Conhecida pela facilidade de revelar grandes talentos para o surfe nacional, a praia do Titanzinho, em Fortaleza (CE) voltou a ser notícia no país. Desta vez, porém, seu nome não está associado ao feito de algum esportista , mas sim ao de uma empresa carioca que pretende construir na costa um estaleiro naval para beneficiar a Transpetro – subsidiária da Petrobrás. Embora os impactos ambientais e sociais em consequência do empreendimento sejam significativos, a Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece) aprova a ideia.
Há poucas semanas, no entanto, moradores de Fortaleza ,ficaram sabendo que a empresa PMRJ fechou uma parceria com a Adece para construir um estaleiro no mesmo local onde Mucuripe seria ampliado.
“O estudo de viabilidade econômico-financeira foi feito em cima do projeto de ampliação do porto, lá de trás. As permissões, evidentemente, já estão caducadas”, avisa José Sales, ambientalista e membro do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). Além disso, lembra, ainda que a permissão tivesse respaldo legal, ela não se destina à obra do tipo atualmente proposto.
Protocolo de intenções
As informações sobre o projeto são exparsas. O governo estadual não comenta o assunto abertamente. Mas de acordo com notícia veiculada hoje (28) na coluna de Egídio Serpa, no Diário do Nordeste, o governador Cid Gomes assinou um Protocolo de Intenção – junto como presidente da PMRJ, Paulo Haddad – para a “construção de uma indústria naval, cuja localização foi definida numa das cláuslas do documento: a Ponta do Mucuripe, área de influência do bairro Serviluz”.
Embora Gomes pareça disposto a erguer o empreendimento, o futuro daquele celeiro de boas ondas deve começar a ser decidido no dia 15 de outubro, quando haverá o anúncio dos vencedores da licitação nacional para a construção de estaleiros da Transpetro. Trata-se, de um programa para renovação e ampliação da frota de petroleiros com o intuito de recuperar a indústria naval brasileira.
“Os governos dos estados, através de programas de atração de investimentos industriais tentam chamar os projetos com isenções e incentivos fiscais”, explica Sales. É mais ou menos a intenção do acordo entre a Adece e Paulo Haddad que, procurados pelo O Eco, não retornaram o contato até o fechamento da reportagem.
Justamente pelo silêncio das partes envolvidas, o processo permanece mal contado. Para tentar clarear um pouco a questão, os vereadores Guilherme Sampaio (PT) e João Alfredo (PSOL) conseguiram realizar uma audiência pública na Câmara Municipal de Fortaleza no dia 11 de setembro. “Um dos problemas é a falta de transparência e declarações contraditórias. Durante este encontro, o Paulo Haddad (que também é responsável pelo Estaleiros Atlântico, em Pernambuco) afirmou, em primeiro lugar, que não havia projeto nenhum. Mas logo depois disse que há, sim, o empreendimento e só não poderia afirmar porque o Protocolo de Intenções com o governo não havia sido assinado à época”, diz João Alfredo.
Muitos impactos
Caso a PMRJ vença a concorrência, não terá vida fácil pela frente. Apesar de garantir que a praia onde o cearense Fábio Silva – famoso por seus aéreos – deu suas primeiras remadas é o espaço ideal para o empreendimento, a empresa terá, por exemplo, que modificar o Plano Diretor da capital, recém promulgado. Segundo ele, o bairro de Serviluz é destinado à regularização fundiária, requalificação urbana e obras de infra-estrutura para reduzir a desigualdade social latente na região. “Não existem recomendações para novas localizações industriais junto ao Porto de Mucuripe. Para mudar isto, só fazendo outra lei. Esta demorou seis anos até ser aprovada, entre estudos técnicos, debates e audiências”, diz José Sales.
Para completar os empecilhos na legislação, Sales comenta que, até agora, já foram aplicados 1,5 bilhão de reais no porto de Pecém, capaz de absorver qualquer tipo de investimento. Não é preciso, portanto, invadir as praias de Fortaleza. Isto sem contar com a nova política urbana da cidade, cuja pretensão é recuperar todas as áreas de sua extensa orla. Pelo visto, dentro do governo, há visões conflitantes sobre o mesmo assunto.
O mais grave é o potencial desastre ecológico decorrente de um empreendimento deste porte. Embora seja necessário um estudo aprofundado para detalhá-lo com precisão, é possível afirmar que a dinâmica costeira será afetada em virtude do aterro de 30 hectares do mar. “Isso gera um alto processo erosivo e acaba com a praia. Será também necessário abrir vias de acesso para que os imensos caminhões trafeguem. Uma violência muito grande”, assegura o vereador João Alfredo.
As conseqüências são quase incomensuráveis: fim das práticas de esportes no mar, da pesca artesanal, o que afeta a economia local, e do contato diário com a natureza. A população que reside no Titanzinho também teria que ser deslocada, notícia que deixou os líderes comunitários muito insatisfeitos. Para o arquiteto José Sales, o argumento de geração de empregos é questionável. Há a promessa de 1.220 novos cargos no complexo industrial. “Só que metade será destinada a engenheiros, e a outra é de técnicos especializados. Não é o perfil do povo local”, finaliza.
Caso a PMRJ saia vitoriosa em outubro, deverá fazer o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e uma série de consultas à população antes de as obras terem início. Mas isso não é suficiente para acalmar os ânimos daqueles contrários ao empreendimento, pois eles sabem que a morosidade do poder público pode ganhar agilidade assustadora da noite para o dia. É hora de abrir os olhos, antes que a praia do Titanzinho vire apenas um nome no arquivo fotográfico.
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