Maranhense que se apaixonou pelas cavernas durante a adolescência vivida no Planalto Central, o geógrafo Jocy Brandão Cruz (foto) está à frente do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (Cecav/ICMBio) há três meses e tem apoio de grupos de espeleologia. Desde a semana passada, com o lançamento de um programa para proteção e estudo das cavernas brasileiras, os desafios do cargo se agigantaram. No último sábado, a reportagem de O Eco o acompanhou à Gruta dos Ecos, uma das mais belas do país, onde topamos com um grupo de visitantes irregulares. Problema nacional. Na entrevista abaixo, ele comenta os planos oficiais para criação de unidades de conservação e mostra que não são poucas as pedras no caminho da proteção das cavernas. “Dizem que no Cecav a gente fala em caverna o tempo todo, mas não é verdade. Durante o dia a gente fala, à noite a gente sonha”, disse.
Leia a entrevista:
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Foi publicada há poucos dias a portaria do “Programa Nacional de Conservação do Patrimônio Espeleológico”. O que ele propõe e como funcionará?
Jocy Brandão Cruz – É a última etapa para regulamentação do Decreto 6.640/2008, a nova legislação nacional para conservação e uso de cavernas. O programa prevê inventários anuais sobre o patrimônio espeleológico, planos de ação, diagnóstico das cavidades e o lançamento da Revista Brasileira de Espeleologia. A portaria também atende a uma resolução de 2004 do Conselho Nacional do Meio Ambiente que já previa um programa desse tipo, traçando diretrizes pra ações de conservação do patrimônio espeleológico, com pesquisa, criação de áreas protegidas, uso sustentável e geração de conhecimento. O programa foi construído a partir das análises do próprio Cecav, refletindo sobre necessidades do patrimônio brasileiro. Ele também traz claramente as diretrizes para atuação do órgão, e temos até 180 dias para detalhá-lo. E em noventa dias será definido um comitê que auxiliará nesse trabalho, com representantes de entidades e de setores de fora do governo.
É uma tarefa e tanto. O Cecav tem pessoal e recursos suficientes?
Antes da divisão do Ibama e criação do Instituto Chico Mendes, tínhamos cerca de 40 servidores. Depois, ficamos com dezenove. Agora temos 26 pessoas. A equipe está lentamente sendo recomposta. O programa nacional não é exeqüível sem parcerias, sem colaboração externa. Isso se traduz em uma excelente oportunidade para a espeleologia brasileira seguir apoiando o Cecav, como fez na instrução normativa que definiu os critérios de relevância das cavernas. No programa nacional, esperamos a mesma coisa, de empreendedores a ambientalistas, governos e espeleólogos. Disponibilizaremos em nossa página instruções para que grupos de espeleologia e empresas comparem seus dados com os do Cecav e enviem informações que o governo não tem.
E dinheiro?
Esperamos recursos no orçamento do ano que vem. Se depender da gente, vamos brigar e muito para ter mais recursos.
Espeleólogos estimam que as cavernas brasileiras são cerca de cem mil. Pouco mais de 7 mil estão registradas no Cecav. Dessas, quantidade mínima está dentro de áreas protegidas. O programa prevê a criação de apenas 30 unidades de conservação.
Há pelo menos outras mil cavernas conhecidas, esperamos que elas estejam cadastradas no Cecav até o fim do ano. Sempre buscamos áreas para criar unidades de conservação, mas agora temos metas. Mas elas devem ser criada da forma correta, terem planos de manejo e que sejam de preferência de proteção integral. Algumas serão criadas pelos estados. Temos uma relação de aproximadamente 50 locais propícios à conservação, mas isso depende de estudos sobre a relevância dessas cavidades, usos e ocupação, até para se identificar qual tipo de área protegida é mais interessante. Entre esses processos, estão os de cavernas como Trapiá (RN), Kamukuaká (MT), Serra do Ramalho (BA), Maroaga (AM), Pratinha (BA), Pains (MG), Paraíso (PA) e Laje Branca (SP), em oito estados. Quatro iniciativas estão mais adiantadas, já em fase de vistorias, incluindo Furna Feia (RN), ampliação da estação ecológica Serra das Araras (MT), Domo de Araguainha (MT) e Boqueirão da Onça (BA).
Como está o impasse sobre o sistema de cavernas percorrido pelo rio João Rodrigues, em São Desidério (BA), por onde passará a BR135?
A rodovia está em licenciamento e seu projeto original passa sobre cavernas que abrigam o maior lago e o maior salão subterrâneo do Brasil. Todo o conjunto está sob influência do empreendimento, logo seria um risco muito grande manter o traçado original, até porque não encontramos medidas mitigadoras para evitar danos ao sistema, como poluição e possíveis desmoronamentos. A Casa Civil pediu nosso parecer e esperamos uma decisão que desvie o traçado da rodovia. Também estamos preparando uma proposta de área protegida para o local. O empreendedor deveria ser parceiro na criação de uma unidade de conservação, garantindo que a obra não atinja cavernas entre as mais importantes do país.
Qual o principal fator de destruição de cavernas no Brasil?
Sem dúvida a mineração é a maior ameaça, mas faltam estudos no país sobre a variedade de impactos que essa atividade e obras de infraestrutura provocam nas cavernas, tanto fisicamente quanto na biodiversidade. Mas com o diagnostico espeleológico, previsto no programa nacional, isso começará a ser resolvido. Mas um diagnóstico para um número considerável de cavernas levará anos.
Quantos processos para supressão total ou parcial de cavernas aguardam aval do Cecav, já sob os critérios da nova legislação?
Após a publicação do decreto e das regras sobre relevância das cavernas, devolvemos processos para que se adequassem a essa nova realidade. No momento, não temos nenhum que já atenda esses critérios. É preciso salientar que a legislação atual deixa claro que os órgãos ambientais, inclusive dos estados, poderão licenciar empreendimentos com base nos novos critérios, ainda com aval do Cecav.
No último fim de semana, flagramos estudantes, um professor e um espeleólogo de Anápolis tentando visitar a Gruta dos Ecos (GO) sem autorização. Por que foram convidados a se retirar?
Aquela caverna está interditada por uma portaria federal desde 2001. Isso está informado na página do Cecav e é do conhecimento no meio espeleológico. O turismo desordenado a estava destruindo, o local estava extremamente pisoteado, com lixo, havia depredação intensa. Por isso não pode ter nenhum uso até que seu plano de manejo esteja publicado. É a maior já identificada com formações de micaxistos (um tipo de rocha) e abrigou por muito tempo o maior lago subterrâneo conhecido no país. Havia uma placa informando sobre a restrição, mas ela foi arrancada. Se no futuro a caverna for aberta à visitação, isso ocorrerá de forma organizada, com segurança ao patrimônio espeleológico e aos visitantes.
E o quê fazer com agências de turismo e prefeituras que oferecem pacotes e incentivam em suas páginas a visitação à Gruta dos Ecos e outras cavernas sem condições de atender ao turismo?
Precisamos enviar comunicados a essas empresas, organismos, superintendência do Ibama e do ICMBio e órgãos estaduais. Sem dúvida também é necessário intensificar a fiscalização que, fora de unidades de conservação compete ao Ibama e, dentro, ao ICMBio. Proprietários rurais também são co-responsáveis pela proteção das cavernas.
O STF deve julgar ano que vem uma ação direta de inconstitucionalidade que pode derrubar o decreto e toda a regulamentação subseqüente. E se isso ocorrer?
Realmente seria complicado, mas a ação questiona apenas a forma de regulamentação, não a regulamentação em si. Logo, com ou sem decreto é importante desenvolver metodologias para classificar e estudar as cavernas. Essa discussão é válida e poderá embasar uma nova legislação se o decreto cair. As próprias regras para definição da relevância das cavernas serão revisadas de dois em dois anos, com apoio de um comitê consultivo.
Quem desejar conhecer cavernas interditadas deve fazer o quê?
Hoje poucas cavernas estão formalmente abertas ao turismo, têm infraestrutura para isso. Para conhecer as que estão interditadas, é preciso autorização do Cecav e do proprietário das terras, providenciar guias com experiência e utilizar equipamentos adequados para esse tipo de ambiente. Cada caso é analisado.
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