia Luna chamou a Polícia Federal, que abriu inquérito e está responsável pela necropsia do segundo mamífero morto. O primeiro foi analisado no laboratório que o centro possui. A busca pela causa da morte também teve apoio da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e do Instituto de Medicina Legal (IML). Foram feitos exames patológicos e toxicológicos. A especulação, não confirmada nem desmentida por Fábia Luna e Maurício Andrade, é que os animais podem ter sido envenenados.
Preocupação
Independentemente da causa da morte, a Fundação Mamíferos Aquáticos (FMA) manifestou sua preocupação com as mortes. A presidente da FMA, Denise de Freitas Castro, enviou mensagens para o centro e outros parceiros, e foi crítica severa com a manutenção da agenda de reintrodução de três peixes-boi à natureza, que ocorreu no dia 23. “Transportar os animais depois de dois óbitos é preocupante. Isso não deveria acontecer”, afirma. Denise tem a autoridade de bióloga especialista em peixes-boi desde 1993.
O principal motivo do seu alerta contrário ao transporte dos animais, depois das duas perdas, está no fato de que as causas que levaram a essas mortes não foram identificadas. “Se os animais que morreram em dias sucessivos e adoeceram repentinamente, isso deveria ter sido analisado com calma, antes do deslocamento dos mamíferos”, argumenta.
O pesquisador da FMA, João Carlos Borges, completa o raciocínio de Denise. “A morte é preocupante também pelo fato de que o animal que morreu estava para ser reintroduzido e, apenas animais em perfeitas condições de saúde, aprovados em exames laboratoriais e em análises clínicas estão em condição de serem levados para serem soltos”.
A preocupação é afastada por Maurício Andrade, veterinário e coordenador do centro em Itamaracá. De acordo com ele, os três animais que tinham sido escolhidos para serem transportados foram selecionados entre dois filhotes (sem nome) e o peixe-boi fêmea Ariel. Todos eles nascidos em cativeiro e bastante saudáveis. Os três estavam em um local diferente do tanque onde foram verificadas as mortes e convulsões.
A decisão de manter o deslocamento até a nova base em Porto de Pedra foi de Fábia Luna, que disse ter consultado outros especialistas para chegar a essa decisão. “A operação não é simples, envolve uma logística complicada e decidimos não desperdiçá-la”, disse. Com relação à bateria de exames e análises pelas quais os animais passam antes de serem levados em uma viagem rodoviária por cerca de seis horas até a base em Alagoas, Fábia disse ter se apressado. “O resultado de alguns exames ainda são esperados, mas enquanto isso os animais são mantidos no cativeiro natural”, acrescenta a chefe do Centro de Mamíferos Aquáticos.
O cativeiro natural em questão está na base em Rio das Pedras, município no litoral norte de Alagoas. A base fica no estuário do Rio Tatuamunha e a região faz parte da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais. No Tatuamunha, os animais são visitados por turistas e pela comunidade que tratou de batizar os peixes-boi que chegaram sem nomes. Um se chamará Chiquito (filho da fêmea de peixe-boi Chica, uma quarentona, conhecida dos recifenses mais velhos que a visitavam na Praça do Derby, na região central do Recife) e outro Amunha (em homenagem ao Rio Tatuamunha).
Centro precisa de cuidados
As más notícias chegaram logo quando os ambientalistas do Centro de Mamíferos Aquáticos planejavam uma agenda positiva, como animais sendo levados para a outra base, na Paraíba, e reintrodução à natureza, com anúncio de animais nascidos em cativeiro e os projetos de novas instalações. No entanto, a impressão externa para os visitantes não é aquela esperada para um endereço referência em conservação de uma espécie ameaçada. O centro é endereço obrigatório de turistas em Itamaracá, de admiradores da natureza e de estudantes.
As paredes dos oceonários estão sujas, falta manutenção de um modo geral e os monitores são poucos. O museu do centro fica em uma estrutura anexa e não é bem resolvido. A área de exposição é grande em relação aos materiais expostos (mapas, alguns esqueletos de golfinhos, crânio e outros ossos de baleia, reproduções de mamíferos aquáticos e animais empalhados).
Fábia Luna defende o centro, embora reconheça problemas antigos na pintura externa dos oceanários por causa da utilização de água salgada para os peixes-boi. Esse problema está sendo cuidado, afirma. Ela conta que está sendo construído dois novos tanques em formato de ele, com recursos do ICMBio e da Petrobras.
Pesquisa
A melhor notícia referente aos peixes-boi está fora do cativeiro. Os primeiros dados de uma pesquisa para se criar um mapa com a atual distribuição desses mamíferos na costa nordestina chegou a números considerados animadores pela pesquisadora Danise Alves e o veterinário da FMA João Carlos Borges. Eles registraram em sobrevoo 41 animais em 36 avistagens. Esse dado leva a uma estimativa populacional de 423 animais – antes a população estava estimada em 300 peixes-boi. Os números não são finais, pois os pesquisadores estão trabalhando os dados.
Danise e João Carlos avisam para ninguém comemorar, também. Embora aparentemente a população na natureza tenha ficado maior, os perigos para a vida animal aumentaram. “Registramos vários impactos que podem influenciar direto ou indiretamente na ocorrência da espécie no litoral nordestino”, disse Danise. A destruição dos mangues pela prática de carcinicultura e a pesca de arrasto são as principais ações.
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