Leandro dos Santos Jacintho deixou um cargo no Ministério da Previdência e vem aprendendo e ensinando meios práticos e inteligentes para aproveitar os recursos naturais do Cerrado. O administrador de empresas de 28 anos recebeu a reportagem de O Eco e revelou alguns segredos da chácara Asa Branca, a menos de trinta quilômetros do centro político do país.
O espaço pertence à família desde o início dos anos 1980 e é usado há dez anos para experimentos com a chamada permacultura, conjunto de conhecimentos ancestrais e modernos reunidos desde os anos 1970 por Bill Mollison e David Holgren. “Graças a deus conhecemos a permacultura, senão teríamos feito uma chácara convencional, ‘limpando’ o Cerrado. Essa técnica permite conhecer os recursos e usá-los com inteligência”, disse.
E assim foi feito. A casa de Jacintho foi construída para receber a maior quantidade de vento, tem generosas janelas e todos os cômodos são vazados. Isso lhe proporcionou grande economia de energia com iluminação e ventilação. E nada de cimento, tijolo e outros materiais tão usados na construção civil. A residência de dois andares e duzentos metros quadrados cresceu com o barro do chão, bambu e reforço de malha de ferro. A técnica é semelhante a do pau-a-pique (taipa). (Reportagem continua abaixo)
Tudo se transforma
O buracão que cedeu terra para erguer a casa da família se transformou em dos quatro tanques da chácara. Três deles aproveitam o desnível de sete metros do terreno para armazenar até 180 mil litros de água. Outro, de 70 mil litros, ganha volume com a água que escorre pelo telhado. Um sistema simples e engenhoso descarta os primeiros litros, impregnados com a limpeza da cobertura.
Os banheiros ficam fora da residência e são “secos”, não repetem o erro de usar água potável ou tratada para dar fim a certos resíduos. Graças a princípios básicos da Física e da Química, o material desce até reservatórios onde se transformará em adubo, usado em vários pontos da propriedade, menos nas hortas. A água quentinha dos chuveiros é aquecida pelo sol.
O que mais se vê na Asa Branca é Cerrado. Ele cobre quase toda a propriedade. Moradores e visitantes se movimentam em trilhas de terra vermelha abertas com o menor desmatamento possível. Os caminhos mais percorridos ganharam um toque especial: retalhos de mármore. “É o ‘lixo’ do vizinho”, explica Leandro. Por essas vielas ladrilhadas em preto e branco alcançamos outros pontos da chácara, como duas residências mais antigas.
Uma delas exibe em suas extremidades os troncos retorcidos típicos do Cerrado. Em outra, o telhado é coberto por um verdejante gramado. Foi a maneira encontrada pelos locais para reduzir a derrubada de árvores e garantir conforto térmico e sonoro. Há países europeus onde o uso de coberturas verdes é estimulado para reduzir a emissão de calor para a atmosfera. Vegetais com raízes curtas crescem bem nesses locais. “Charme e beleza também contam”, disse.
A parte mais elevada do terreno foi reservada para uma agrofloresta. Onde havia degradação, agora crescem espécies como manga, mandioca, margaridão, guandu, feijão, abacaxi, jatobá, eucalipto e palmeiras. Conforme Leandro, o tempo ajudará na formação de uma nova mata, oferecendo até madeira para construções.
Em outra área, alface, tomatinho, rúcula, feijão-guandú e berinjela são cultivados em hortas bem diferentes das convencionais. Elas têm o formato de mandalas, facilitando a circulação entre os canteiros para preparação da terra e cultivo. Os excedentes da produção são vendidos.
Sustentabilidade na prática
A sustentabilidade financeira é o desafio no horizonte próximo da chácara, reconhece Leandro. A propriedade ainda depende de recursos da família. “Ninguém se sustenta sozinho, nem o planeta, que precisa do sol. Solucionaremos o que for possível com o que temos aqui dentro”, ressaltou.
Desde 2002, o local recebe alunos e professores de escolas do Distrito Federal. Mês passado, foram todas as 13 sextas séries do Colégio Sigma, de Brasília. Além da visitação, obtém dinheiro com cursos, consultorias e novos viveiros devem ser implementados para elevar a produção e venda de mudas. Apesar das dificuldades, a determinação parece ser a maior fonte de sustento na propriedade. “Antes morávamos no Lago Sul (bairro nobre de Brasília), hoje bebo água da chuva e uso banheiro seco, mas minha qualidade de vida só aumentou. Não tenho angústia sobre o futuro, porque o que fazemos é bom e necessário”, disse.
A chácara Asa Branca é uma das propriedades ligadas ao Ipoema – Instituto de Permacultura, Ecovilas e Meio Ambiente. O trabalho vem ganhando tanto corpo que ganhou apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia e do governo do Distrito Federal para implantar técnicas permaculturais no Parque da Asa Sul. Outra iniciativa é desenvolvida no Jardim Botânico da capital federal. “Quem sabe essas experiências não se tornam políticas públicas?”, arremata Leandro.
Atalhos:
Chácara Asa Branca
Ipoema – Instituto de Permacultura, Ecovilas e Meio Ambiente
Saiba mais:
A tragédia dos comuns
Cultura Permanente
Permacultura e gestão socioambiental
Sociedade enfezada
Arquitetura ao natural – com Johan Van Lengen
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